Uma Espanha virada do avesso prepara-se para eleições antecipadas
Os independentistas catalães “chumbaram” o Orçamento e precipitaram o fim da legislatura. O PSOE tentará reocupar o centro. Na direita, o Vox condiciona a agenda do PP
Perante a rejeição do Orçamento no Congresso espanhol, cai o Governo de Pedro Sánchez, que amanhã deverá anunciar a marcação de eleições antecipadas, provavelmente para 28 de Abril. O direito de dissolução é uma prerrogativa do presidente do Governo, ouvido o Conselho de Ministros. Com mais um partido em cena, o Vox, de extrema-direita, o quadro político espanhol, que já era um quebra-cabeças, caminha para o desconhecido.
O PSOE aposta em recuperar votos ao centro, explorando o temor da direita agora reforçado pela emergência do Vox. À direita, o Partido Popular (PP) tem um dilema: recuperar votos no centro, ao mesmo tempo que radicaliza o seu discurso para suster a atracção da extrema-direita sobre parte do seu eleitorado. O Vox, sem ter ainda um único deputado, está a marcar a agenda política da direita.
O Orçamento foi chumbado pela votação conjunta de seis emendas, graças à convergência entre o PP, Cidadãos e independentistas catalães — 191 votos a favor das emendas contra 156 e uma abstenção. Foi uma moção de censura disfarçada. Desfez-se, assim, a periclitante e contraditória maioria que, em Maio, derrubou Mariano Rajoy e elegeu Sánchez. A ministra da Economia, Maria Jesús Montero, lembrou em vão que o que estava em debate eram as contas públicas.
Como medida táctica para neutralizar os independentistas catalães, o Governo tentou há semanas uma negociação com os nacionalistas: uma mesa de diálogo em que haveria, não um “mediador”, mas um “relator”. Para os independentistas era um expediente para impor o debate da autodeterminação e pressionar o Governo a intervir no julgamento a decorrer no Supremo Tribunal. Para Sánchez, era mero expediente para aprovar o Orçamento. Avaliou mal os “efeitos colaterais”, dando o pretexto para a manifestação nacionalista de domingo passado em Madrid que, sob o lema “Por uma Espanha unida, eleições já”, uniu o PP, o Cidadãos e o Vox. A mobilização não foi esmagadora, mas serviu para promover Santiago Abascal, o líder da extrema--direita, que discursou e apareceu na fotografia de grupo.
No Congresso, Maria Jesús Montero tentou corrigir o tiro. “Não cederei a nenhuma chantagem”, disse aos independentistas. “Não vamos permitir que em nenhuma ordem do dia esteja o direito de autodeterminação; não podemos nem queremos, porque seria muito nocivo para a Espanha e para a Catalunha.” Era demasiado tarde.
A nova polarização
A dissolução do Parlamento dá-se no momento crítico em que decorre o julgamento dos líderes independentistas catalães. O contágio é perigoso. Note-se que o “processo catalão” rompeu o “bloco constitucional” (PP, PSOE e Cidadãos) que aprovou a intervenção governamental na Catalunha. Ao mesmo tempo, a manifestação de Madrid contribuiu para polarizar decisivamente o mapa político e a opinião pública em termos de esquerda-direita.
Explicou o politólogo Fernando Vallespín: “O certo é que depois das eleições da Andaluzia se terá produzido uma importante mudança do nosso sistema de partidos. Já não tem sentido falar de um ‘bloco constitucional’ frente ao resto. Agora temos dois blocos claramente estruturados em torno do eixo esquerda--direita (...).”
A Espanha parece de novo virada do avesso. Quando já se tinha adaptado ao fim do sistema bipartidário (PSOE e PP) e assimilado a emergência do Podemos e do Cidadãos, a irrupção do Vox ameaça ser ainda mais desestabilizadora.
O problema não está apenas na maior dificuldade de um jogo “a cinco”. Ao pôr em causa o monopólio do PP sobre o eleitorado da direita, o Vox tende a provocar uma radicalização do PP e também uma deriva direitista da sociedade, ainda difíceis de avaliar mas de alto risco.
Cálculos eleitorais
O analista Kiko Llaneras publicou no El País uma síntese das várias sondagens. O PSOE seria, hoje, a primeira força, com 24% dos votos, o PP a segunda, com 21%, seguidos do Cidadãos (18%), do Unidos Podemos (15%) e do Vox (11%). Uma convergência do centro-direita e da extrema-direita somaria 49%. O total da esquerda ficaria pelos 39%. Falta ver a dinâmica da campanha eleitoral, não sendo sequer de excluir uma hipotética maioria PSOE-Cidadãos, o que significaria romper a dicotomia esquerda-direita. Albert Rivera não exclui tal aliança, mas subordina-a ao prévio afastamento de Sánchez.
O fiasco nas eleições da Andaluzia e a perda do governo deixou os socialistas e os seus líderes territoriais “muito nervosos”. O PSOE tentará, no entanto, transformar o desaire do Orçamento numa “oportunidade”. Não fará campanha contra o Podemos, que é hoje o seu único aliado eleitoral e desistiu do projecto de esvaziar a “casa socialista”. Aproveitado a emergência do Vox, prevê-se que os socialistas façam uma “campanha de moderação” contra o novo “perigo da direita”, visando recuperar o centro político, onde se ganham e perdem eleições.
O PP apostará naturalmente numa onda conservadora e na dinâmica da nova “aliança tripartida” da direita. Precisa do Cidadãos e do Vox, partidos que, no entanto, disputam o seu eleitorado.
Mais difícil parece a tarefa de Albert Rivera, que, depois da Andaluzia e da manifestação de Madrid, está conotado com o “tripartido da direita”, apesar de jurar que não se alia a Abascal. Resta saber o preço futuro que tanto ele como o próprio Pablo Casado pagarão pela sociedade com o Vox.