Direcção de Cultura diz que Câmara do Porto quis "garantir edificabilidade" à Selminho

Numa reunião entre o director municipal do Urbanismo e a Direcção Regional de Cultura do Norte terá sido proposta uma alteração à ZEP para permitir construir nos terrenos da família de Rui Moreira

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Terreno foi expropriado pela Câmara, para a construção da ponte, em 1949 ADRIANO MIRANDA

A Direcção Regional de Cultura do Norte (DRCN) garante que o director municipal do Urbanismo da Câmara do Porto afirmou em Abril de 2018, numa reunião, que a autarquia pretendia "garantir capacidade construtiva" aos terrenos Selminho, propriedade da família do presidente da autarquia, Rui Moreira.

Numa carta a que a Lusa teve acesso, um técnico superior da DRCN descreve - e a directora de serviços de bens culturais confirma - que aquela reunião e dois ofícios da autarquia "permitiram concluir que os serviços da Câmara do Porto propuseram uma alteração ao conteúdo da ZEP [Zona Especial de Protecção da ponte da Arrábida] para permitir edificabilidade aos terrenos Selminho e que essa alteração foi corroborada pelo vereador do Urbanismo".

O técnico refere ainda um ofício municipal segundo o qual o parecer da câmara à ZEP, com uma planta a "delimitar" os terrenos como "Área Urbana 3", teve "despacho do vereador do Urbanismo", Pedro Baganha, que em Agosto desmentiu ter sido proposto pela autarquia "alterar o uso do solo" e "permitir a edificabilidade" da Selminho no âmbito da definição da protecção da Ponte da Arrábida.

A informação do técnico foi remetida à Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), a contestar as afirmações do vereador Pedro Baganha, e é confirmada pela Directora Regional de Cultura do Norte.

Numa nota escrita à mão na carta, e carimbada com o seu nome, a directora regional afirma que o memorando do técnico "fixa, rigorosa e cabalmente, a realidade da tramitação processual da ZEP da Ponte da Arrábida", assinalando ter estado presente na reunião com o director municipal do Urbanismo.

Em Agosto, Pedro Baganha disse ser "abusiva, descabida e errada" a afirmação, incluída pela DGPC na ZEP colocada em discussão pública, de que "a Câmara propõe alterar o uso do solo, de modo a permitir a edificabilidade dos terrenos comummente conhecidos como da Selminho". O vereador, que pediu à DGPC para retirar a informação do debate público, alegava não ser "possível inferir de nenhum elemento ou informação fornecida pelos serviços" da autarquia "que a mesma esteja a propor alterar o uso do solo".

De acordo com a DRCN, numa reunião de 24 Abril de 2018, o director municipal do Urbanismo informou que, no parecer da Câmara à ZEP, "seria proposta a criação de uma terceira área urbana nos terrenos Selminho", actualmente classificados como Área Verde e não edificáveis.

Segundo a DRCN, o director municipal "referiu que tencionavam propor uma alteração na revisão do PDM [Plano Director Municipal], de forma a garantir alguma capacidade construtiva para aqueles terrenos". O dirigente municipal acrescentou, de acordo com aquela direcção regional, que "seria positivo que os conteúdos da futura ZEP reflectissem já essa capacidade construtiva".

Quanto ao "parecer técnico" da Câmara à ZEP, chegou à DRCN por "correio electrónico" a 30 de Abril, referindo a existência de "acção judicial na qual a Câmara reclama a propriedade" de uma parcela de terreno da Selminho. A autarquia acrescentava que "a condição a impor numa eventual construção [...] deverá ser a da respectiva cobertura não ultrapassar a cota altimétrica de 50,00 m".

O parecer municipal refere também que, naquele local da escarpa da Arrábida, "a implantação deverá respeitar um afastamento à ponte não inferior ao afastamento do edifício existente a sul da mesma".

Em Janeiro, o Tribunal Judicial do Porto concluiu, após julgamento, que parte dos terrenos da Selminho na Arrábida são municipais. Questionada hoje pela Lusa, a Câmara do Porto disse que "as reuniões e troca de correspondência entre técnicos acerca da definição da ZEP são anteriores ao presente mandato". "No presente mandato, o vereador já deixou claro que, em sede de PDM, será proposto por si à Assembleia Municipal que a referida zona continue com a mesma classificação de 'área verde'", acrescenta o gabinete de comunicação.

A Câmara observa que "o PDM se sobrepõe a qualquer condicionante que possa ser definida numa ZEP", pelo que "a questão é inútil e está, por definição, prejudicada e desactualizada". A Lusa voltou a questionar a autarquia, notando que a troca de correspondência a que se refere é de 2018 e, como tal, do actual mandato, mas não obteve qualquer resposta. A câmara também não respondeu às questões sobre a aparente contradição entre as afirmações do director municipal e as do vereador do Urbanismo.

A Lusa noticiou em Abril que a Ponte da Arrábida, Monumento Nacional desde 2013, estava sem a ZEP prevista na lei para condicionar as operações urbanísticas na envolvente. A ZEP da travessia foi colocada em debate público no fim de Julho e, de acordo com informações dadas na terça-feira pela DGCP à Lusa, a sua publicação em Diário da República está "para breve".

Em 2014, no primeiro mandato de Rui Moreira como presidente da autarquia, a Câmara fez um acordo com a Selminho, comprometendo-se a devolver capacidade construtiva ao terreno da empresa no âmbito da revisão do PDM, ou a imobiliária podia recorrer a tribunal arbitral para definir uma eventual indemnização.

A Lusa questionou a Direção Regional de Cultura do Norte, mas não obteve resposta. A Direcção Geral do Património Cultural não quis comentar o assunto.