Há 24 emoções nas nossas “explosões vocais”

Os investigadores chamam-lhes “exclamações não-verbais” ou “explosões vocais” e construíram um mapa onde se podem ouvir os 24 tipos de emoção que identificaram nas vozes de pessoas dos Estados Unidos, da Índia, do Quénia e Singapura.

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ILUSTRAÇÃO DE MIGUEL FERASO CABRAL

Oh! Ah! Uau! Hum… Ah, ah, ah! Grr! Ups! Ai! Hã? É impressionante como se diz tanta coisa e tão distinta apenas com sons não-verbais. Além das conhecidas interjeições, há ainda os sons impossíveis de imitar por escrito, como um versátil suspiro, por exemplo. Os investigadores costumam chamar a estas reacções sonoras algo como “exclamações não-verbais” ou, como é referido no artigo publicado na revista American Psychologist, “explosões vocais”. A investigação dos cientistas da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos EUA, explorou esta universal forma de comunicar (ainda que com variações nas traduções nos vários países) e concluiu que estes sons representam 24 tipos de emoção, muito mais do que as 13 que se pensava até agora. Além disso, com o artigo apresentam um divertido mapa interactivo para refrescar a memória e descobrir as diferenças.

Está provado que um suspiro não é apenas um suspiro, anuncia o comunicado de imprensa sobre o trabalho dos cientistas da Universidade da Califórnia que conduziram uma análise estatística das respostas dos ouvintes a mais de 2000 exclamações não-verbais e descobriram que elas transmitem (pelo menos) 24 tipos de emoção. Estudos anteriores, adianta o mesmo comunicado, falam num número de emoções reconhecíveis bastante inferior: 13.

Em resposta ao PÚBLICO, Alan Cowen, um dos investigadores que assina o artigo, dá uma explicação mais completa: “Estudos pioneiros de Disa Sauter e Daniel Cordaro mostraram que em diferentes culturas as pessoas reconhecem expressões vocais de raiva, tristeza e de outros oito a dez estados. Nesse trabalho, descobriu-se que as pessoas reconhecem muitos desses sinais mesmo em culturas com contacto ocidental mínimo, como o povo himba na Namíbia, ou povos remotos nas regiões montanhosas do Butão.” Faltava, no entanto, compreender como essas respostas emocionais foram organizadas. “São grupos distintos de sons? Por exemplo, será que estão organizados numa ou duas dimensões, comunicando níveis de prazer versus desprazer e excitação versus calma?”, contextualiza Alan Cowen.

Uma das principais conclusões deste estudo é que os sinais vocais de emoção não podem ser reduzidos a algumas dimensões amplas quando, na realidade, transmitem muito mais tipos de emoção do que os cientistas pensavam. “Ao mesmo tempo, muitas emoções diferentes podem ser misturadas em sinais vocais, adicionando outra camada de complexidade. Os sinais vocais são ferramentas comunicativas incrivelmente poderosas”, comenta o investigador.

Para Dacher Keltner, professor de psicologia da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e outro dos autores do artigo, “este estudo é a mais extensa demonstração do nosso rico repertório vocal emocional, envolvendo breves sinais de mais de duas dúzias de emoções tão intrigantes como o respeito, a adoração, o interesse, a simpatia e o constrangimento”.

Mapear sinais de emoção

Os resultados são apresentados de forma sonora e colorida no “primeiro mapa de áudio interactivo da comunicação vocal não-verbal”. E é muito difícil conseguir resistir à tentação de andar por “ali” a pairar entre um suspiro e um grito, a alegria e a desilusão, a surpresa e a aprovação. E, ao mesmo tempo, a tentar confirmar se o som corresponde, no nosso ponto de vista, à emoção atribuída, se o ouvimos da mesma maneira. Mas o mapa não é apenas um complemento divertido e acessório do estudo. “Ao mapear as emoções que os sinais vocais transmitem, estamos a tornar a sua complexidade acessível a muitas formas de investigação – científica, tecnológica e artística – de uma maneira explícita que ainda nunca tinha sido feita”, refere Alan Cowen.

Entre outras aplicações, o mapa pode também ser usado para ajudar a ensinar assistentes digitais controlados por voz e outros dispositivos robóticos para melhor reconhecer as emoções humanas com base nos sons que fazemos, refere o comunicado. “Quanto aos usos clínicos, o mapa poderia, teoricamente, orientar profissionais da área médica e investigadores que trabalham com pessoas com demência, autismo e outras desordens de processamento emocional para se concentrar em défices específicos relacionados à emoção.”

Segundo o artigo, no estudo foi examinado o “espaço semântico de reconhecimento de emoções de explosões vocais”. Os espaços semânticos são definidos pelo número de diferentes emoções e pela conceptualização de estados emocionais (por exemplo, categorias específicas de emoções). Por fim, também são definidos pela como os estados emocionais são distribuídos dentro desse espaço: por exemplo, será que as emoções que as pessoas reconhecem na voz humana formam grupos?

A tradução é universal?

A investigação está limitada às respostas de participantes de quatro países. O que nos leva a questionar se podemos encontrar exactamente o mesmo leque de emoções associadas a sinais vocais não-verbais noutras culturas. No artigo pode-se ler que é necessário mais investigação para “examinar a variação no espaço semântico de reconhecimento noutras culturas, embora estudos preliminares tenham sugerido que podem ser reconhecidas mesmo em culturas remotas 20 categorias de emoções, o que apoia um possível carácter universal do espaço semântico da emoção vocal”.

O trabalho envolveu dois estudos, numa tentativa de responder a outra possível limitação. Por um lado, os cientistas registaram mais de 2000 explosões vocais de 56 pessoas (alguns actores profissionais) dos Estados Unidos, da Índia, do Quénia e Singapura, pedindo-lhes para responder a cenários emocionais.

Mas a expressão voluntária das emoções, ainda por cima por alguns actores profissionais, não poderá retirar alguma da espontaneidade e naturalidade que faz parte destes sons no nosso dia-a-dia? “Realizamos um segundo estudo no qual analisámos explosões vocais mais naturais do YouTube e descobrimos que elas transmitiam significados muito semelhantes. No entanto, é verdade que é preciso fazer mais trabalho para entender como a ampla gama de expressões vocais é usada para comunicar e guiar os relacionamentos na vida quotidiana”, responde Alan Cowen.

Para este segundo estudo (ou segunda parte do mesmo estudo) foram recrutados mais de mil adultos (de língua inglesa) que ouviram as explosões vocais e as avaliaram com base nas emoções e no significado que transmitiram e se o tom era positivo ou negativo, entre outras características. Os investigadores foram ao YouTube buscar os “exemplos do mundo real” para as 24 emoções estabelecidas na primeira parte do estudo, como, por exemplo, filmes de bebés a caírem, imagens de abraços ou surpreendentes truques de magia.

A análise estatística dos resultados revelou que as explosões vocais encaixavam nas diversas categorias definidas no primeiro estudo, incluindo diversão, raiva, admiração, confusão, desprezo, alegria, desejo, desilusão, repugnância, angústia, êxtase, euforia, constrangimento, medo, interesse, dor, satisfação, alívio, tristeza, surpresa (positiva) surpresa (negativa), simpatia e triunfo. Para Alan Cowen, além de outros importantes contributos, este estudo mostra que é difícil “falsificar” ou disfarçar os nossos sentimentos quando são denunciados por sons que transmitem emoções.

Os sinais da idade

César Lima, um investigador do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), que se dedica a esta área de investigação, confirma que “o principal contributo deste estudo é mostrar que o número de emoções que a voz humana comunica é muito maior do que se pensava até aqui”. “Já sabíamos que, tal como as expressões faciais, a voz é um canal de comunicação emocional crucial nas interacções com os outros, mas tradicionalmente os estudos avaliam apenas um número limitado de emoções (quase sempre abaixo de dez), e tendem a investigar  emoções ‘básicas’, como alegria, raiva ou tristeza”, explica.

Para este cientista português, que é citado no artigo agora publicado na American Psychologist por causa de estudos que divulgou em revistas científicas sobre o mesmo tema, esta investigação apresenta “um resultado novo que nos ajuda a compreender melhor a comunicação humana e a complexidade da forma como expressamos as nossas emoções”, mas também deixa “várias questões em aberto”. “Será importante, por exemplo, estudar como é que a expressão e o reconhecimento destes estados emocionais variam entre culturas, como surgem e se desenvolvem na infância, e como mudam ao longo da idade adulta”.

As marcas da idade na expressão e compreensão das emoções não-verbais foram precisamente um dos assuntos que César Lima Investigou. O que percebeu no estudo de 2014 que é citado agora neste artigo foi que a forma como reconhecemos emoções em expressões vocais, como gargalhadas, muda com a idade. “Comparámos adultos mais jovens com adultos mais velhos no reconhecimento de um conjunto de emoções positivas e negativas, e os mais velhos tiveram um desempenho globalmente inferior”, resume, acrescentando que este declínio vale para emoções positivas e negativas e que foi descartado o eventual impacto de dificuldades de audição ou outras dificuldades cognitivas.

Para Alan Cowen, a questão da idade não terá grande impacto. “Vemos diferenças amplas em certas formas de demência, mas acho que, no geral, as diferenças relacionadas com a idade na percepção emocional são relativamente pequenas em comparação com o que é retido.”

Independentemente da perspectiva mais ou menos científica, é provável que exista um certo fascínio por esta inesperada forma de comunicar. Ou como se lê no artigo: “É uma maravilha anatómica como os humanos se comunicam com a voz: a contracção dos músculos ao redor do diafragma produz explosões de partículas de ar que são transformadas em som através de vibrações das pregas vocais, e saem da boca, dependendo da posição da mandíbula, da língua e outros instrumentos de controlo vocal, na forma de palavras, risos, entoação lúdica, choro, tons sarcásticos, suspiros, música, gritos triunfantes, rugidos ou sons maternais. De uma forma essencial, a voz torna humanos os humanos.”

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