Portugal tenta recuperar os anos de avanço que deu à vespa-asiática
Estado, autarquias e outras entidades parecem agora mais coordenadas no controlo desta invasora que se tornou mais um problema, grave, para a apicultura.
Oito anos depois de ter sido detectada, pela primeira vez, em Portugal, a Vespa velutina, ou asiática, adaptou-se perfeitamente ao país, e prepara-se para saltar definitivamente o Tejo e instalar-se no Sul, para mal dos apicultores algarvios, por sinal os mais profissionalizados e os que exploram apiários de maiores dimensões. Por causa deste insecto invasor e predador de abelhas, a apicultura portuguesa já contabiliza uma quebra de produção que anda entre os 5 a 10%, segundo contas da federação nacional do sector, que vem pedindo, há muito, um ataque coordenado a este problema. A esperança reside agora no financiamento do Governo à destruição de ninhos, tarefa que está entregue, às autarquias, e nos avanços da investigação científica e tecnológica.
Num dos laboratórios do Instituto Ibérico de Nanotecnologia, em Braga, uma equipa coordenada pelos investigadores Miguel Cerqueira e Lorenzo Pastrana desenvolveu, a partir de um polímero em gel, umas pequenas esferas ambarinas que, envolvidas numa mistura de proteínas com os aromas certos, está, nos testes, a conseguir convencer a Vespa velutina de que são melhor petisco, para as suas larvas, do que as abelhas que costumam caçar. As bolinhas amarelas não passam, contudo, de um “cavalo de Tróia” e o próximo passo desta investigação aplicada passará por definir o que colocar dentro delas para que, uma vez transportadas para os vespeiros, ajudem a destruir as colónias e a controlar o avanço desta invasora. Que, já ninguém tem dúvidas, veio mesmo para ficar.
Enquadrado num esforço que envolve financiamentos comunitários à investigação e uma acção concertada dos ministérios do Ambiente e da Agricultura, o ARMA4VESPA é uma das esperanças para um controlo mais efectivo da população de Vespa velutina nigritorax - o nome completo desta subespécie - em Portugal. Miguel Cerqueira ainda não sabe se o isco vai ser recheado com algum insecticida ou se a opção passará por um agente biológico, parasita desta espécie, mas sabe que, seja qual for a opção, ela terá de ter em conta vários factores: a sua eficácia, a minimização de efeitos no ambiente envolvente e um custo de produção industrial que garanta a sua disseminação entre os apicultores, cuja federação nacional (FNAP) é parceira no projecto, tal como a Associação de Apicultores do Cávado e Ave (APICAVE) e vários departamentos da Universidade do Minho.
Enquanto esta inovação não chega ao mercado, agentes da protecção civil de vários municípios, associações, como a Nativa, ou empresas da área de controlo de pragas vão garantindo, a custos e com uma eficácia que varia em função do empenho e da capacidade financeira de quem contrata, a destruição dos ninhos, com recurso a fogo ou a insecticidas aplicados nos vespeiros por via de canas telescópicas. Esta semana o ministro da Agricultura, Capoulas Santos, apresentou no Marco de Canaveses um pacote de um milhão de euros para financiar os municípios aos quais, desde 2015, com a publicação da primeira versão do Plano de Acção para a Vigilância e Controlo da Vespa Velutina, ficou atribuída a coordenação das tarefas de eliminação desta praga.
A questão, queixam-se os apicultores, é que essa atribuição nunca teve força legal, e o esforço tem sido díspar. Se há câmaras que fizeram ou estão a fazer tudo ao seu alcance para minimizar o impacto desta espécie - e que agora vão poder aceder a um máximo de dez mil euros de apoio anual - outras acordaram tarde, ou nem acordaram ainda para o problema, facilitando a propagação deste insecto. Que não conhece fronteiras administrativas e que, no início do seu ciclo anual, após a hibernação, pode viajar dezenas de quilómetros para encontrar o sítio certo para instalar um ninho primário.
Uma espécie "competente"
Se ninguém lhe fizer frente, e se houver alimento - abelhas ou outros insectos - disponíveis, um ninho primário dará origem a um volumoso ninho secundário, que por sua vez dará origem a entre cem a trezentas futuras fundadoras. Sem controlo, “a progressão é exponencial”, diz o presidente da Associação de apicultores do Cávado e Ave, Alfredo Marques. No seu esforço de sobrevivência, “esta espécie é extremamente competente”, acrescenta o entomólogo José Manuel Grosso-Silva, co-autor, com Miguel Maia, do primeiro artigo descrevendo a presença desta vespa em Portugal, publicado em 2012 na revista O apicultor.
No entanto, o biólogo da Universidade do Porto assume também que, face ao que se conhece da sua expansão no território de França - de onde, a partir de uma única rainha, explica, ela se espalhou por vários países do continente europeu - esperar-se-ia que o seu avanço, em Portugal, tivesse sido mais rápido. Por factores como o clima, ou de menor alimentação disponível, a colonização de novos espaços, de norte para sul, a partir de Viana, por cujo porto entrou em 2011, deu-se “a um terço da velocidade”, explicou ao PÚBLICO.
O problema é que, mesmo avançando mais devagar, este insecto muito bem organizado, e que só em Julho de 2016 foi entre nós classificado como exótico, contou com alguma desorganização, e lentidão de reacção, das várias entidades que poderiam contribuir para um controlo mais precoce. Em Outubro de 2017, perante a incapacidade de travar este fenómeno, o actual ministro criou uma comissão de acompanhamento, no âmbito da qual o plano de acção foi revisto. E já em Dezembro do ano passado, foi finalmente publicado um manual de boas práticas para a destruição de ninhos desta vespa.
Portugal até tem há anos uma plataforma online para notificação dos avistamentos e da eliminação dos vespeiros, sob alçada do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, mas o SOS Vespa tem problemas de funcionamento, queixa-se quem com ele trabalha. E, além disso, não dá um retrato fiel do que passa no terreno, tendo em conta que nem tudo é devidamente registado por quem está envolvido na vigilância e controlo. Ainda assim, esta semana, durante a apresentação da Campanha Nacional de Combate à Vespa Velutina, pelo ministro Capoulas Santos, afirmou-se que nestes anos terão sido já destruídos quase 12.900 ninhos.
Apicultores precisam de se profissionalizar
Face à já descrita capacidade de reprodução desta espécie, os números são assustadores. Para as abelhas, o seu petisco favorito, mas também para toda a biodiversidade e para a agricultura, dado o papel dos vários insectos predadores na polinização. E a isto há que acrescentar a saúde pública, tendo em conta que ela se dá muito bem nas cidades, aumentando, por isso, a possibilidade de contactos, inadvertidos, com humanos. As consequências de um choque anafiláctico por picada desta invasora não são muito diferentes das de uma picada da nossa abelha melífera, e resultaram, até agora, em duas mortes, a última das quais em Dezembro passado, em Vila Verde, no distrito de Braga.
As abelhas, e quem delas vive, terão, claro, maior razão de queixa. Para Alfredo Marques (um dos autores do manual de boas práticas), a Vespa velutina é um problema novo, e grave, a juntar-se a outros também graves e bem conhecidos do sector, como a varroose ou infecções bacterianas, que têm enfraquecido muitas das colmeias estabelecidas em Portugal. E uma colónia de abelhas fragilizada por outras doenças tem também maior dificuldade em reagir aos ataques desta vespa, necessitando, por isso, de maior atenção e apoio dos apicultores. Que, perante o nível dos desafios, "precisam, hoje mais do que nunca, de se profissionalizar", alerta.
Entre alimentação artificial, deslocações aos apiários, e colocação de armadilhas para captura de vespas fundadoras - um método preventivo que está a ser estimulado, nos primeiros meses do ano - os sobrecustos de produção associados a este novo problema rondam os 20%, garante a FNAP. Prejuízos difíceis de suportar por um sector que, segundo o Programa Apícola Nacional 2017-2019, tinha, em 2015, quase 10.700 apicultores, cada com uma média de 60 colmeias, mas apenas mil que, por explorarem mais de 150 colmeias, eram considerados profissionais.