A intervenção com os agressores sexuais equivale a proteger potenciais vítimas
Avaliar e intervir com os agressores sexuais, independentemente do seu sexo, equivale a proteger potenciais vítimas. Que duvidas não restem disto.
Após o artigo que publicámos no jornal PÚBLICO no passado dia 31 de Janeiro, intitulado “Violência sexual contra crianças: do senso comum à intervenção especializada”, algumas vozes se elevaram, afirmando estarmos a defender o mito do bom pedófilo. Para que não se confunda ciência com ideologia, aqui fica a devida clarificação.
Não existem bons ou maus pedófilos. Existem pedófilos que apresentam, caso tal diagnóstico seja feito, uma perturbação mental (parafilia), com critérios específicos que estão bem identificados. É isso que o DSM-5 (Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais) da Associação Americana de Psiquiatria define.
Alguns pedófilos passam ao acto (seja por consumo de pornografia infantil, seja por contato com os menores) e cometem a agressão sexual porque a cognição, por si só, não satisfaz o seu desejo sexual. Cometem, assim, crimes contra a liberdade (artigos 164.º e 177.º n.º 7, do CP) e autodeterminação sexual.
Outros pedófilos não chegam a passar ao acto e não podem, portanto, ser criminalizados. As fantasias não podem ser alvo de um processo crime. Depois há os abusadores sexuais que, não tendo o diagnóstico de pedofilia, cometem crimes contra a autodeterminação sexual por motivações diversas, entre elas o poder, controlo ou expressão da raiva. A diferenciação entre ambos é importante para a intervenção, porque ela será diferenciada consoante a motivação. Se o que está em causa é a forma distorcida de pensar e não o desejo sexual, a intervenção terá de ser nesse sentido.
Se o crime de abuso sexual é cometido com a presença física do agressor (“offline”) ou à distância de um clique (“online”) é outra questão. Diz respeito às estratégias de abordagem da vítima e não existe uma relação direta entre a estratégia utilizada e o diagnóstico de pedofilia.
Podemos fazer de conta que uma abordagem meramente repressiva resulta e, no limite, falar da pena de morte. E de que modo essa abordagem redutora, para além de inconstitucional, protege as nossas crianças? Ou será que acreditamos que todos os agressores sexuais estão identificados? Defendemos a pena de prisão mas ignoramos, tantas e tantas vezes, que ela tem um fim. Significa isto que, mais tarde ou mais cedo, estes agressores voltam a viver em comunidade, pelo que se torna necessário recorrer, de uma forma conjugada, a mecanismos de intervenção que permitem a redução de futuras situações de agressão sexual. Os estudos relativos à eficácia dos programas de intervenção não deixam margem para dúvidas. No entanto, sem qualquer tipo de intervenção este risco será ainda mais elevado.
Uma avaliação e intervenção especializadas com agressores sexuais não significa que estes sejam desculpabilizados. Significa, sim, que se pretende diminuir, na medida do possível, o risco de repetição do comportamento agressivo. Esta intervenção exige programas especializados, tendo em conta as especificidades de cada agressor ou agressora.
Sabemos que, de acordo com os dados estatísticos publicados (RASI, 2017), a maioria dos arguidos (96,1%) e detidos (98 detidos por crime de abuso sexual de crianças, 34 detidos por pornografia de menor e seis detidos por actos sexuais com adolescente) são do sexo masculino, a par de uma maioria de vítimas do sexo feminino (80,5%). Estes mesmos dados indicam, de forma muito clara, a existência de três mulheres detidas por crimes abuso sexual de crianças, três por pornografia de menor e um por actos sexuais com adolescente. Uma interpretação atenta destes dados (e não uma leitura enviesada) permite concluir que as crianças estão também expostas a comportamentos sexuais desajustados e puníveis por parte de mulheres (e estes dados serão certamente a ponta de um iceberg). Que podem ser as suas mães, outras familiares, amas, professoras, amigas da família. Tal como acontece com os agressores masculinos, também as agressoras femininas têm, na sua maioria, uma relação familiar ou de conhecimento com a vítima.
Por tudo isto, avaliar e intervir com os agressores sexuais, independentemente do seu sexo, equivale a proteger potenciais vítimas. Que duvidas não restem disto.
Os psicólogos, especialistas em Psicologia da Justiça pela OPP
Alexandra Anciães (Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses)
Ana Conduto (Jurista)
Cristina Soeiro (Instituto Universitário Egas Moniz/Escola de Polícia Judiciária)
Ricardo Barroso (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro)
Rui Abrunhosa Gonçalves (Universidade do Minho)
Rute Agulhas (Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses/ISCTE-IUL)
Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico