Do amor às luzes e às novas artes de Paris
A capital francesa viu nascer há pouco tempo o Atelier des Lumiéres, um espectáculo de fulgor em plena cidade das luzes. A ele junta-se o circuito de arte urbana de Belleville e ainda uma fundação de exposições fotográficas que mudou de casa recentemente.
Nas redondezas de Barbès, em Paris, arte não falta. No bairro de Belleville, a arte urbana ainda é clandestina, quase secreta, mesmo estando à vista de todos. A nossa visita à galeria a céu aberto começa no cruzamento de quatro bairros: o 10.º, o 11.º, o 19.º e o 20.º; em Paris, existem 20 bairros (arrondissements, uma divisão administrativa semelhante à das freguesias). Ainda que num mapa a sua numeração possa parecer aleatória, a técnica usada é uma espiral, uma linha em forma de caracol que começa precisamente no centro, perto do Sena, que é “um bigode” que atravessa a meio a forma batatóide de Paris.
A visita decorre pelo vigésimo, um bairro que tinha “uma reputação de contestação, de tendência comunista e anarquista” e que agora tende a gentrificar-se, mesmo “não sendo de todo turístico”. Quem nos diz é a guia Elodie German, da my urban experience, enquanto nos leva pelos pingos da chuva para a estreita Rua Denoyez, cercada por apartamentos completamente grafitados: ao início era ilegal fazê-lo, mas a câmara acabou por autorizar em vez de reprimir.
Agora, os muros têm centímetros de tinta, como se pode ver numa ranhura de uma porta, quase irreconhecível pelo manto de tinta. A ideia da street art é ser efémera, e em breve as pinturas que se foram juntando ao longo dos anos desaparecerão, já que para ali está prevista a construção de alojamento social e de uma creche. A visita começa em crescendo: das tags e graffiti sem grande força da Rua Denoyez passamos para obras de grande envergadura, retratos das gentes do bairro, críticas à sociedade e ao Governo francês (sobretudo a Macron).
Passamos ainda pela Place Fréhel, uma praça criada completamente por acaso. Em 1934, enquanto criavam o túnel da linha 11 do metro, o terreno (que estava em más condições) implodiu e arrastou consigo os apartamentos — cujos alicerces ainda são visíveis na praça. Mais tarde, para disfarçar a desgraça, a praça acabou por ser decorada por artistas conceituados que não têm por hábito enveredar pela street art. Um deles é Ben Gautier, agora com 83 anos, que tem uma instalação enorme na empena de um dos prédios, com direito a ilusão de óptica e a um quadro que diz “é preciso desconfiar das palavras”.
Sem guarda-chuva, a francesa Magalie Lecrivain olha para as obras e conta que decidiu juntar-se à visita guiada e trazer a sua filha, que também gosta de desenhar, para conhecer um lado da cidade onde vive que não conhece tão bem: “Somos parisienses, moramos em Paris e não conhecia isto.” A filha Anaïs, de 12 anos, concorda: “Nunca cá vimos a Belleville, a não ser pelos restaurantes. Mas é sem dúvida outra forma de descobrir um bairro, faz com que olhemos à nossa volta e vejamos coisas que não veríamos de outra forma.” A visita é paga e deve ser marcada com antecedência: são 15 euros por adulto e 7,50 euros por crianças com menos de 12 anos.
Terminada a visita e seguindo o circuito da arte, encontramo-nos diante do Atelier des Lumiéres, a 20 minutos de Belleville — um espectáculo de fulgor em plena cidade das luzes. Aqui, é possível entrar nas pinturas, caminhar nelas, tocar-lhes. O museu interactivo, cuja missão é criar experiências visuais imersivas, nasceu há menos de um ano no lugar de uma antiga fundição de 1835, cuja história é também contada na exposição.
Quando o visitámos, estava em exposição a vida e obra do pintor austríaco Gustav Klimt, que deu as honras de inauguração; a partir de 22 de Fevereiro e até ao final do ano, será possível entrar na noite estrelada e nos campos de girassóis de Van Gogh. Por entre o impressionismo do holandês, haverá ainda espaço para uma exposição curta dedicada à arte japonesa. Num espaço amplo, uma espécie de armazém, as pinturas são projectadas com a ajuda de 140 videoprojectores nas paredes que chegam aos dez metros de altura, e vão mudando de forma quase coreográfica, ao som da música, enquanto as pessoas vão apreciando: de pé, sentadas, ou brincando com as luzes e sombras das projecções.
Se o plano for passar das pinturas para a fotografia, há uma fundação que encaixa perfeitamente no trajecto: chama-se Fondation Henri Cartier-Bresson e mudou-se de Montparnasse (onde estava desde 2003) para a Rue des Archives, em pleno Le Marais. Reabriu portas em Novembro, com a exposição da fotógrafa belga Martine Franck, que pertencia à agência Magnum e era mulher do francês Cartier-Bresson. A partir de 21 de Fevereiro, estarão em exposição as fotografias do sul-africano Guy Tillim que retratam o período pós-colonial de muitas capitais africanas.
A Fugas viajou a convite da Transavia e do Turismo de Paris