Uma princesa tailandesa pousou a coroa e abriu uma guerra com os generais e com o rei

A irmã do rei tailandês apresentou-se como candidata a primeira-ministra, chocando o país. O monarca opôs-se, mas o tabuleiro político já foi virado.

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Líder do partido Thai Raksa Chart mostra documento que nomeia a princesa Ubolratana Mahido como candidata EPA

A Tailândia preparava-se para umas mais do que previsíveis eleições, marcadas para Março, quando a princesa Ubolratana Rajakanya Sirivadhana Barnavadi, irmã do rei Maha Vajiralongkorn, entrou no jogo político e virou tudo do avesso. A sua candidatura a primeira-ministra é um desafio directo à junta militar que pretende manter-se no poder, mas também à casa real e sobretudo ao seu irmão.

Ubolratana anunciou na sexta-feira que pretende ser a candidata a primeira-ministra pelo Thai Raksa Chart, um partido próximo da família Shinawatra, de dois antigos chefes do Governo que foram afastados pelo Exército. A notícia foi recebida como um choque, com contornos de escândalo, num país onde a instituição monárquica é idolatrada e a sua imagem é muito protegida.

A intenção da princesa foi condenada horas depois de forma muito firme pelo rei Vajiralongkorn, que a considerou “inapropriada”. “O envolvimento de membros de alto nível da família real na política, seja de que forma for, é considerado um acto que contraria as tradições, os costumes e a cultura da nação, e é portanto considerado extremamente inapropriado”, afirmou o monarca, através de um comunicado lido em directo em todos os canais televisivos.

A candidatura de Ubolratana foi também posta em causa por um dos partidos pró-militares junto da Comissão Eleitoral, com o argumento de que a Coroa não pode ser usada para fins eleitorais. O órgão eleitoral tem uma semana para emitir uma decisão.

A forte oposição do rei deverá condenar a candidatura da princesa, apesar de Ubolratana ter sublinhado que abdicou dos seus títulos reais e vive hoje como uma “cidadã comum”. Independentemente do futuro da candidatura, Ubolratana já agitou as águas da política tailandesa.

“Um choque”

“Para ser sincero, estou perplexo, isto é um verdadeiro choque”, disse ao South China Morning Post o académico australiano Kevin Hewison, que acompanha a política tailandesa há quatro décadas.

É incerto qual será o impacto eleitoral que a tentativa da princesa em entrar na política poderá ter. Caso se concretizasse, o Thai Raksa Chart tornar-se-ia um “candidato à vitória”, disse à Reuters o professor da Universidade de Chulalongkorn, Thitinan Pongsudhirak. E isso significa que poder da junta militar estaria ameaçado.

Desde o golpe de Estado de 2014, que derrubou a primeira-ministra Yingluck Shinawatra, que a Tailândia é governada por uma junta liderada pelo general Prayuth Chan-ocha, e que tem cimentado a sua posição, perseguindo os “camisas vermelhas”, apoiantes dos Shinawatra. Prayuth fundou um partido e é candidato nas eleições marcadas para 23 de Março, após sucessivos adiamentos.

O Thai Raksa Chart surgiu como um partido aliado dos “camisas vermelhas”, perante a ameaça de dissolução do Pheu Thai, o seu partido original, pelos militares. A princesa Ubolratana tornou-se próxima de Thaksin Shinawatra, primeiro-ministro entre 2001 e 2006, até ser derrubado e se ter auto-exilado. Os dois foram vistos juntos durante o Campeonato do Mundo na Rússia, no Verão passado.

Apesar de a Constituição aprovada pelos militares fornecer várias garantias de que o Exército irá manter o poder real, uma candidatura de Ubolratana seria uma dor de cabeça para Prayuth. “Ela é definitivamente uma ameaça para Prayuth porque tem muito mais legitimidade junto dos tailandeses do que o líder de um golpe”, disse ao The Guardian o professor da Universidade de Naresuan, Paul Chambers.

A grande interrogação é se a popularidade da princesa e a marca que a sua tentativa deixou será suficiente para que o eleitorado apoie o Thai Raksa Chart, mesmo que tenha outro candidato. O percurso de Ubolratana conferiu-lhe um grande carinho junto da sociedade tailandesa, que apenas rivalizava com a idolatria prestada ao seu pai, o rei Bhumibol, que governou durante sete décadas, até à sua morte em Outubro de 2016.

Nascida em 1951, Ubolratana é a filha mais velha do rei, mas abdicou dos seus títulos quando se casou com um médico norte-americano, em 1972, numa altura em que estudava no MIT, nos EUA. Regressou à Tailândia apenas em 2001, já divorciada, e lançou-se numa carreira como actriz, tornando-se num dos rostos mais conhecidos do país. Um dos seus filhos morreu no tsunami de 2004. Ubolratana empenhou-se na luta contra a toxicodependência, tendo recebido apoio do Governo, então liderado por Thaksin Shinawatra.

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