Faltam 49 dias para o “Brexit” e há um backstop a bloqueá-lo

Poucos admitem prever qual será o desfecho do processo de saída do Reino Unido da União Europeia.

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Faltam 49 dias para o "Brexit" Reuters

Um diferendo entre o Governo de Londres e a União Europeia sobre o backstop para a Irlanda está a bloquear o “Brexit” ordenado, ou seja, com acordo. A saída do Reino Unido do bloco europeu está agendada para daqui a 49 dias (29 de Março).

Ambos os lados querem evitar a “fronteira rígida” — o que é isso?

Em 1998, o Reino Unido e a Irlanda assinaram o Acordo de Sexta-Feira Santa, que pôs fim a 30 anos de violência sectária na Irlanda do Norte. Lutavam os unionistas, que defendem a permanência do território no Reino Unido, e os republicanos, que querem a reunificação com a República da Irlanda. Como ambos os territórios fazem parte da União Europeia, não há fronteira nos 500 quilómetros que separam a Irlanda do Norte da República da Irlanda. Porém, se o Reino Unido deixar a UE, e o mercado único e a união aduaneira, em princípio regressaria a fronteira rígida, com postos de controlo e novas regras para a circulação de pessoas e bens entre os dois lados da ilha irlandesa — como acontece com territórios que não pertencem à UE.

Qual é então a solução?

Um acordo de comércio livre entre o Reino Unido e a UE, que será negociado durante um período de transição de 20 a 40 meses depois da data de saída, 29 de Março. Esse acordo garante que a fronteira permanece “invisível”.

Então, qual é o problema?

A Irlanda e a UE querem uma garantia, a que foi dado o nome em inglês de “backstop” (mecanismo de salvaguarda). Diz que o Reino Unido continua a cumprir muitos dos regulamentos “a menos que e até que” surja “um acordo alternativo” que garanta que não há uma fronteira rígida. A UE propôs que só a Irlanda do Norte se mantenha na sua área económica, mas a primeira-ministra britânica, Theresa May, e os seus aliados norte-irlandeses (unionistas) dizem que essa solução põe a Irlanda do Norte no caminho da reunificação com a República da Irlanda. Assim, o acordo deixa todo o Reino Unido vinculado às regras da UE. Em Janeiro, o acordo negociado por May foi derrotado no Parlamento de Westminster, que disse à primeira-ministra para o deitar fora ou o renegociar. A UE recusa renegociar, como rejeita um backstop por um tempo limitado ou a sua exclusão do acordo.

Beco sem saída

May argumenta que há “alternativas” ao backstop para evitar a fronteira. A UE diz também ter essa esperança, mas sublinha que essas alternativas não estão testadas (ou apresentadas) e devem ser trabalhadas durante o período de transição. Com a Irlanda a dizer que a “alternativa” de que May fala não passa de um “desejo”, o backstop mantém-se inalterado, diz a União Europeia.

E agora?

Até agora, ninguém cedeu. E ambas as partes estão a fazer planos para o Reino Unido deixar a UE a 29 de Março sem acordo, o chamado “hard ‘Brexit’”. Fontes oficiais da UE e diplomatas falam num acordo de última hora (a que os britânicos chamam “acordo da 11.ª hora”, numa referência a uma frase no Evangelho de Mateus no Novo Testamento; na parábola dos trabalhadores da vinha, Jesus diz que os que aceitam o convite para o trabalho na vinha — leia-se por vinha o reino de Deus — no último momento serão recompensados de forma igual aos que chegaram mais cedo).

Essa 11.ª hora pode acontecer na cimeira europeia marcada para 21 e 22 de Março, a que deve seguir-se, se o calendário for cumprido, um adiamento de dois ou três meses no “Brexit”, para permitir que o Parlamento de Londres aprove a imensidão de legislação necessária para o divórcio. A outra opção é a saída a 29 de Março sem acordo.

Mas “sem acordo” não significa o regresso da fronteira?

Esse é o cerne do mistério para a Irlanda e para a UE. O Governo de Londres diz que não vai criar mecanismos de controlo de fronteira. A Irlanda diz o mesmo. É possível que haja um statu quo na fronteira, pelo menos por um breve período pós “Brexit”. Mas Bruxelas vai querer que seja feito algum tipo de controlo, como é sugerido nas tais “alternativas” ao backstop, porque considera que deve haver controlo sobre os produtos britânicos que entrem nas suas fronteiras (neste caso na Irlanda). Isto para evitar que o Reino Unido tenha uma “porta do cavalo” que lhe dá acesso ao mercado único e que a Irlanda veja as suas exportações para o resto da UE sujeitas a controlos em portos comunitários, para garantir que não há produtos britânicos.

A pressão é, portanto, elevada

O comércio do Reino Unido pode ser seriamente afectado, se a UE impuser controlos e taxas às suas exportações, assim como as empresas europeias. A longo prazo, a UE teme que o fracasso das negociações envenene durante anos as relações com um dos seus principais vizinhos, à medida que Londres e Bruxelas tentem chegar a um entendimento sobre uma nova parceria comercial. A UE diz que o backstop é uma defesa vital para o seu mercado único perante uma grande economia que ficará fora das suas regras. Os deputados britânicos consideram o backstop um ataque à soberania do país. Poucos admitem prever o desfecho deste processo. Reuters