"Psicólogos ainda são um recurso pouco utilizado em Portugal"
Em Portugal, os psicólogos estão "no início de uma caminhada". Esta é "uma profissão jovem" e "há muita gente a trabalhar de forma precária", lamenta o bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Francisco Miranda Rodrigues.
Os psicólogos "ainda são um recurso pouco utilizado em Portugal", lamenta Francisco Miranda Rodrigues, bastonário da Ordem que representa estes profissionais.
A Ordem foi fazer lobbying em Bruxelas para sensibilizar os representantes das instituições europeias para o papel que os psicólogos podem desempenhar em várias áreas, além do mais convencional, o da psicologia clínica. Não seria possível fazer o mesmo em Portugal?
Temos estado muito presentes no Parlamento português. Participamos nos processos de consulta com muita intensidade, pelo menos nas áreas em que a psicologia está mais reconhecida. Mas, em determinadas questões, por exemplo nas ambientais, não é comum pedirem-nos que nos pronunciemos. Na questão dos fogos ficou muito claro que somos muito importantes para apoiar pessoas nos locais de crise, mas, na parte relacionada com a prevenção, isto está longe de ser claro. Ninguém defende que em cada esquina se deve ter um psicólogo, mas os psicólogos ainda são um recurso pouco utilizado em Portugal. Há dificuldade em perceber que existem profissionais que estão habituados a mobilizar as pessoas, a envolver comunidades, a criar condições para que haja transformações nessas comunidades. A visão que predomina em Portugal ainda é muito limitada. [Com a iniciativa em Bruxelas] quisemos obter mais apoios e conseguir mais resultados também cá. Esta é uma profissão jovem, estamos no início de uma caminhada. Há muita gente a trabalhar de forma precária e com grandes dificuldades.
O reconhecimento do papel dos psicólogos é difícil porque há pouca sensibilidade dos responsáveis políticos portugueses?
Em Julho, por exemplo, reunimos com o ministro do Trabalho e um dos assuntos tinha que ver com o nosso contributo na área do emprego. Ficamos muito surpreendidos. Foi uma área em que não houve qualquer interesse em receber contributivos. Não é oportuno neste momento, disseram. Mas o que que é feito actualmente a este nível [quando alguém fica desempregado]? Há um olhar muito básico para uma súmula curricular, as pessoas são chamadas para cursos de formação que, por vezes, são os que estão disponíveis, não há uma abordagem que faça um balanço de competências. O Ministério do Trabalho parece-me lentificado, fora de tempo, pouco adaptado àquilo que são as necessidades do país.
E no trabalho com os refugiados? Dizem que podem ajudar a integração. Como?
Com os refugiados já existe trabalho feito por psicólogos, mas é mais no plano europeu que este modelo tem que ser repensado. As declarações do comissário europeu para a Saúde são importantes. Ele disse que as questões ligadas à saúde mental são prioritárias e que o papel do psicólogo é diferente do modelo médico, da remediação. Em alguns Estados-membros há discursos a reconhecer esta realidade, mas a prática está muito longe [dos discursos]. Em Portugal, não há recursos. No outro dia, na apresentação do livro do doutor Francisco George, o professor Daniel Sampaio notou que este não dava destaque à saúde mental e lembrou que precisamos de ter psicólogos nos centros de saúde. Agora, abriram um concurso para 40 psicólogos... Foi histórico [não havia um concurso deste tipo há cerca de duas décadas], mas é preciso um investimento muito maior. Não é sustentável uma abordagem que seja pura e simplesmente remediativa, precisamos de trabalhar preventivamente.
Dizem que são especialistas em mudança de comportamentos, mas como é que se convence alguém a alterar o seu comportamento?
São as pessoas que mudam os comportamentos, mas têm que ter informação e, depois, compreender essa informação. Sem a chamada literacia é muito difícil que uma pessoa decida mudar os seus hábitos de vida. Os psicólogos têm modelos para lidar com isto, sabem criar condições para que as pessoas fiquem motivadas [para as mudanças]. Se dermos autonomia e alguma responsabilidade às pessoas e a possibilidade de colocarem as suas competências em acção, se tiverem o sentido de pertença [às organizações], dificilmente não conseguiremos que fiquem motivadas. [Pelo contrário], quando se limita a autonomia das pessoas, quando não sentem orgulho em fazer parte de uma organização porque não se identificam com os seus valores, isso corta a motivação. Nós podemos trabalhar tudo isto. Portugal devia ter uma agenda para o desenvolvimento das pessoas e para a prevenção, o que é essencial para a coesão social e para que o país seja mais competitivo. O país não é rico em recursos naturais, por isso não podemos desperdiçar os recursos que temos, que são as pessoas.