Santos Silva: Portugal “não discrimina investidores por nacionalidade”
O ministro disse ainda que Portugal e a China têm uma "história comum", marcada por relações de "proximidade" que tem beneficiado ambos os países ao longo de 500 anos.
O ministro dos Negócios Estrangeiros português considerou nesta quarta-feira que "os parceiros chineses têm sido fiáveis", dando como exemplo a Redes Energéticas Nacionais (REN), e sublinhou que Portugal "não discrimina investidores por nacionalidade". O ministro mantém o silêncio em relação ao conflito diplomático na Venezuela, depois de oito agentes da PSP terem sido impedidos de entrar na capital venezuelana.
Augusto Santos Silva que comentava em entrevista à Lusa a importância do investimento chinês em Portugal, destacou que tal como a China "viu em Portugal um lugar seguro para o investimento das suas empresas", também a economia portuguesa beneficiou desse apoio, sobretudo em sectores como a energia, banca e seguros.
Salientou ainda que a State Grid (a energética chinesa e principal accionista da REN) tem sido "um parceiro fiável e não trouxe nenhuma dificuldade", tal como aconteceu noutras empresas, com maioria de capital em mãos chinesas como a EDP ou o BCP, onde "a intervenção [chinesa] foi no sentido de estabilizar os accionistas".
O ministro acrescentou que o Governo português "tem tentado convencer" os parceiros chineses de que há outros sectores importantes na economia portuguesa, designadamente a indústria, mas sublinhou que "Portugal não discrimina investidores por nacionalidade", mas sim em função de quem cumpre as regras.
Santos Silva rejeitou também que Portugal tenha mais investimento chinês do que outros países europeus e disse que é preciso distinguir os investimentos das decisões tomadas pelos Estados. "Não foi a China que decidiu privatizar a REN e abrir essa privatização num processo de concurso sem nenhuma cláusula de interesse estratégico ou nacional. Foi Portugal que decidiu privatizar a REN e a EDP e lançou concursos", onde a China se apresentou com as propostas mais favoráveis, observou.
Além disso, Portugal está inserido numa "economia europeia" que limita a acção dos accionistas em áreas "que desempenham funções críticas" através das regras impostas pelas autoridades reguladoras.
Questionado sobre se existe falta de escrutínio quanto à atribuição de vistos gold, o ministro lembrou que "Portugal tem este regime como outros 19 países" europeus, estando os seus beneficiários sujeito a regras de segurança controladas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
"O aparelho de justiça funciona, o controlo administrativo funciona, a lei foi aperfeiçoada no sentido de a Autoridade Tributária conhecer a situação fiscal dos detentores de vistos gold, salientou o chefe da diplomacia.
"Tudo o que houver para corrigir, corrigiremos, mas não me parece que seja útil deitar fora o bebé com a água do banho, nem me parece realista cometer o que seria uma enorme ingenuidade, baseada numa falsidade que é a ideia de Portugal renunciar a um regime que só ele usa", frisou.
Augusto Santos Silva mostrou-se disponível "para discutir a harmonização dos regimes e incentivos" existentes, mas acrescentou que "não está disponível para eliminar a vantagem" de Portugal enquanto os outros países mantêm a sua.
Reconheceu, no entanto, que este é um instrumento "limitado" e que existem outros "mais poderosos": Os vistos gold "são um pequeno instrumento de atracção de investimento e de capital para o nosso país e já conseguimos angariar por essa via pouco mais de quatro mil milhões de euros de investimento ou de capital transferido para Portugal, mas é um instrumento limitado".
Os vistos gold são um regime de autorização de residência para cidadãos não naturais da União Europeia atribuível a pessoas que: transfiram capitais no montante igual ou superior a um milhão de euros; criem, pelo menos, dez postos de trabalho; adquiram bens imóveis de valor igual ou superior a 500 mil euros.
Os chineses são, em Portugal, os principais beneficiários deste regime com 4013 vistos atribuídos desde o início do programa, em Outubro de 2012, até Novembro de 2018.
Portugal e China: dois país com história comum marcada pela proximidade
O ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, recordou na quarta-feira que Portugal e a China têm uma "história comum", marcada por relações de "proximidade" que tem beneficiado ambos os países ao longo de 500 anos.
A República Popular da China foi proclamada em 1949, mas Portugal precisou de um interregno de 30 anos e de uma revolução de cravos para reconhecer e estabelecer relações diplomáticas com o país comunista, o que só veio a acontecer a 8 de Fevereiro de 1979.
Para Augusto Santos Silva, este afastamento de quatro décadas foi apenas um "momento" na longa ligação de cinco séculos entre Portugal e a China, marcada pela ausência de conflitos e da qual amos os países "têm retirado benefícios".
"As relações políticas e diplomáticas pautaram-se sempre pela normalidade e até pela proximidade", sublinhou o chefe da diplomacia, destacando que Portugal e China foram "actores importantes no que conduziu ao fim da guerra fria" e à formação de "uma nova consciência e uma nova etapa da concertação multilateral".
A própria transição de Macau que, em 1999, deixou de ser um território sob administração portuguesa tornando-se a segunda região administrativa especial da China, depois de Hong Kong, é "estudado como um caso de modelo positivo", acrescentou.
O governante salientou que a transição perdura, 20 anos depois, "sem nenhum conflito, nem nenhum equívoco", e que as garantias obtidas por Portugal aquando na negociação têm sido cumpridas.
Para Santos Silva, o processo de transferência, ajudou até a impulsionar as relações culturais e económicas porque os chineses entenderam "muito rapidamente" que Macau podia ser uma excelente plataforma de intercâmbio entre a própria China, Portugal e os países de língua portuguesa, em particular os africanos.
"Isso foi tornando Macau um pivot importante neste relacionamento trilateral", o que teve consequências na expansão da língua portuguesa, a nível da atracção de jovens quadros qualificados para o ensino da língua portuguesa e aumento do número de universidades onde se ensina o português.