Siderurgia Nacional no Seixal tem 60 dias para cumprir licença ambiental

O "reiterado incumprimento" da empresa no que toca às condições da licença ambiental que lhe foi atribuída está a gerar contestação entre a população, que se queixa do pó branco que cobre a Aldeia de Paio Pires.

Foto
NFS - Nuno Ferreira Santos

A Siderurgia Nacional, na Aldeia de Paio Pires no Seixal, foi notificada para o cumprimento das condições da licença ambiental "no prazo de 60 dias", avançou o inspector-geral da IGAMAOT esta quarta-feira.

A decisão da Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) de avançar com uma notificação à Siderurgia Nacional "para a implementação de uma medida cautelar", que impõe o cumprimento das condições da licença ambiental, foi motivada pelo "reiterado incumprimento" da empresa e pelo "alarme social" provocado pela situação de poluição na Aldeia de Paio Pires, verificado em Janeiro.

O inspector-geral da IGAMAOT, Nuno Banza, falava no âmbito de uma audição na comissão parlamentar de Ambiente, requerida pelo grupo parlamentar do PCP, sobre os problemas ambientais nesta freguesia do distrito de Setúbal, devido a emissões difusas poluentes na atmosfera e de ruído provenientes da actividade industrial.

Na mesma audição, José Neto, da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT), indica que "na última década, as concentrações de partículas têm sido directamente influenciadas pelas emissões de unidades industriais localizadas no parque industrial da Siderurgia Nacional".

No entanto, o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Nuno Lacasta, afirmou que este episódio de poluição do ar pode estar relacionado com uma situação atmosférica "estacionária", sem vento e chuva.

"Há uma diferença entre o nível de qualidade do ar, resultante de vários factores, como a exposição que o território português tem com regularidade a poeiras do deserto do Saara [...], e as situações atmosféricas, como foi a que se verificou no início do ano, a que designamos a estabilidade atmosférica", declarou.

Criada em 1999, a IGAMAOT já inspeccionou 60 vezes a Siderurgia Nacional e nos últimos anos tem fixado coimas pelo incumprimento das condições da licença ambiental, avançou Nuno Banza, indicando que em 2011 foi fixada uma coima de 15 mil euros que foi contestada em tribunal.

A empresa foi absolvida em 2013 e em 2017 voltaram a ser instaurados processos de contra-ordenação, mas ainda não há decisão judicial.

A mais recente inspecção à empresa foi em 29 de Outubro do passado ano, que verificou "um conjunto de incumprimentos das condições da licença", disse o inspector-geral, frisando que "nem se pode dizer que a inspecção foi a correr atrás do alarme de Janeiro".

"Parece que, face a esta legislação, o crime compensa", declarou o deputado do BE Pedro Filipe Soares, referindo-se ao valor das coimas por contra-ordenação ambiental e manifestando-se disponível para rever a lei.

Com uma posição semelhante, o deputado do PAN, André Silva, questionou o porquê de "um valor tão baixo" nas contra-ordenações e se existe algum tipo de constrangimento ou pressão que impeça a revogação ou a suspensão da licença ambiental atribuída à Siderurgia Nacional.

Em resposta, Nuno Banza explicou que a IGAMAOT aplica as coimas que estão previstas na lei, acrescentando que a informação sobre os autos por incumprimento é comunicada à APA, entidade licenciadora que tem o poder de decisão sobre o futuro das licenças atribuídas.

"Se amanhã a APA decidir retirar a licença à Siderurgia Nacional, nós determinaremos o encerramento, sem qualquer dificuldade, como fizemos noutras situações", assegurou o inspector-geral da IGAMAOT.

Entre as questões a resolver pela Siderurgia Nacional "no prazo de 60 dias", o responsável da IGAMAOT destacou o plano de redução de emissões difusas, as técnicas de operação e descargas industriais, a monitorização das partículas, o plano para a instalação das barreiras acústicas e de prevenção de emissões difusas, da redução do ruído e da redução do impacto visual.

"A empresa alega que alguns dos investimentos são incomportáveis, mas a verdade é que estão previstos nas licenças e não vamos deixar de assegurar o seu cumprimento", reforçou Nuno Lacasta, garantindo que a APA vai "estar, literalmente, em cima da empresa para esse efeito".

Neste âmbito, a APA está a fazer a revisão do cálculo da avaliação do ar, "com condições mais exigentes" que resultam de normas da União Europeia.

Reconhecendo a importância da Siderurgia Nacional, que produz mais de um milhão de toneladas por ano e que emprega 375 trabalhadores directamente e mais de 1.000 indirectamente, Nuno Banza reforçou que o desempenho ambiental tem que estar "à altura" do desempenho económico.

Questionado pela deputada do PSD, Maria Luísa Albuquerque, sobre qual "o horizonte temporal razoável para a resolução do problema", o inspector-geral adiantou que a expectativa é de que a empresa cumpra com as condições da licença ambiental no prazo de 60 dias.

A Aldeia de Paio Pires, onde carros e edifícios têm estado cobertos de um pó branco, registou, desde o início deste ano e até terça-feira, 14 excedências ao valor limite diário de partículas inaláveis, segundo o vice-presidente da CCDR de Lisboa e Vale do Tejo.

Ontem [terça-feira] houve uma nova excedência", avançou José Neto (CCDR-LVT)​, somando esta às 13 excedências registadas em Janeiro.

O valor-limite diário de partículas inaláveis é de 50 microgramas por metro cúbico (ug/m3), com um máximo horário de 171 ug/m3 e uma média de 51 ug/m3, de acordo com a legislação em vigor, determinando ainda que não é permitido mais de 35 dias por ano de ultrapassagem aos valores-limite diários e a média anual não pode ultrapassar 40 ug/m3.

De acordo com os dados avançados por José Neto, em 2014 foram registadas 29 excedências, em 2015 foram 30, em 2016 foram 20, em 2017 foram 30 e em 2018 foram 21.

Em 28 de Janeiro o PÚBLICO avançou que o Ministério Público está a investigar as amostras de pó branco e poluição, recolhidas em 19 de Janeiro pela GNR, em automóveis e edifícios na Aldeia de Paio Pires, as quais foram encaminhadas para a APA.