Crianças, idosos e pobres são os mais afectados pela poluição e temperaturas extremas
Relatório da Agência Europeia do Ambiente aponta desproporção entre a exposição a riscos ambientais e a condição económica das populações.
Na Europa, os factores socioeconómicos e demográficos reduzem consideravelmente a capacidade dos cidadãos responderem aos riscos ambientais ou mitigarem os seus efeitos nocivos sobre a saúde, mostra um relatório da Agência Europeia do Ambiente (AEA) divulgado esta segunda-feira, em Bruxelas. Portugal integra o grupo dos países da União Europeia onde mais se nota uma desproporção entre a exposição à poluição do ar, ao ruído e às temperaturas extremas e a condição económica da população, principalmente em zonas urbanas.
Intitulado Exposição desigual e impactos desiguais: A vulnerabilidade social à poluição, ruído e temperaturas extremas na Europa, o relatório chama a atenção para a correlação entre os problemas sociais e ambientais e alerta para o impacto destes riscos na saúde dos grupos mais frágeis — crianças, idosos, migrantes, cidadãos de menores recursos económicos e sem-abrigo — em comparação com a população em geral.
Previsivelmente, o estudo demonstra que as pessoas que dispõem de menores recursos económicos e já sentem os efeitos da desigualdade social na sua vida quotidiana são as que se encontram numa situação de maior vulnerabilidade face aos riscos ambientais. São aqueles com menos habilitações escolares e menos rendimentos que tendem a habitar ou trabalhar em locais onde os níveis de poluentes são maiores e a qualidade do ar está mais comprometida (seja pela proximidade a vias com muito tráfego e a indústrias, pela inexistência de espaços verdes ou pela fraca qualidade da construção). E por isso são esses os grupos mais afectados pelas doenças graves associadas à poluição.
“De uma maneira geral, quanto mais pobres [as pessoas], mais pobre o ambiente”, resume o director executivo da AEA, Hans Bruyninckx, acrescentando que as desigualdades e discrepâncias reveladas pela análise dos dados científicos “existem a nível nacional, regional e até individual”. Mas os problemas são mais notórios nos países da União Europeia onde o nível de qualificações e de rendimentos é mais baixo, e onde o clima é mais extremo — Bulgária, Roménia, Croácia, Hungria, Polónia, Eslováquia, Grécia, Itália, Espanha e Portugal.
Nesses países, o esforço em termos de políticas públicas deve ser feito em “acções localizadas” e “intervenções deliberadas” que, sem envolverem necessariamente muitos recursos financeiros, contribuem para uma redução da exposição ou da vulnerabilidade ao risco, defende Hans Bruyninckx. É o caso da introdução de zonas de baixas emissões no centro das cidades; a instalação de barreiras sonoras ou a multiplicação dos espaços verdes. “Uma acção importante é tornar o acesso às escolas mais verde, desviando a circulação automóvel ou plantando árvores que possam mitigar a exposição das crianças aos fumos de escape”, indicou.
Apesar de muitas das conclusões do relatório serem “lógicas”, Hans Bruyninckx disse ao PÚBLICO ter ficado surpreendido com alguns dos dados recolhidos. Por exemplo, ao explorarem a ligação entre a temperatura e a mortalidade, os especialistas esperavam que os efeitos da chamada pobreza energética (associada à falta de recursos e má eficiência energética dos domicílios) se manifestassem de forma mais aguda em períodos de frio do que de calor. “As doenças e fatalidades associadas à exposição às baixas temperaturas continuam a ocorrer. Mas constatámos que o arrefecimento das casas é um problema muito maior do que o aquecimento”, observou, apontando para uma “correlação quase perfeita” entre as ondas de calor e o aumento da mortalidade. Só no ano passado na Dinamarca, país onde tem sede a AEA, as temperaturas elevadas no Verão provocaram 250 mortes adicionais. Entre 1980 e 2016, os fenómenos meteorológicos foram responsáveis por cerca de 90 mil mortes, das quais 87% ocorreram na sequência de ondas de calor.
Como destaca o director executivo da AEA, a União Europeia já adoptou critérios apertados para as emissões, bem como directivas que regulam o ruído e a qualidade do ar ou metas para a reconversão energética. Também delineou estratégias para combater as alterações climáticas. Mas ainda falta uma abordagem coerente que tenha em consideração tanto os elementos da política ambiental como da política social, de transportes e mobilidade, planeamento urbano e habitação. “Apesar do sucesso muito significativo das políticas europeias das últimas décadas na melhoria da qualidade de vida e na defesa do ambiente, sabemos que é possível fazer mais para garantir que todos os cidadãos europeus, independentemente da sua idade ou estrato social, estejam protegidos dos riscos ambientais”, sublinhou.