Joe Berardo recusa cumprir ordem para demolir WC com vista para Palácio das Necessidades

Sete meses depois de ter perdido o último recurso para legalizar fecho de varandas, comendador continua sem demolir obra. Diz que já está legalizada. Vizinho entende que não e ameaça voltar aos tribunais.

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O caso do WC no apartamento de Lisboa de Joe Berardo entrou nos tribunais há nove anos. NFS - Nuno Ferreira Santos

Sete meses depois de ter perdido o seu último recurso na justiça para legalizar o fecho de um terraço e várias varandas no apartamento que tem na Avenida Infante Santo, em Lisboa, Joe Berardo continua a recusar-se a demolir a obra, que serviu para instalar um WC de luxo com vista para o Palácio das Necessidades.

O comendador entende que a questão está resolvida. O mesmo não pensa, porém, a advogada de um dos seus vizinhos neste condomínio de luxo, que acha já lhe ter dado tempo suficiente para “organizar a vida”, uma vez que a obra “não deve ser barata”. Perante a impassibilidade de Joe Berardo, este médico ameaça agora desencadear nova acção judicial para fazer Joe Berardo acatar as sucessivas ordens dos tribunais.

Berardo voltou a ser notícia esta semana, ao saber-se que a exposição da CGD à Fundação Berardo em Dezembro de 2015 era de 267,6 milhões de euros e que a reestruturação dos créditos deste empresário junto do banco público, entre 2008 e 2009, foi feita com o parecer desfavorável da Direcção de Risco da CGD, na altura liderado por Faria de Oliveira.

O chamado 'caso do WC' remonta ao final de 2007, altura em que o empresário, que ocupa todo o último andar do prédio, impermeabilizou a cobertura do edifício para tentar resolver as graves deficiências construtivas que também afectavam vizinhos dos pisos inferiores, embora em menor grau. Só que de caminho aproveitou para fechar as varandas e também um terraço que ali existia — que, mesmo sendo de seu uso exclusivo, constituía uma parte comum do edifício. Sem dar cavaco aos vizinhos nem pedir autorização à Câmara de Lisboa e ao Instituto do Património Arquitectónico. Este último tinha de se pronunciar sobre a obra dada a proximidade do Palácio das Necessidades.

O litígio começou depois de um médico que habita no oitavo andar fazer queixa da obra ilegal. Por razões que nunca se apuraram ao certo o embargo decretado pela Câmara de Lisboa acabou por nunca ir por diante e na Páscoa de 2008 o espaçoso apartamento de seis assoalhadas ganhava mais uma divisão, na forma de um grande salão de banho.

Foi preciso esperar oito anos até um tribunal de primeira instância dar razão ao médico, condenando o comendador a demolir tudo, repondo a configuração original. Para alterar o título constitutivo da propriedade horizontal, o empresário devia ter conseguido a aprovação de dois terços dos condóminos, disseram os juízes. No Verão de 2017 surge nova sentença, na sequência de um recurso de Berardo. “É incompreensível que o réu (...) não se tenha dado ao trabalho de submeter previamente à apreciação da assembleia de condóminos” a obra, escreveram os juízes, que criticaram ainda o facto de o comendador “não se haver sequer munido da necessária e indispensável autorização das entidades oficiais competentes” para licenciar uma empreitada que “afectou a traça arquitectónica e o arranjo estético do edifício”.

Inconformado, Joe Berardo joga uma última cartada: apela para o Tribunal Constitucional, invocando o preceito legal segundo a qual “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto”. Além de tudo, as varandas originais do apartamento constituíam um perigo mortal para os seus netos, alegou. Mas foi mais uma batalha perdida, em dois actos. Os juízes não aceitaram analisar sequer o caso, por entenderem que o litígio não envolvia nenhuma violação da Constituição. “O que está aqui em causa é, pura e simplesmente, o frontal desrespeito pelos procedimentos legais”, apontaram num primeiro momento. Perante novo recurso do comendador, puseram um ponto final na quezília: “A realização dos direitos fundamentais não se encontra vedada, desde que [o réu] cumpra o regime legal em vigor”.

Assinada por três juízes, incluindo o presidente do Constitucional, esta última decisão judicial data de Junho passado. Sete meses depois, tudo continua igual no último andar do edifício Embaixador, na Infante Santo. “A questão está ultrapassada. A obra foi legalizada”, assegura o empresário, sem paciência para entrar em detalhes. A sua advogada neste caso, Elsa Sequeira Santos, explica melhor: diz que numa reunião do condomínio de Abril passado foi decidido por unanimidade dos presentes “ratificar as obras realizadas, deixando os condóminos de poder exigir a reposição do edifício na situação original”.

“Além da situação do comendador Berardo, a mesma assembleia ratificou um conjunto de outras obras efectuadas por outros condóminos sem autorização anterior, nomeadamente o fecho de outras varandas e a colocação de aparelhos de ar condicionado”, adianta a mesma representante legal. “O entendimento que tenho é que o processo judicial se tornou inútil”, conclui.

Será suficiente para evitar a demolição? “Não”, responde a advogada do médico, Teresa Alves Azevedo, disparando logo a seguir: “Desde quando é que uma reunião de condomínio revoga uma decisão judicial?”. De mais a mais, aponta, “a seguir à realização das obras tinha havido uma deliberação do condomínio semelhante, que o tribunal ignorou – por essa deliberação ter de ser anterior aos trabalhos”.

Explicando que o seu cliente não foi informado desta reunião de Abril, a mesma representante admite que, perante o impasse, resta ao seu cliente desencadear uma nova acção judicial, destinada a fazê-lo cumprir a ordem de demolição do tribunal. Afinal, observa, “demos-lhe suficiente para organizar a vida e escolher as pessoas mais qualificadas para a obra, que não deve ser barata”.

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