Nacionalidade, casamento ou residência: as soluções dos jovens portugueses face à “incerteza” do “Brexit”
Em 2017, 1234 portugueses a residir no Reino Unido adquiriram nacionalidade britânica, mais do dobro do que em 2016. O P3 conversou com alguns emigrantes que dão a conhecer os seus medos e anseios perante uma possível saída do país da União Europeia.
Entre a comunidade portuguesa a residir no Reino Unido, as opiniões dividem-se. Se, por um lado, há quem acredite que nos próximos anos não se irão verificar alterações significativas nos direitos dos cidadãos europeus, os mais cépticos optam por tomar precauções com os olhos voltados para um futuro a longo prazo em terras britânicas. Por receio ou precaução, muitos são aqueles que optam pela obtenção de cidadania britânica.
Segundo dados oficiais do Governo britânico, entre 2016 — ano em que foi votado o “Brexit” — e 2017, a aquisição de nacionalidade britânica por portugueses a residir no Reino Unido mais do que duplicou (de 672, em 2016, para 1234 no ano seguinte). Já no primeiro trimestre de 2018, 616 portugueses no Reino Unido adquiriram a cidadania britânica, “praticamente tantos como em todo o ano de 2016”, revela um estudo recente do Observatório da Emigração.
Inês Vidigal, investigadora responsável pelo estudo, explica ao P3 que, “desde 2000, nunca as aquisições de nacionalidade de portugueses naquele país tinham atingido as mil”. Tendo em conta estes dados, a especialista acredita que na origem deste fenómeno pode estar o medo das implicações que o “Brexit” pode ter na vida das pessoas. “Este incremento (…) parece explicar-se, sobretudo, pelos receios induzidos pelo ‘Brexit’ e pela redução de direitos associados ao estatuto de estrangeiros que daí poderá resultar”, nota Inês Vidigal.
É o que sente Pedro Lobo, de 36 anos. Consultor informático, vive no Reino Unido há cerca de seis anos e meio. No ano passado, decidiu comprar um apartamento com a namorada, cidadã inglesa, pelo que, neste momento, está a tratar de obter o passaporte para poder pedir a cidadania britânica.
Face às opções em cima da mesa — um segundo referendo, uma saída da União Europeia sem acordo (no deal) e a possibilidade de o “Brexit” ir avante —, o português de 36 anos diz ao P3 que “há uma grande incerteza porque tudo pode acontecer”. Por isso, tenciona pedir a nacionalidade britânica e “não correr o risco”. No geral, salienta, “as pessoas acham que [o país] não vai mudar muito assim do dia para a noite”, até por uma “necessidade de tentar manter alguma estabilidade na economia”, mas Pedro confessa que se sente “alguma insegurança”, sobretudo para quem planeia permanecer no Reino Unido.
Um custo “proibitivo”
Para adquirir a nacionalidade britânica são vários os passos a seguir. Além de ser necessário estar a viver no Reino Unido há seis anos, os requisitos incluem um exame de língua inglesa e um teste sobre a vida no Reino Unido (o “Life in the UK”). Depois, basta responder a um formulário e submeter o pedido de nacionalidade através de uma plataforma digital. No total, o processo pode demorar até seis meses. Porém, realça Pedro, “há muita gente que chegou antes do processo do ‘Brexit’, mas ainda não está no país há seis anos": "E não sabem o que vai acontecer e o que pode mudar.”
As opções passam também pela obtenção do estatuto de residente permanente (settled status) para quem vive no Reino Unido há cinco anos consecutivos ou o título provisório (pre-settled status). Anteriormente, a candidatura para obter o settled status tinha um custo de 65 libras; no entanto, a 21 de Janeiro, Theresa May anunciou que vão deixar de ser cobrados os emolumentos a partir de 30 de Março de 2019. Aqueles que já pagaram o montante serão reembolsados.
Rita Aresta, de 29 anos, é formada em Medicina e voluntária na organização não-governamental Dorset Mind, que presta apoio a pessoas com problemas de saúde mental. Vive no Reino Unido desde 2013 e obteve o estatuto de residente permanente “por precaução”. Apesar de, “supostamente”, este estatuto ser “suficiente” para manter os seus direitos, Rita crê que “a obtenção de nacionalidade britânica seja uma acção mais segura”. Por isso, pensa pedir a cidadania britânica assim que completar os seis anos de residência necessários, em Junho de 2019, também para poder votar nas eleições nacionais.
No entanto, a portuguesa sublinha que, além de haver pouca informação sobre as implicações do "Brexit" na vida dos emigrantes, o próprio custo para pedir nacionalidade britânica chega a ser “proibitivo”, ultrapassando as 1330 libras (cerca de 1530 euros, ao câmbio actual) por candidatura. À medida que a data do “Brexit” se vai aproximando, “a incerteza vai aumentando”, explica a voluntária, com as preocupações a centrarem-se no “acesso ao mercado de trabalho, serviços de saúde, equivalências académicas e cartas de condução”.
“A maioria dos cidadãos portugueses vive cá há muitos anos. Nunca pediram nacionalidade britânica porque simplesmente não sentiam essa necessidade (…) Todavia, de repente, vêem-se sem saber o que lhes vai acontecer. É normal que as pessoas estejam ansiosas e apreensivas”, acrescenta Rita. A jovem lamenta ainda que o "Brexit" esteja a ser usado como “uma ferramenta para certos grupos de indivíduos formarem uma versão britânica do ‘Make America Great Again’ do Presidente Trump e difundirem mensagens racistas e xenófobas nas redes sociais”.
“Faz lembrar os tempos pré-troika em Portugal”
Mas há também quem não pondere pedir a nacionalidade britânica, considerando que o estatuto de residente permanente é suficiente. É o caso de Céu Mateus, economista na Universidade de Lancaster, de 48 anos, a viver no Reino Unido desde 2014.
Quanto às implicações do “Brexit” na vida das pessoas, a economista acredita que, apesar de haver quem esteja “mais preocupado com a desvalorização da libra ou a manutenção do posto de trabalho”, as consequências a longo prazo “serão piores”. “Empresas a fechar, pessoas no desemprego, benefícios sociais congelados ou a desaparecerem (…), crianças a viver na pobreza como não existia há dezenas de anos, aumento do número dos sem-abrigo” — este é o quadro actual traçado por Céu Mateus, um cenário que lhe faz “lembrar os tempos pré-troika em Portugal”. O problema: “Há quase três anos que não há qualquer política nacional, além da obsessão com o défice”, explica a economista.
Para João Neves, programador de 41 anos a viver no Reino Unido desde Julho de 2013, a cidadania britânica surge como uma garantia de segurança, tendo em conta o escândalo relacionado com a deportação de descendentes da chamada geração Windrush, vindos das colónias britânicas nas Caraíbas. “No início pensámos que não era necessário, mas entre o comportamento do Home Office no escândalo Windrush, a indicação de que o Home Office iria emitir um URL como comprovativo de settled status [em vez de um documento ou mesmo um e-mail] e os problemas com o consulado português que não nos permite registar as coisas a tempo do ‘Brexit’, o pedir a nacionalidade britânica tornou-se a alternativa possível”, explica João Neves.
Matrimónio por precaução?
Face a um futuro incerto, há quem pondere até o casamento como uma forma de precaução. Guilherme Rodrigues, de 27 anos, é formado em Economia e foi viver para Inglaterra há cerca de seis meses com a namorada Adriana Raupp, de 32 anos, também portuguesa.
Actualmente, Guilherme encontra-se à procura de emprego e explica ao P3 que o “Brexit” tem tido também impacto a este nível. Isto porque, perante a possibilidade de ser contratado, há o risco de as empresas serem obrigadas a conceder um visto de trabalho (através do certificado de sponsorship) ou de, no final de Março, ser forçado a abandonar o país, o que constitui “uma barreira”.
Por estar a viver em Inglaterra há seis meses, a obtenção de nacionalidade britânica ainda não é uma opção. Porém, Guilherme está “convicto” de que os europeus que lá vivem e têm contratos de trabalho nunca serão obrigados a abandonar imediatamente o país — é o caso da namorada Adriana. E foi assim que o casamento surgiu como uma possibilidade.
“Tendo a Adriana um contrato de trabalho, provavelmente poderia facilitar estarmos casados. Até porque, neste momento, pessoas de países que não pertencem à União Europeia mas que estão casadas com cidadãos europeus têm os mesmos direitos e não precisam de um visto de trabalho”, explica Guilherme. Mas este, sublinha, é ainda um cenário especulativo.
Embora nem todos os portugueses estejam preocupados, há quem esteja mesmo a "planear ir embora", afiança Guilherme. No entanto, para aqueles cujos planos futuros incluem uma carreira ou a constituição de família no Reino Unido, o caminho, face à "muita incerteza", é por enquanto um: “Vamo-nos tentando prevenir com o máximo de ferramentas que temos”.