Novos troços em Arganil serão uma caixinha de surpresas no Rali de Portugal
Dezoito anos depois, a região Centro volta a ser palco do Rali de Portugal. Pilotos portugueses explicam os novos desafios da prova que vai contar com a presença dos melhores pilotos do mundo.
O recurso à tecnologia ajuda as equipas de topo a preparar ao pormenor o Rali de Portugal, mas os novos troços de Arganil poderão reservar surpresas, avisam antigos pilotos.
No dia 31 de Maio, o Rali de Portugal parte da Porta Férrea da Universidade de Coimbra, para duas passagens pelos troços da Lousã (12,35 km), de Góis (18,78 km) e de Arganil (14,62 km), todos em piso de terra, 18 anos depois da última presença da competição na zona Centro do país.
"Tenho pena de as classificativas serem tão pequeninas agora", disse à Lusa Carlos Bica, quatro vezes campeão nacional de ralis e natural de Celavisa, Arganil, lembrando o troço que chegou a ter 56,5 km e destacando, no actual, a descida final para a povoação de Alqueve, "sempre impressionante".
Já Rui Madeira, piloto com raízes familiares em Oliveira do Hospital, campeão mundial de Produção em 1995 e vencedor do Rali de Portugal em 1996, antecipa "algum risco" para os concorrentes, devido aos incêndios de 2017 que dizimaram a floresta daquela região.
"Arganil tem um problema grave: as ribanceiras com desníveis muito grandes. Lembro-me que, há uns anos [em 1992, no troço de Arganil/Alqueve], o [sueco] Kenneth Eriksson caiu para um buraco de 50 metros e houve outros pilotos que caíram, mas havia sempre árvores a ampará-los. Neste momento, é particularmente difícil, pelo facto de a floresta ter desaparecido", observou Madeira.
Apesar de reconhecer que actualmente as equipas de rali "trabalham muito o aspecto da segurança" e que os carros de hoje em dia "andam muito, cada vez mais, e além de andarem muito estão muito bem preparados e têm muita tracção", Madeira lembra que Arganil tem "troços muito duros".
"O meu antigo colega de equipa Marcus Gronholm [campeão mundial em 2000 e 2002], que tinha muito respeito por Arganil, dizia que não gostava especialmente de Arganil porque era muito demolidor e bastante difícil. É certo que agora é tudo muito mais profissional, as coisas mudaram, mas realmente é pena a componente da floresta não ser a mesma de outros tempos", frisou.
António Gravato, actual presidente da Fundação Mata do Bussaco e piloto de ralis durante mais de 20 anos, lembra características da zona, "com vales profundos, onde o nevoeiro aparece quando menos se espera". Diz esperar "uma verdadeira multidão" de espectadores, o que poderá constituir um potencial problema de segurança.
Já António Jorge, natural da Lousã e vencedor do grupo N no rali de Portugal em 1996, enfatiza a abordagem "muito profissional" das actuais equipas.
"[Na zona de Arganil] se calhar, 70 ou 80% do troço são zonas fáceis, ou inequívocas. Uma curva que é a fundo é mesmo a fundo, é evidente para todos, seja para um carro de 100 cv como para um de 300 cv. Aquela que talvez não seja a fundo é que pode ser o problema e fazer a diferença, mas hoje está tudo muito mais profissional na abordagem", afirmou.
Uma das ferramentas utilizadas pelas equipas chama-se Rally Maps e permite visualizar as classificativas no computador, com imagens de satélite, desníveis e outros dados, fazendo ainda comparações com versões anteriores de troços ali disputados.
Com o auxílio do Rally Maps, a Lusa constatou, por exemplo, que o novo troço da Lousã começa a subir entre os 400 e os 637 metros de altitude, passa por uma zona de desníveis menos acentuados até à descida final, que tem cerca de quatro quilómetros em direcção à localidade de Vilarinho e, segundo António Jorge, "com ganchos muito interessantes para o público".
Já o troço de Góis, o mais longo dos três (18,78 km) tem metade do percurso a subir até aos 860 metros de altitude, descendo a partir daí em direcção à povoação do Colmeal.
"Gosto sobretudo da parte final do troço, é mais técnico, muito bonito e rápido", assinalou por seu turno, Nuno Rodrigues da Silva, um dos co-pilotos nacionais com mais experiência em ralis.
As vozes da experiência
O português Rui Madeira, campeão mundial de produção em 1995, admitiu que os pilotos do Mundial de ralis vão sentir dificuldades.
"Todos os pilotos das equipas de fábrica vão fazer aqueles troços pela primeira vez, à excepção de alguma equipa que tenha usado Arganil para testes. Serão classificativas completamente novas para todos eles, em troços que exigem sempre alguma perícia", assinalou.
O antigo piloto, arquitecto na empresa familiar de construção civil em Almada, que tem protagonizado, nos últimos anos, alguns retornos pontuais à competição automóvel, lembrou que a região Centro - e em particular Arganil - "deu muito ao Rali de Portugal".
Rui Madeira recordou as ocasiões em que os troços da zona eram disputados na última etapa e decidiam a classificação geral, promovendo, em 31 de Maio, no primeiro dia de prova, com todos os pilotos em competição, um regresso "ao interior devastado pelos incêndios" de 2017.
"A floresta já não é igual, acho até que há um bocadinho de risco porque a paisagem está devastada. Mas, por outro lado, será uma pequena alegria que se pode dar às pessoas da região Centro, tantos anos depois, o rali regressar a uma zona emblemática", frisou Rui Madeira.
Já Nuno Rodrigues da Silva, um dos co-pilotos portugueses mais experientes, disse à Lusa que a zona de Arganil "tem troços fantásticos de boas memórias".
"Vivi lá momentos extraordinários, os troços são bons, é uma zona que tem classificativas muito boas e competitivas, há público, há 'afición' e é prático ser na zona Centro do país. Tem toda a lógica que Arganil, Góis e Lousã façam parte de um rali de Portugal", sustentou o beirão natural de uma aldeia do concelho da Guarda, que coadjuvou, entre outros, Rui Madeira, Pedro Matos Chaves, Miguel Campos e Bernardo Sousa.
O antigo piloto português Carlos Bica aplaude o regresso do Rali de Portugal aos troços da 'catedral' Arganil e a estreia dos WRC nos troços da região Centro. "Fiquei muito contente quando chegou a confirmação de que o rali volta a Arganil, foi muito bom o ACP [Automóvel Club de Portugal, organizador da prova], ter deslocado o rali um bocadinho mais para sul, onde tudo começou, onde as pessoas começaram a ficar fãs dos ralis e a poder recordar, pelo menos, o que se passava antigamente".
"Conheço muitas pessoas que me dizem que não vão ao rali há muitos anos e que desde que souberam que vai voltar a Arganil estão a organizar-se para ir, como antigamente", observou.
"Vai ser sempre bom porque vai ser novo para todos, dos pilotos do Mundial nenhum deve ter feito Arganil. É evidente que às vezes fazem testes, mas depois [na prova] é que se vê. Agora, também não é como no nosso tempo, que passávamos [nos troços] as vezes que quiséssemos a treinar, agora só podem passar duas vezes, uma a tirar notas e outra a confirmar. E em Arganil era preciso conhecer muito bem para se poder andar depressa, porque há coisas que parecem muito iguais e depois não são", avisou Carlos Bica.