Quatro passos para a liberdade de escolha na Educação
Se toda a escola no quadro da rede de oferta pública é custeada pelos contribuintes, pelo menos que nos seja permitido pagar uma escola que seja escolhida pelos estudantes e não pelo Estado.
A Educação em Portugal é hoje, em boa parte, refém de um princípio ideológico de estatização. Tal como a liberdade de imprensa ou a criação cultural são hoje liberdades inquestionáveis, enquanto meios de criação e difusão do pensamento, a Educação é o seu primeiro viveiro – pelo que é preocupante a continuação de uma lógica estatizante, pouco consentânea com a abertura que caracteriza as democracias contemporâneas.
É importante que o país faça uma reflexão séria sobre o caminho que quer dar à Educação: se as famílias – mesmo aquelas com menos poder de compra – devem ter uma palavra a dizer sobre o modo como os seus filhos são educados. Se as escolas estatais devem reproduzir um modelo único ou construir projectos educativos autónomos. Se é competência do Estado ter o monopólio da Educação ou se essa é uma função que pode ser partilhada com a sociedade civil.
Para milhares de jovens portugueses, a educação é a única oportunidade de quebrar ciclos geracionais de pobreza, atingindo o sucesso através do esforço e do mérito. Sabemos bem que as famílias mais abastadas, porque possuem mais recursos financeiros, têm a possibilidade de oferecer aos seus filhos mais opções de escolha. E que as famílias mais desfavorecidas, justamente por não possuírem meios financeiros, têm o seu horizonte mais reduzido. Este é um sistema socialmente desequilibrado e injusto. Não é justo vivermos num país onde seja possível prever o sucesso de um jovem através do seu código postal, da sua conta bancária, dos valores da herança ou dos apelidos de família.
A verdade, por muito que custe a alguns, é que não é necessário que a propriedade das escolas seja do Estado para que exista serviço público de educação; nem está demonstrado que o Estado seja um melhor garante da educação do que a iniciativa privada e social. Mas está comprovado que a existência de diferentes escolas e diferentes projetos é um bem para o país.
Com efeito, o direito à educação não pode ser nunca um direito absoluto mas sempre um direito participado porque radica em dois pilares fundamentais: na liberdade e na igualdade de oportunidades. Só com estes pressupostos poderemos falar de verdadeira participação.
Durante largos anos, o ensino público de educação assentou essencialmente nas escolas de ensino público estatal e nas escolas de ensino público de contrato de associação. Numas e noutras, tal como a hipotética situação da rede de padarias públicas, estas escolas tiveram uma “clientela” garantida e estiveram isentas de preocupações de ambiente concorrencial. Este cenário alterou-se em algumas zonas onde o Estado decidiu construir escolas públicas junto de outras com contrato de associação, prática que serve hoje de argumento aos inimigos da liberdade de escolha para que se feche as segundas em detrimento das primeiras.
A pergunta que se coloca é óbvia: em concreto, como funcionaria o modelo de liberdade de escolha? Do seguinte modo: todas as escolas que quisessem aderir à rede de ensino público (fossem de propriedade pública, cooperativa ou privada) estariam sujeitas à lei da oferta. Não cobrariam mensalidades aos seus alunos, nem fariam qualquer discriminação no momento da candidatura. No início de cada ano lectivo, as famílias fariam livremente as suas inscrições (até ao limite de capacidade de cada escola) e seria esse o critério determinante para efeitos de apuramento do valor de financiamento por parte do Estado. Passaria, portanto, a existir uma lógica de financiamento directo às famílias que escolheriam as escolas apenas em função do nível do valor e da atratividade do seu projeto educativo.
Tenho consciência de que uma liberdade desenquadrada seria baseada numa falsa igualdade. E é aí que o Estado deve ter um papel interventivo: a priori como regulador e a posteriori como supervisor.
Às escolas estatais seriam reconhecidas novas prerrogativas de autonomia, para que concorressem em igualdade de circunstâncias entre si e com os estabelecimentos de propriedade privada ou cooperativa. Livres de se afirmar de forma plural, adaptar-se-iam à procura local e as famílias escolheriam livremente entre elas.
Para tanto, haveria que concretizar quatro objectivos para atingirmos a liberdade de escolha na educação:
1. Promoção das diferenças de toda a oferta: permitir que as escolas escolham a oferta formativa que querem oferecer, tendo em conta os recursos que possuem e as necessidades da área onde estão implementadas;
2. Informação para escolher: os resultados do desempenho das escolas são essenciais para um estudo do nosso sistema. A avaliação das escolas por entidade externa ao Ministério da Educação é fundamental para que o prestador não seja o mesmo que o avaliador;
3. Autonomia: a contratação de professores, a par da construção do plano curricular dentro do ciclo de ensino, deveria ser uma atribuição das escolas, tal como a adaptação dos horários e do calendário escolar de acordo com o projeto educativo, havendo possibilidade de gerir dentro de alguns limites mínimos e máximos a carga horária das diversas disciplinas;
4. Reforço dos Contratos Simples e de Desenvolvimento: são atualmente a forma de apoio às famílias que escolhem escolas fora da rede estatal, abrangendo apenas os colégios que contratualizaram com o Ministério da Educação. Outra das limitações é a reduzida abrangência de famílias que estão dentro dos parâmetros de apoio. Logo, seria vantajoso o alargamento do Contrato Simples e de Desenvolvimento de apoio à família a todas as escolas que o requeiram, bem assim a alteração da fórmula de cálculo do apoio alargando a abrangência e o reforço financeiro nos escalões mais baixos.
Além da convergência com os países com os quais nos gostamos de comparar, perspectivar-se-iam ganhos em cinco pontos fundamentais: Maior responsabilização e exigência dos pais e encarregados de educação na Educação das crianças, que advém da possibilidade de escolher. Incremento da qualidade, que passaria a estar na ordem do dia: uma escola que não a garanta perde alunos e, por conseguinte, perde financiamento e apoios. Aumento do ambiente competitivo entre escolas, que começariam a disputar a melhor reputação e os melhores indicadores. Ampliação da diversidade: no intuito de procurarem “público”, as unidades de ensino tenderiam a procurar projetos educativos diferenciadores e de valor acrescentado, diminuindo a tendência homogénea e centralizadora da educação, o que se traduziria num corpo discente mais plural e diversificado, social, económica e culturalmente. E, por último, um acréscimo de eficiência e de racionalização dos recursos: a alocação de meios, estando direcionada única e exclusivamente para a procura, tenderia à melhor eficiência dos mesmos.
A liberdade de escolha na educação diz respeito à possibilidade de as famílias poderem optar pela escola e pelo projeto educativo que desejam. E que o possam fazer independentemente do seu estatuto socioeconómico ou cultural. É um conceito que se infere do fundamental reconhecimento de que os alunos antecedem as escolas. Da evidência de que é o Estado que se deve humanizar, e não a pessoa que precisa de se estadualizar. Porque se toda a escola no quadro da rede de oferta pública é custeada pelos contribuintes, pelo menos que nos seja permitido pagar uma escola que seja escolhida pelos estudantes e não pelo Estado.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico