Fogo de Mação foi mais grave por desentendimentos, desvios de meios e ordens erradas
O então comandante nacional de operações interveio directamente na gestão de meios no terreno retirando meios de Santarém para o distrito de Castelo Branco. Relatório de inquérito diz que houve desorganização no terreno.
O concelho de Mação foi o que mais ardeu no ano de 2017. Foi afectado por dois incêndios e das duas vezes houve guerras entre o presidente da câmara e a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC). Agora, um relatório da Inspecção Geral da Administração Interna (IGAI) deu razão às queixas do autarca, revelando que no incêndio de Julho houve desvio de meios do seu concelho, desentendimentos entre comandantes distritais com interferência do então comandante nacional da ANPC, Rui Esteves, e desrespeito pelas regras que potenciaram a gravidade do fogo. O caso segue na justiça pela mão do ministro da Administração Interna, mas também pela do autarca que quer apuramento de responsabilidades e eventual "ressarcimento" pelos danos.
"Sem assumir o comando das operações, como podia fazer, [Rui Esteves] substitui-se ao COS [Comando de Operações de Socorro], dando ordens directas de desmobilização e mobilização de meios de reforço, dando origem a uma redução desproporcional de meios presentes no distrito de Santarém”, lê-se no relatório da IGAI a que o PÚBLICO teve acesso. O documento acrescenta que a actuação de Rui Esteves causa "estranheza" por, entre outras acções, ter dado ordens directas de desmobilização de meios, telefonando directamente às brigadas. Questionado pelo PÚBLICO, Rui Esteves não quis comentar.
O documento, conhecido mais de ano e meio depois do que aconteceu, revela que havia um desentendimento entre os comandantes dos dois distritos vizinhos — Santarém por causa de Mação e Castelo Branco por causa de Proença-a-Nova onde começou o fogo — que actuaram de "forma isolada" e revela também que Rui Esteves teve um papel activo no desequilíbrio da balança: "A Rui Esteves podem ser assacadas responsabilidades pela redução desproporcional de meios presentes no distrito de Santarém", está escrito.
Contudo, Rui Esteves já não é trabalhador da ANPC, pelo que o processo fica sem efeito. O MAI decidiu assim enviar o processo para o Ministério Público, de acordo com a Lusa que revelou um despacho do ministro dando seguimento ao documento.
Mas não será o único a fazer chegar o documento à justiça. O presidente da câmara, Vasco Estrela, disse ao PÚBLICO que está a "avaliar juridicamente" o que pode fazer para que sejam apuradas "responsabilidades" do Estado, da ANPC e de Rui Esteves e o eventual "ressarcimento" ao concelho.
"Houve uma ingerência do comandante Rui Esteves, despropositada. Desviou meios do teatro de operações, fê-lo de forma inopinada, com desrespeito pelas regras e pelos comandantes. Tudo isto se traduziu em consequências para o concelho de Mação que poderiam não ter acontecido, pelo menos não desta ordem de grandeza", diz o autarca.
O concelho ardeu mais "fruto da incompetência e má gestão de um senhor que estava ao serviço do Estado e depois o Estado também age de forma discriminatória". "Há um grande sentimento de revolta", acrescenta. Em causa está o facto de o concelho de Mação não ter tido as mesmas regras de acesso às ajudas do Estado que os concelhos que arderam na zona de Pedrógão Grande ou durante o 15 de Outubro de 2017.