"Bom jornalismo" deve ser a vacina para doença das "fake news"

Decorreu em Lisboa uma conferência sobre as novas tecnologias e as notícias no mundo actual que reuniu directores de algumas publicações nacionais.

Foto
Joana Goncalves

Nuno Artur Silva, da Produções Fictícias, defendeu que é preciso olhar as "fake news" como “doença da democracia” que ameaça as populações e recorrer ao “bom e velho jornalismo” como vacina para proteger a sociedade.

“A maneira de se olhar para as "fake news" é como se fosse uma campanha pela saúde. Temos de olhar para este fenómeno como uma doença da democracia, em que as populações estão ameaçadas por um vírus”, afirmou esta terça-feira Nuno Artur Silva, fundador e proprietário da Produções Fictícias, na sessão "Fake News/Fact Checking & Data Journalism", no âmbito do evento "Building the Future: Activar Portugal", que decorre até quarta-feira no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa.

“Os jornalistas deviam encarar isto como se encara uma epidemia. Tem de haver uma atitude do género ‘vacine-se, os vírus estão aí’. E a única maneira de proteger a sociedade é com um sistema de vacinação que é o bom e velho jornalismo”, argumentou Nuno Artur Silva.

“O que chamamos de desinformação é o canário na mina de ouro do digital, um sinal de aviso para o ecossistema informativo das nossas democracias”, afirmou, no mesmo sentido, o deputado José Magalhães.

O deputado recordou que antigamente o canário nas minas de carvão servia para alertar para a presença de um gás venenoso, da mesma forma que agora as "fake news" alertam para um perigo iminente.

A propósito da necessidade de se recuperar o “bom e velho jornalismo”, Luísa Meireles, directora da agência Lusa, frisou que até se costuma dizer que as agências de notícias exercem “o jornalismo canónico”, “o que não exclui os chamados erros jornalísticos, mas que são diferentes de "fake news", frisou.

A directora da Lusa sublinhou também a importância que assume a verificação da informação, “o jornalismo que faz o contraditório que vai "checkar" uma, duas, três fontes para verificar uma notícia”, algo que “muitos não fazem na corrida para serem os primeiros a dar a notícia”.

“Às vezes é preciso perder uma notícia para dar uma notícia que é verdadeira”, argumentou Luísa Meireles, sublinhando que é preciso “romper” o que considerou ser a “bolha informativa” das "fake news", através do princípio do contraditório, do questionamento e da verificação.

“Vamos contraditar, vamos perguntar, vamos "checkar". Se duas fontes dizem a mesma coisa isso tem mais força do que só uma o dizer”, frisou.

Catarina Carvalho, directora do Diário de Notícias, sublinhou, por seu turno, que se o objectivo é “combater as "fake news" é preciso perceber que a informação não é gratuita”, que o trabalho dos jornalistas “tem de ser remunerado e não pode deixar de o ser” e que o fenómeno das "fake news" começa e acaba no negócio.

“As "fake news" começam a existir por uma questão comercial e enquanto os jornais estiverem na situação periclitante em que estão, as notícias gratuitas podem ser falsas ou verdadeiras e a rapidez pode ser falsa ou verdadeira”, alertou.

“Não sermos os primeiros a dar a notícia é sinónimo de perder os cliques e é perder a publicidade e é perder a liberdade e o rigor”, lamentou Catarina Carvalho.

O deputado José Magalhães, por sua vez, referiu que estamos perante “um problema intrincadíssimo”, sublinhando que “o problema da desinformação é só o pico do iceberg”, que tem por trás, nomeadamente, “problemas de erosão da confiança nos media”, a perda de rendimentos para os media noticiosos, a crise dos serviços públicos, entre outros.

Neste sentido, Luísa Meireles referiu que na “luta das "fake news" e no combate às notícias falsas ou falseadas os jornalistas estão na primeira linha como alvos a abater e como vítimas”.

E a directora da Lusa comentou também que considera “uma contradição o termo "fake news", porque se é falsa não é notícia”, mas reconheceu o termo internacional como identificativo.

Fernando Esteves, director do Polígrafo, comentou, por sua vez, que o cérebro humano está feito para acreditar, mesmo quando sabe que não é verdade, antecipando que “a dificuldade de distinguir a realidade da ficção, que se vai massificar no futuro, vai dificultar a tomada de decisões informadas”.

Para o director do Polígrafo cabe às redes sociais intervir para evitar a escalada do fenómeno e as suas consequências negativas, mas também aos cidadãos, que devem ser “mais responsáveis e não podem partilhar conteúdos de qualquer forma”.

“Partilhar acriticamente é mais uma machadada na democracia”, considerou Fernando Esteves, acrescentando que os jornalistas, por seu turno, “têm de ser corajosos e continuar a publicar o que os outros não querem que se publique”.

As ‘"fake news", comummente conhecidas por notícias falsas, desinformação ou informação propositadamente falsificada com fins políticos ou outros, ganharam importância nas presidenciais dos EUA que elegeram Donald Trump, no referendo sobre o "Brexit" no Reino Unido e nas presidenciais no Brasil, ganhas pelo candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro.

O Parlamento Europeu quer tentar travar este fenómeno nas europeias de Maio e, em 25 de Outubro de 2018, aprovou uma resolução na qual defende medidas para reforçar a protecção dos dados pessoais nas redes sociais e combater a manipulação das eleições, após o escândalo do abuso de dados pessoais de milhões de cidadãos europeus.

As "fake news" são o tema de uma conferência, a realizar em 21 de Fevereiro, em Lisboa, organizada pelas duas agências noticiosas de Portugal e Espanha, Lusa e EFE, com o título “O Combate às Fake News - Uma questão democrática”