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Não matem o mensageiro!

O que precisamos, quando não sabemos qual é o caminho mais seguro para chegar a bom porto e quando à nossa volta há cada vez mais sinais de alarme, não é de um salvador da pátria bem parecido, bem falante e carismático, mas com uma ideologia imprecisa que nos leve em rebanho por caminhos desconhecidos.

Há momentos em que é útil observar a realidade de uma perspectiva mais distanciada, como se fosse uma espécie de plano inclinado, do cinema, em que a câmara filma de cima o seu objecto ou sujeito de interesse. É um truque que ajuda a perceber melhor as tendências e a distinguir o que é acessório do que realmente importa. E que nos obriga a parar para pensar.

O conceito é válido em situações tão diferentes como entrar numa loja de roupa e registar de imediato o que está na moda ou ler as notícias e perceber os temas a que o país político está a dar atenção, num momento preciso. Se, no primeiro exemplo, é fácil perceber que este ano os padrões animal print estão a transformar camisolas, calças e casacos em imitações de tigres, cobras e leopardos, no segundo, a conclusão não é tão imediata – mas o exercício é interessante (mesmo não sendo científico).

Portugal entrou em 2019, o ano de quase todas as eleições, a debater temas ou apenas a usar palavras que um ano antes pareceriam improváveis, mas que em vários países da Europa eram já uma normalidade. Coletes amarelos, extrema-direita e extrema-esquerda, segurança, violência policial, cor da pele, incêndios (em caixotes do lixo), apedrejamentos, manifestações, balas de borracha, castração química de pedófilos, prisão perpétua, fake news, corrupção... O léxico do primeiro mês de 2019 é assustador.

Até o Presidente da República quis registar, na entrevista que deu à agência Lusa no final de semana passada, que já temos por cá uma “oposição inorgânica”, mas “em pequenino”. E explicou: “São movimentos sociais, são realidades, reivindicações sociais à margem das grandes centrais sindicais. São movimentos de opinião através dos antigos e novos meios de comunicação social.”

A quatro meses das eleições europeias, é de esperar que estes assuntos inundem as campanhas, ocupem espaço nos media tradicionais e originem muitos comentários entre os opinion makers. Mas é provavelmente nas redes sociais que mais “incêndios” vai haver. Sem intermediários, sem mediadores, é aí que os discursos mais directos, populistas e inflamados conseguem crescer mais, sem qualquer análise, sem alguém que faça a devida contextualização e hierarquização.

Há políticos em Portugal que estão a entrar no jogo e a fazer o seu caminho nas redes sociais, como se, para sobreviverem politicamente, tivessem de matar o mensageiro. Como se a comunicação directa, online, fosse a grande descoberta dos tempos modernos para fazer política sem a campanha nas ruas e os debates de ideias. Sem ruídos ou interferências.

Visto daqui, em plano picado, como se fosse um olho de um pássaro, este não é o tempo certo para matar o mensageiro. Mais do que nunca, o mensageiro tem de continuar a assumir a sua missão de fazer perguntas a quem não quer dar respostas, contribuindo para que se consiga ver o todo e não só a parte. O que precisamos, quando não sabemos qual é o caminho mais seguro para chegar a bom porto e quando à nossa volta há cada vez mais sinais de alarme, não é de um salvador da pátria bem parecido, bem falante e carismático, mas com uma ideologia imprecisa que nos leve em rebanho por caminhos desconhecidos. Precisamos de parar para pensar.

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