Arquivos de Giuseppe Verdi revelados em Parma
As mais de 5000 folhas guardadas num baú verde na sua villa de Sant’Agata vão ajudar a conhecer melhor o processo criativo do compositor de Aida.
Não se trata propriamente de um segredo, já que a existência deste fabuloso baú de cor verde era conhecida desde a década de 1940, mas, mesmo assim, há “tesouros cheios de surpresas”, para citar o musicólogo Francesco Izzo, nas 5434 folhas que constituem o arquivo que Giuseppe Verdi (1813-1901) acumulou na sua villa de Sant’Agata, em Villanova sull’Arda, Placência, no norte de Itália, onde residiu grande parte da sua vida.
Este património, classificado pelo Estado italiano em 2008, vai agora ser colocado à disposição dos especialistas, melómanos e demais interessados, em Parma, a partir desta terça-feira, entregue que foi entretanto aos arquivos estatais desta cidade.
O espólio guardado no baú é constituído por esboços e partituras musicais, cartas, apontamentos e outros manuscritos que dizem principalmente respeito à produção musical de Verdi a partir da década de 1860, e ajudarão nomeadamente a entender melhor o processo de criação de obras maiores, como as óperas Don Carlo (1867), Aida (1871), Otello (1887) e Falstaff (1893).
“Sabia-se da existência destes materiais em Sant’Agata desde 1941, quando foi publicado o fac simile do esboço de Rigoletto [1851]”, disse ao jornal El País Fabrizio Della Seta, especialista na história da ópera italiana do século XIX. O também professor na Universidade de Pavia recorda que, no entanto, “só alguns privilegiados puderam consultá-los”, por via da disponibilidade de Alberto Carrara Verdi, então o herdeiro único do compositor.
A morte de Carrara Verdi em 2001, seguida da disputa da herança pelos seus quatro filhos, veio fazer com que o espólio voltasse a ficar inacessível. E nem a classificação patrimonial do baú decidida em 2008 pelo Governo italiano veio alterar esse quadro, até que, em 2015, a revista Classic Voice denuncia a situação, mobilizando a intervenção pública, num abaixo-assinado, de meia centena de figuras da música italiana e mundial, de Daniel Barenboim e Placido Domingo a Maurizio Pollini, Zubin Mehta e Simon Rattle.
Em resposta, o Governo italiano fez a trasladação compulsiva do baú da Villa Verdi para os Arquivos Estatais de Parma, uma decisão que motivou protestos e resistência dos herdeiros e também das autoridades de Placência, a cidade mais próxima da residência do compositor.
Depois do trabalho de inventariação, catalogação e digitalização das mais de cinco mil folhas de Verdi feito pelos técnicos da Direcção-Geral de Arquivos do Ministério dos Bens e Actividades Culturais, este espólio vai ficar disponível para os interessados. “Agora que o baú está aberto, e as páginas estão disponíveis para toda a gente, esperamos o começo de uma nova etapa no estudo das óperas de Giuseppe Verdi”, disse à Classic Voice Alessandra Carlotta Pellegrini, ex-directora do Instituto de Estudos Verdi.
No mesmo sentido se pronunciou Francesco Izzo. “O acesso livre aos fundos verdianos abre grandes expectativas para os investigadores e especialmente para as criações a partir de Don Carlos e Aida para a frente”, especificou, em declarações ao diário espanhol, este responsável pela edição crítica das obras de Verdi da University of Chicago Press e da casa Ricordi.
Entre as 5434 folhas guardadas no baú podem encontrar-se curiosidades – os “tesouros cheios de surpresas” de que fala Izzo – como a versão preliminar da famosa canção La donna è mobile, de Rigoletto, ou o primeiro alinhamento da fuga Tutto nel mondo è burla, que fecha Falstaff, mas também as partituras de obras como Luisa Miller (1849) ou Quatro peças sagradas (1879) – peças que foram estudadas, pela primeira vez, por Alessandra Carlotta Pellegrini –, e ainda as sucessivas mudanças na criação de partes das óperas Otello e Falstaff.
Definitivamente, o baú verde já não mora em Villanova sull’Arda, mas a villa que Giuseppe Verdi adquiriu perto da sua terra natal em 1848, e onde passou a viver três anos depois, mantém a traça e o ambiente que foi cenário da vida e do trabalho do compositor que se tornou num símbolo da unificação italiana. A Villa Verdi é hoje também uma casa-museu aberta ao público.