Descoberta na ilha da Madeira árvore já extinta da família do chá
Sabe-se agora que uma árvore que estava espalhada pela Europa e pela Ásia há 2,5 milhões de anos ainda habitava a ilha da Madeira há 1,3 milhões de anos.
Há 1,3 milhões de anos habitava a ilha da Madeira uma árvore chamada Eurya stigmosa, que pertencia à família do chá (Theaceae). Mas só se soube agora que esta árvore já extinta também tinha existido nesta ilha do Atlântico, anunciou esta segunda-feira a Faculdade de Ciência da Universidade de Lisboa (FCUL) em comunicado. O trabalho será publicado na revista científica Quarternary Science Reviews a 15 de Fevereiro e já disponível online, fazendo parte do doutoramento em geologia de Carlos Góis Marques na FCUL.
O conjunto de sedimentos onde estão os restos da Eurya stigmosa já tinha sido descoberto no século XIX em Porto da Cruz (ilha da Madeira). “Os primeiros registos fósseis foram descritos em 1864: eram fósseis de folhas e de sementes da família das Cyperaceae, semelhantes a juncos”, indica ao PÚBLICO o paleontólogo Carlos Góis Marques. Há uns anos, estes sedimentos passaram a fazer parte do seu trabalho de investigação ainda durante o seu mestrado na Faculdade de Ciências da Vida da Universidade da Madeira.
“Esta descoberta inclui-se num conjunto de outras que resultam de um trabalho de investigação paleobotânico realizado na ilha da Madeira em rochas sedimentares”, explica o paleontólogo, adiantando que o objectivo desta investigação era encontrar fósseis que permitissem descrever a flora e a vegetação do passado.
Segundo datações radiométricas, esta árvore estaria presente na ilha da Madeira há 1,3 milhões de anos, “embora já em situação de refúgio, juntamente com várias plantas que hoje em dia constituem a floresta Laurissilva”, refere-se no comunicado. “A Eurya stigmosa é a primeira planta extinta identificada no registo fóssil na ilha da Madeira”, acrescenta-se ainda no artigo científico.
E como seria? “Embora seja difícil saber, pode considerar-se que se trataria de uma pequena árvore que em espécies actuais corresponde a um elemento da floresta com semelhanças à Laurissilva”, responde Carlos Marques. Actualmente tem plantas aparentadas na América Central e do Sul, na Ásia ocidental e nas ilhas do Pacífico.
Não se sabe qual seria a distribuição global da Eurya stigmosa há 1,3 milhões, mas há 2,5 milhões de anos estaria espalhada pela Europa e pela Ásia. Depois, devido a alterações climáticas passadas – nomeadamente de glaciações – desapareceu da Europa, mas continuou na Madeira. “É um processo paralelo ao das principais árvores da ilha da Madeira que compõem a Laurissilva: o registo fóssil destas plantas mostra que existiam na Europa”, frisa o paleontólogo.
Sobre a sua extinção na Madeira, Carlos Góis Marques destaca que as razões são especulativas. “Poderá ter sido devido às alterações climáticas (glaciações) que ocorreram durante o Pleistoceno (entre 2,5 milhões e 11,7 mil anos) e que certamente afectaram a ilha”, aponta. “Ou então estaria ainda na ilha da Madeira quando os portugueses a descobriram [no século XV], podendo então tratar-se de um caso de extinção provocada pelo homem.”
Quanto ao significado deste estudo, no comunicado da FCUL aponta-se a fragilidade dos ecossistemas insulares e, assim, da floresta Laurissilva, que evoluiu isolada ao longo dos anos sem grandes herbívoros e sem actividades humanas.
Para Carlos Góis Marques, esta descoberta é “pessoalmente muito gratificante”, porque é o culminar de muito trabalho que começou na tese de mestrado (concluída em 2013) e vai terminar na de doutoramento (orientada por José Madeira, da FCUL, e co-orientada por Miguel Menezes de Sequeira, da Universidade da Madeira, e José María Fernández-Palcaios, da Universidade de La Laguna, em Espanha). Que segredos guardará ainda a Laurissilva?