Killer Mike, o homem que quer salvar a América
O rapper da Dungeon Family e dos Run The Jewels anda à volta da sua Atlanta natal a montar experiências sociais em Trigger Warning with Killer Mike, do Netflix.
As ideias de Killer Mike são, no mínimo, bizarras. Ele sabe disso. Mas tenta pô-las em prática na mesma, recorrendo a especialistas e sem nunca ter medo de estar errado. De aprender. É essa a premissa de Trigger Warning with Killer Mike, o novo programa do Netflix do carismático rapper da Dungeon Family, o colectivo de Atlanta a que pertencem grupos como OutKast e Goodie Mob, que nos últimos anos tem ficado cada vez mais proeminente ao lado do também rapper e produtor El-P no duo Run The Jewels.
Ao longo de seis episódios, Mike anda por Atlanta a montar experiências sociais que o colocam frente a frente com várias pessoas diferentes, em interacções que muitas vezes são desconfortáveis, mas que o carisma do rapper ajuda a desmontar de forma ao mesmo tempo confrangedora e hilariante: é vê-lo, um acérrimo defensor do direito ao porte de armas, a falar com uma residente de um lar da terceira idade e a dizer-lhe que o ideal era que pessoas brancas não pudessem ter armas, já que são estas que causam mais problemas. A ideia subjacente, que é dita recorrentemente, é quebrar barreiras e desafiar estereótipos para juntar os norte-americanos numa altura de divisões.
No primeiro episódio, tenta subsistir comprando apenas, durante uns dias, produtos de negócios pertencentes a pessoas negras, uma tarefa complicadíssima que tem o seu auge numa entrevista de rádio em que El-P fala por ele, num dos momentos mais hilariantes de toda a série. Que são bastantes. KIller Mike tem ele próprio piada, mas rodeou-se de gente que sabe: não é à toa que, nos co-criadores da série, surjam nomes como o de Vernon Chatman, um dos responsáveis por alguma da comédia mais hilariante e transgressora dos últimos 20 anos, de Wonder Showzen a Xavier, Renegade Angel; ou os irmãos Nick e Daniel Weidenfeld, com carreira feita na bizarria que é o Adult Swim, aquilo em que o Cartoon Network se transforma à noite nos Estados Unidos.
Depois, porque acha que a escola não educa decentemente os alunos, tenta criar pornografia inclusiva para ajudar adultos no ensino profissional, tenta convencer os gangues Bloods e Crips a fazerem como os Hells Angels e rentabilizarem as suas marcas com um refrigerante — a Coca-Cola e a Pepsi, diz, matam mais pessoas do que os Bloods e os Crips alguma vez mataram — e, farto de ver Jesus representado como branco, cria a sua própria religião com ênfase no sono — a sede é primeiro a barbearia de que é dono, depois o Blue Flame, um clube de strip habitual na série.
Por fim, depois de actuar num lar da terceira idade, decide fazer audições para juntar várias vozes diversas, que incluem, entre outros, um Juggalo — um fã do duo Insane Clown Posse que pinta a cara —, um cowboy cristão negro, uma mulher que trabalhou numa feira renascentista judia, uma feminista negra, um activista homofóbico dos direitos dos negros, um porto-riquenho e mexicano que actua em drag e um nacionalista branco que votou Trump e é descendente Robert E. Lee. No episódio final, decide montar a sua própria nação, separada dos Estados Unidos, com muitas das pessoas com quem se cruzou antes.