RCA: Governo e líderes de grupos armados negoceiam cara a cara pela primeira vez

É a primeira vez que tal acontece desde o início da crise na República Centro-Africana, em 2012.

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MINUSCA

Pela primeira vez desde o início da crise na República Centro-Africana (RCA), em 2012, dirigentes do poder em Bangui dialogaram esta sexta-feira, cara a cara, com a quase totalidade dos chefes dos grupos armados presentes no país. Entretanto, pelo menos 13 pessoas foram mortas por estes milicianos desde quinta-feira.

"Primeiro cara a cara entre o Governo e os 14 grupos armados na sexta-feira de manhã em Cartum", indicou nas redes sociais a Organização das Nações Unidas (ONU), esta sexta-feira ao início da tarde, com a reunião a desenrolar-se à porta fechada.

Segundo as fotografias divulgadas pela ONU, uma dezena de chefes de grupos armados estavam presentes na primeira reunião oficial deste diálogo, depois da cerimónia de abertura, feita na quinta-feira nos arredores de Cartum.

Entre aqueles chefes estava Ali Darassa, dirigentes de uma das principais milícias, a Unidade para a Paz na República Centro-Africana (UPC, na sigla em Francês). Inicialmente, tinha dito que não estaria presente, depois de o seu grupo ter provocado uma vaga de violência em Bambari, no centro do país, em meados deste mês.

Em Ippy, a uma centena de quilómetros de Bambari, um combatente do UPC, na noite de quinta para sexta-feira, "disparou sobre um grupo de habitantes que estavam numa cerimónia fúnebre, matando dez pessoas e ferindo outras 17, das quais 13 estão em estado grave", disse esta sexta-feira à AFP fonte da ONU. "Era um combatente do UPC, que estava bêbedo. O 'comzone' (comandante de zona) do UPC executou-o em público na sexta-feira", disse à agência noticiosa uma outra fonte da ONU.

Na quinta-feira, três pessoas, entre as quais uma mulher e uma criança, foram mortas numa estrada próxima de Alindao, no centro do país, por milicianos "anti-Balaka", autoproclamados de autodefesa, cujos representantes estão presentes nas negociações na capital do Sudão.

No mesmo dia em Cartum, na abertura do diálogo, Jean-Pierre Lacroix, chefe do departamento de manutenção de paz da ONU, tinha exigido uma "paragem das violências" como "condição essencial" das negociações.

Já Noureddine Adam, chefe da Frente Popular para o Renascimento da República Centro-Africana, o grupo armado mais importante da RCA, não esteve presente esta sexta-feira nas negociações, segundo fotos divulgadas pela ONU e fontes concordantes. Fez-se representar por dois dos seus próximos conselheiros, entre os quais o seu "braço direito", Fadoul Bachar.

Do lado do Governo, a delegação era chefiada por Firmin Ngrebada, chefe de gabinete do presidente Faustin-Archange Touadéra, e incluía designadamente a ministra da Defesa, Marie-Noelle Koyara, e o ministro da Justiça, Flavien Mbata.

Fontes da ONU adiantaram que os grupos armados tinham apresentado durante a manhã desta sexta-feira, que não foram reveladas.

Estas negociações, cujo objectivo é chegar a um acordo e à constituição de uma comissão de acompanhamento, devem durar "duas a três semanas", segundo as autoridades sudanesas.

Sete acordos de paz não resultaram

Desde o início da crise política no país, já foram assinados sete acordos de paz, sem que nenhum conseguisse vingar.

A RCA caiu no caos e na violência em 2013, depois do derrube do ex-Presidente François Bozizé por vários grupos juntos na designada Séléka (que significa coligação na língua franca local), o que suscitou a oposição de outras milícias, agrupadas sob a designação anti-Balaka.

O conflito neste país, com o tamanho da França e uma população que é menos de metade da portuguesa (4,6 milhões), já provocou 700 mil deslocados e 570 mil refugiados, e colocou 2,5 milhões de pessoas a necessitarem de ajuda humanitária.

O Governo do Presidente Faustin-Archange Touadéra, um antigo primeiro-ministro que venceu as presidenciais de 2016, controla cerca de um quinto do território. O resto é dividido por mais de 15 milícias que, na sua maioria, procuram obter dinheiro através de raptos, extorsão, bloqueio de vias de comunicação, recursos minerais (diamantes e ouro, entre outros), roubo de gado e abate de elefantes para venda de marfim.

Portugal está presente na RCA desde o início de 2017, no quadro da Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização na República Centro-Africana (MINUSCA).