Centeno diz que direita está a fazer “voyeurismo populista” com CGD
Ministro das Finanças pediu ao banco para se constituir como assistente no processo judicial. PSD acusou Centeno de não accionar a responsabilidade civil dos administradores por estes estarem sob indicações políticas de um governo socialista.
O debate sobre a auditoria à Caixa Geral de Depósitos aqueceu esta tarde na Assembleia da República entre esquerda e direita. O debate marcado pelo CDS, na sequência da fuga de informação sobre o relatório de auditoria, levou a que mais uma vez fossem conhecidas as divergências entre PS, PCP e BE por um lado, e PSD e CDS por outro. A esquerda acusa PSD e CDS de quererem privatizar o banco público e de usarem todos os mecanismos para o fazer, enquanto PSD e CDS acusam a esquerda de “não querer saber” nem “deixar que se saiba” o que aconteceu na CGD entre 2000 e 2015.
Aos deputados o ministro das Finanças, Mário Centeno, diz que vai apurar “até às últimas consequências” o que se passou na CGD, respondendo às críticas de nada fazer com a auditoria, uma vez que a remeteu para o Banco de Portugal, a administração da Caixa e o Banco Central Europeu. E informou que pediu à administração da CGD para que se constituísse como assistente no processo judicial.
No debate, Centeno pôs-se ao ataque ao CDS e ao PSD, lembrando que quando o anterior Governo recapitalizou o banco público em 2015 não pediu nenhuma auditoria para saber o que se passava. “A CGD foi mantida subcapitalizada, com um plano de negócios irrealista, que ninguém questionou. Para o CDS a banca é sinónimo de praia”, disse, numa alusão ao facto de Assunção Cristas estar de férias quando o Governo PSD-CDS assinou electronicamente a resolução do Banco Espírito Santo. Em contraste com o que foi esta acção, disse Centeno, a “decisão do Governo [actual] foi tomada com seriedade, não foi um exercício de voyeurismo populista”, defendeu.
Em causa está o facto de a auditoria da CGD feita pela Ernst & Young pedida pelo Governo ter ficado em segredo, sem que chegasse ao Parlamento, mesmo depois de ter sido pedida pela comissão parlamentar de inquérito e de o tribunal ter dado razão ao Parlamento nesta contenda, dizendo que o Governo não podia refugiar-se no sigilo bancário para não dar a conhecer o conteúdo da auditoria aos deputados. Sobre este encobrimento Centeno respondeu que a decisão foi a de não prejudicar o banco público em relação aos concorrentes. “Não contem connosco para embarcar numa campanha para prejudicar o banco que é de todos os portugueses e que o torna em desvantagem face aos concorrentes. Não é a primeira vez que há esta tentativa. Contem connosco para garantir o banco, que nem todos querem público”, disse.
O debate foi quente, com o CDS a acusar o Governo de ter “responsabilidade grande e grave” neste processo. Disse o deputado João Almeida, que abriu o debate, que o Governo “não sabe, não quer saber e não deixa que se saiba”, recordando as várias peripécias na comissão de inquérito à CGD.
Foi também de “responsabilidade” que falou o deputado do PSD António Leitão Amaro. “Os portugueses sabem que têm aqui um ministro que mete cinco mil milhões de euros, mas não quer saber. O Governo tem de saber e tem de saber o resultado da auditoria, porque não se envolve tanto dinheiro dos portugueses sem saber as causas do que aconteceu”, disse. Palavras que deram mote a Centeno para dizer que o anterior Governo injectou 1600 milhões de euros na CGD sem ter feito qualquer auditoria.
Contudo, o deputado social-democrata foi mais longe, acusando o ministro de não accionar a “responsabilidade civil” dos administradores da CGD responsáveis pelas imparidades do banco público identificadas na auditoria, porque “ou só está interessado na sua imagem, ou não quer accionar a responsabilidade civil dos administradores e receia que estes administradores digam que o fizeram por orientação política de outro governo, esse governo que era socialista”, disse referindo-se ao Governo de José Sócrates.
Igual acusação acabou por fazer a deputada Cecília Meireles, do CDS, que no fim do debate declarou que o executivo tudo estava a fazer “para esconder as responsabilidades do governo do PS”.
À esquerda, a batalha é diferente. Tanto PCP como BE lembraram as responsabilidades dos socialistas no banco público, mas os dois partidos parceiros do Governo juntaram-se ao PS nas críticas ao que dizem que o PSD e o CDS querem fazer da CGD. “Já que estamos a fazer contas ao passado, vamos saber tudo. Queiramos saber tudo, não escondamos nada. O passado da caixa é Sócrates e é Vara. Mas é também PSD e CDS”, disse a bloquista Mariana Mortágua, que lembrou por várias vezes o papel da centrista Celeste Cardona enquanto administradora da CGD e de Faria de Oliveira, hoje presidente da Associação Portuguesa de Bancos. “O passado da Caixa é o passado da economia portuguesa. É a porta giratória”, referiu.
Numa intervenção sempre acompanhada por apartes de outras bancadas, Mortágua perguntou: “Porque só agora é que vos mordeu o bicho da transparência? Porque é que, quando recapitalizaram a Caixa, não quiseram saber das responsabilidades das imparidades?”
Além deste ponto, defendeu ainda o porquê do fim do inquérito parlamentar à CGD sem que se soubesse o resultado da auditoria. “O objectivo [do PSD e do CDS] não era a informação, era a manobra: ou mantinham a Caixa sobre a pressão do inquérito durante metade da legislatura, ou passariam o tempo a dizer que a maioria travou a transparência. Nunca quiseram saber do impacto do bullying na Caixa”, defendeu.
Também o deputado do PCP Paulo Sá questionou afinal se “alguma vez os administradores nomeados pelo CDS puseram em causa algum desses negócios. Essa responsabilidade é dos sucessivos governos”, disse. O deputado advogou a “necessidade de cabal apuramento de responsabilidades pessoais” de todos os que por “incompetência, dolo ou inacção” levaram o banco àquelas perdas.
Para o deputado comunista, há outro problema associado à gestão da CGD que passa pelo facto de os sucessivos governos a terem tentado tornar um banco privado: “Em resultado de erradas orientações políticas de PS, PSD e CDS, que quiseram alinhar o banco público pelo sector privado, a CGD enveredou por interesses privados em detrimento do interesse público. Afastaram-na do interesse público.”
Já o deputado socialista João Paulo Correia lembrou outro dos argumentos que estiveram subjacentes à rejeição pela esquerda da auditoria à Caixa na altura. “Não é preciso saber só da Caixa, é preciso saber o que se passou nos outros bancos”, lembrou. Em causa está o facto de o Parlamento ter votado a semana passada uma nova legislação que obriga os bancos que receberam ajudas públicas a entregar relatórios de créditos ao Parlamento. Sobre esse assunto a proposta de PSD e CDS acabaria por retirar essa obrigação de transparência a bancos como o BCP ou o BPI.
“Não querem saber o que se passou nesses bancos que foram salvos com o dinheiro dos contribuintes”, acusou.