Podemos, em processo de explosão, ameaça provocar novas mudanças no tabuleiro partidário espanhol

É a ruptura entre “irmãos inimigos” e as duas almas do partido. Mas poderá ter forte impacto nas eleições de regionais de Maio.

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Iñigo Errejón com Pablo Iglesias JUAN CARLOS HIDALGO/EPA

Resumiu um jornalista: “Às dez da manhã de 17 de Janeiro, o Podemos explodiu.” Era o dia do quinto aniversário da sua fundação. Depois do “sismo” das eleições da Andaluzia, esta nova crise não é apenas uma questão interna do partido, antes ameaça complicar mais o mapa político e eleitoral. 

Nessa quinta-feira, Manuela Carmena, presidente do município de Madrid, e Iñigo Errejón, ex-número dois e estratega do Podemos, anunciaram numa carta aberta a formação de uma nova coligação — “Más Madrid” — para as eleições locais e regionais de 26 de Maio. Carmena recandidata-se ao município e Errejón será o candidato à presidência da Comunidade de Madrid.

Pablo Iglesias terá sido apanhado de surpresa. O Podemos arrisca-se a ser politicamente eliminado da capital. Lembre-se que a coligação vencedora nas eleições de 2015, “Ahora Madrid”, foi organizada pelo Podemos, que foi buscar a figura independente da antiga juíza Manuela Carmena para a dirigir e simbolizar. 

Errejón já era o candidato oficioso do Podemos à Comunidade, designado em eleições primárias, mas sob a vigilância dos fiéis do líder. Tanto ele como a popular Carmena se livram da tutela de Iglesias. Na segunda-feira, Errejón resignou ao seu mandato parlamentar mas faz questão de permanecer filiado no partido. 

A questão da unidade do Podemos está aberta desde 2016. É há muito patente o diferendo entre duas linhas, encarnadas por Iglesias e Errejón. A divergência era envenenada pelas rivalidades entre ex-amigos. Os fundadores, dito G-5, eram docentes da Faculdade de Ciências Políticas da Universidade Complutense, jovens com largo currículo revolucionário. Dos cinco, apenas Iglesias permanece na direcção. Foi eliminando a velha guarda até concentrar todo o poder. No congresso de 2017, Errejón ficou em minoria, com 30% dos mandatos. Iglesias afastou-o da direcção do grupo parlamentar, substituindo-o pela sua companheira, Irene Montero.

Na origem, as suas orientações eram diversas mas complementares. Iglesias era qualificado como um “leninista digital”, lançado pela sua participação em tertúlias televisivas. Errejón era um populista sofisticado, seguidor do teórico argentino Ernesto Laclau. Perecer-lhe-á a formulação da primeira fase do movimento.

Enquanto Iglesias começou com um discurso anti-euro e anticapitalista, Errejón definiu outra linha para as eleições europeias de 2014, onde obteve um sucesso inesperado. Tratava-se de trocar a clivagem esquerda-direita e de jogar na oposição entre os “de cima” e os “de baixo”, ou entre “a casta e a gente”. Buscava uma mobilização “transversal”, nos terrenos da esquerda e do centro.

Após o sucesso de 2014, Iglesias concebeu uma nova estratégia: absorver o eleitorado do PSOE — a estratégia do “sorpasso” — para conquistar a hegemonia na esquerda e tornar-se a alternativa ao Partido Popular. Para isso impôs a aliança com os comunistas da Esquerda Unida. E, também por isso, recusou em 2016 apoiar um governo PSOE-Cidadãos, votando ao lado do PP contra a investidura de Pedro Sánchez. 

Errejón, que discordava da hostilização ao PSOE, discordou dessa decisão, propondo a abertura a outras camadas do eleitorado — sempre a transversalidade. Demarcou-se também da aliança entre o Podemos e os nacionalistas catalães, considerando que tal política os condenava no resto da Espanha. A estratégia de Iglesias fracassou porque o PSOE resistiu à sua ofensiva e nada ganhou com a sua política catalã. 

As repercussões

É muito cedo para avaliar os efeitos desta ruptura, até porque se desconhecem as futuras opções de Errejón e a resposta táctica de Iglesias. Uma primeira ideia é a de que prossegue a fragmentação. Poder-se-ia dizer que, após a irrupção do Vox, o centro e a direita se partiram em três actores: PP, Cidadãos e Vox. Segue-se agora a perspectiva de uma esquerda também tripartida, sem falar nos partidos nacionalistas nem nas “confluências” regionais até agora associadas ao Podemos.

À primeira vista, o PSOE teria razões para exultar: divide-se o partido que o queria “absorver”, o que poderá facilitar o regresso de eleitores perdidos. Mas não é o que se verifica, pois parece ter-se instalado um clima de incerteza. O que o PSOE tem em mente são as eleições de 26 de Maio. A sua capacidade de fazer alianças diversas permitiu-lhe bater o PP em numerosas cidades. Uma previsível quebra do Podemos pode inviabilizar a obtenção de maiorias. Explicam alguns socialistas que, se é positivo o partido ganhar mais votos, tal pouco adianta se as suas coligações fracassarem. “Pedro Sánchez quer ganhar mais terreno ao Podemos mas não lhe convém que este entre em coma, pelo menos até à legislativas”, observa Enric Juliana no La Vanguardia.

Voltando ao Podemos. Profetiza o El Confidencial: “O cisma entre Iglesias e Errejón acabou por arruinar a experiência do Podemos como partido político de âmbito nacional.” Falta, no entanto, a prova dos factos.

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