Tribunal de Contas recusa visto prévio a renda acessível em Lisboa
O Tribunal de Contasdiz que há "vantagens contratuais para a concessionária" e "uma repartição de riscos desfavorável para o ente público".
O Tribunal de Contas recusou o visto prévio ao projecto de renda acessível da câmara de Lisboa previsto para a Rua de São Lázaro, informou a autarquia em comunicado, acrescentando que vai recorrer da decisão.
"A Câmara Municipal de Lisboa está a analisar o teor da decisão, da qual irá apresentar recurso. O projecto de renda acessível é absolutamente crucial para assegurar habitação para as classes médias e não pode ser comprometido por questões de natureza burocrática e administrativa", considerou a autarquia.
Em causa está o contrato para a construção e reabilitação de imóveis da câmara de Lisboa no âmbito do Programa de Renda Acessível, celebrado entre o município e a empresa Neonsmiles, no valor de dez milhões de euros, para a recuperação de 16 imóveis, correspondentes a 15 edifícios e um terreno, na Rua de São Lázaro.
"A Câmara Municipal de Lisboa reforça o seu propósito de continuar a colaborar institucionalmente com o Tribunal de Contas, prestando todos os esclarecimentos tidos por convenientes por forma a encontrar uma solução que cumpra os propósitos do contrato em causa", sublinha a autarquia, que não se refere no comunicado aos fundamentos da recusa de visto prévio.
O acórdão do Tribunal de Contas sustenta que o contrato em causa é uma parceria público-privada, com consequente aplicação do seu regime legal específico, e não um contrato de concessão, conforme a Câmara Municipal de Lisboa o encara.
"Existe, pois, um conjunto de condições que deveriam ter sido observadas antes do lançamento do procedimento pré-contratual respeitante ao contrato ora submetido a fiscalização prévia - e que, manifestamente, não foram respeitadas", lê-se no acórdão dos juízes Mário Mendes Serrano (relator), Paulo Dá Mesquita e Fernando Oliveira Silva.
Entre outras questões, não é apresentado um estudo de viabilidade económico-financeira, aponta o tribunal, sendo que o documento enviado pela câmara relativo a "estudos prévios sobre as condições de viabilidade económica" daquela operação "não cumpre minimamente as rigorosas exigências do regime jurídico das parceiras público-privadas" (RJPPP).
"Por outro lado, não se encontra esse documento elaborado numa perspectiva de apreciação global da parceria público-privada aqui em causa e segundo a lógica comparativa a que o RJPPP obriga, por reporte a outras soluções que possam constituir alternativas ao modelo adoptado, carecendo o mesmo da formulação de asserções demonstrativas da primazia desse modelo", lê-se no acórdão.
O Tribunal de Contas, que fundamenta a sua decisão ao longo de 33 páginas, aponta também para a existência de um "conjunto de vantagens contratuais para a concessionária" que indicia "uma repartição de riscos desfavorável para o ente público".
"Por sua vez, esse provável desequilíbrio implicará a probabilidade de alteração do resultado financeiro do contrato - o que nos volta a remeter para a verificação do fundamento de recusa de visto", consideram os juízes.
Entre as "relevantes componentes contratuais que contêm vantagens seguras para a concessionária" encontram-se a "transmissão em regime de propriedade plena, a favor da concessionária, de seis dos 15 prédios abrangidos pelo contrato", e a "possibilidade de constituição de garantias reais, para efeitos de financiamento da concessionária, sobre os imóveis objecto da concessão".
O tribunal aponta também como uma dessas vantagens seguras a "previsão de reequilíbrio financeiro do contrato, segundo a sua cláusula 34.ª, no caso de 'não existir uma ocupação média efectiva dos alojamentos destinados a arrendamento acessível em percentagem superior a 90% da totalidade dessas unidades de alojamento e não tenha sido possível, supletivamente, o seu arrendamento directamente junto do mercado'".
De acordo com informação da câmara de Lisboa divulgada em Abril de 2018, a intervenção na Rua de São Lázaro "envolve um conjunto de 16 edifícios de património municipal, nos quais vão nascer 131 fogos, divididos em tipologias T0, T1 e T2, com rendas entre 100 e 350 euros".