Um branco e um negro na noite do deep south

Green Book é bem um filme para estes tempos, em que se descobre que a ferida do racismo ainda arde. Chega a Portugal esta quinta-feira, nomeado para cinco Óscares.

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Como um buddy movie que relata a conquista da amizade entre os seus opostos protagonistas: Green Book
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Green Book é bem um filme para estes tempos, tempos americanos mas não apenas americanos, em que se descobre que a ferida do racismo ainda arde. Conta a história, baseada em factos verídicos, da relação entre um motorista improvisado, branco e italo-americano, vindo do mundo das discotecas e dos casinos (Viggo Mortensen), e o célebre pianista Don Shirley (Mahershala Ali, visto em Moonlight), que precisava de quem o conduzisse numa digressão pelo deep south americano. Funciona como um daqueles buddy movies que vão relatando a conquista da amizade entre os seus opostos protagonistas, da distância, e até antipatia, iniciais, até ao momento em que se reconhecem numa espécie de irmandade aqui, o momento em que Shirley confessa o seu desespero solitário, o do negro rico e privilegiado que não é aceite pelos brancos (pelo menos quando não está num palco em frente ao piano) nem é reconhecido como um igual pelos negros, pelo excessivo privilégio que tem.

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O título do filme, que foi um dos principais vencedores dos Globos de Ouro e acaba de ser nomeado para cinco Óscares, vem do que deve ser uma curiosa peça de literatura turística: um guia para viajantes negros no Sul dos EUA, indicando os sítios a evitar e aqueles, motéis ou restaurantes, que furam a segregação vigente e são, pelo menos, tolerantes à presença de indivíduos de pele escura. Algumas críticas americanas a Green Book têm a ver com isso, considerando que se trata de um retrato amenizado do inferno absoluto que era o deep south, nos anos 60, para quem fosse negro; e críticas que serão justas, porque nunca se passa à atmosfera de terror e persecução que certas cenas parecem fazer adivinhar ou pressentir.

Mas também é impossível desligar isso do propósito do filme, que não vem para cavar a divisão mas para unir, como a solidariedade fraternal entre os protagonistas vem, no fim, atestar e no tão belicoso ambiente da América contemporânea este desejo de fraternidade faz seguramente o seu sentido.

Resta dizer que Peter Farrelly (aqui a solo, sem o irmão Bobby) está em modo bem comportado, sem guardar nada do estilo cáustico, caótico e adolescente das comédias que são a imagem de marca do seu trabalho com o irmão. Talvez até demasiado bem comportado, como que esmagado pela delicadeza do tema. Mas a sinceridade da sua abordagem, apoiada nas óptimas interpretações de Mortensen e Ali, nomeadas para os Óscares de melhor actor e melhor actor secundário, lá leva a água ao seu moinho, um “moinho” certamente ilustrativo mas em cuja genuinidade podemos acreditar.

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