A fartura dos clubes turcos está desaparecer a olhos vistos
Enorme dívida financeira fustiga vários emblemas turcos. O Fenerbahçe, um dos maiores clubes da Turquia, está à beira da "linha de água" e em risco de descer de divisão.
A Turquia continua a ser um destino economicamente atractivo para muitos futebolistas. No mercado de transferências de Inverno que decorre, pelo menos dois clubes portugueses negociaram jogadores para aquele país. Marcão deixou o Desp. Chaves para aceitar uma proposta do Galatasaray e Hélder Tavares, médio do Tondela, vai para o Altay, do segundo escalão.
Tratam-se de exemplos actuais que contrastam com o que aconteceu em dois clubes da cidade de Istambul: Besiktas e Fenerbahçe. Os elevados gastos com jogadores e a falta de estruturas de controlo levaram alguns clubes turcos a endividarem-se de forma excessiva.
Onda de dívidas em Istambul
No caso do Fenerbahçe, que reportou uma dívida de 2,1 mil milhões de liras turcas em Agosto do ano passado, o insucesso desportivo aliou-se ao financeiro. Nessa altura, falhou o acesso à Liga dos Campeões frente ao Benfica. E o vice-campeão na última temporada está agora junto aos lugares de despromoção do campeonato, tendo já contratado três treinadores (Phillip Cocu, Erwin Koeman e agora Ersun Yanal). O Fenerbahçe é o segundo clube com mais campeonatos conquistados na Turquia (19) e tem um número considerável de Taças (seis) e Supertaças (nove).
Em conversa com o PÚBLICO, o editor de futebol internacional do jornal turco Sabah, Uğur Karakullukçu, puxa a fita atrás para explicar o caos instalado no Fenerbahçe e fala numa “aposta 'all-in' falhada” por parte do presidente Aziz Yıldırım desde 2015.
Karakullukçu define o presidente como um dirigente que pensa positivo, com “abordagem ocidental”, mas tem pecado por ser tão ingénuo. Desde logo, “descartou alguns dos melhores jogadores da casa como Emre Belözoğlu – que aos 39 anos continua a jogar ao mais alto nível - Gökhan Gönül e Caner Erkin”, bem como algumas estrelas internacionais: o avançado holandês Robin van Persie e o português Nani, que não renderam o esperado. Apenas o defesa esloveno ex-Liverpool Martin Skrtel continua no plantel. “O Fenerbahçe nunca mais encontrou laterais de tão boa qualidade técnica e ofensiva como Emre, Gönul ou Erkin”, disse.
Mais tarde, com as medidas do fair-play financeiro da UEFA já a afectar o Fenerbahçe, o clube vendeu dois brasileiros – Souza (ex-FC Porto) e Giuliano – para clubes árabes, num total de 22 milhões de euros. As apostas menos dispendiosas caíram no ex-Sporting Islam Slimani ou André Ayew mas também não resultaram e continua a não existir um bom criador de jogo no Fenerbahçe.
Com isto, Uğur Karakullukçu sublinha o contraste que existe entre o actual presidente do Fenerbahçe, Ali Koç e o anterior, Aziz Yıldırım, que esteve no poder nos últimos 20 anos. “Tinha postura firme e agressiva no mercado e contra os rivais”, disse o jornalista comparando-o ao líder do FC Porto, Pinto da Costa.
Apesar de tudo, Koç ainda é “bem visto pelos adeptos do Fenerbahçe” porque “quase sozinho gerou acordos de patrocínio do clube, com negócios firmes e a injectar o máximo de dinheiro possível [50 milhões de euros em dinheiro e outros 50M€ em crédito de empréstimo]”, justificou.
E se o Fenerbahçe, clube com grande massa de adeptos fervorosos na Turquia, descer mesmo de divisão? Uğur Karakullukçu considera isso ainda muito improvável e nem os rivais acreditam nisso. Apesar de tudo, “o plantel tem jogadores experientes” e “há equipas piores na zona de despromoção”. Mas se isso de facto acontecer, o jornalista recorre a exemplos como a descida do River Plate, na Argentina, há oito anos. As reacções podem ser múltiplas e “tudo pode mudar, incluindo o presidente”, diz. Uma das antigas glórias deste clube de Istambul, Rıdvan Dilmen, destaca esse eventual acontecimento da seguinte forma: “Um dólar tornava-se dez mil liras turcas se o Fenerbahçe descer, é impossível.”
A situação do Besiktas
No Besiktas, o último caso está relacionado com Portugal. Pepe rescindiu para regressar ao FC Porto e em causa, segundo o diário espanhol Marca, estariam salários em atraso em toda a estrutura do Besiktas. O internacional português terá chegado a tomar a atitude de pagar ordenados a cozinheiros e a tratadores de relva. As “águias negras” de Istambul ocupam um invulgar sexto lugar no campeonato e continuam a fazer esforços para combater os elevados salários na equipa principal de futebol.
Galatasaray (actual 4.º classificado do campeonato, com mais de 750 milhões de liras turcas em dívida) e Trabzonspor (3.º classificado, 741 milhões de dívida) são outros dos clubes que estão envolvidos numa intervenção da associação de bancos turcos e da federação para delinear um plano de reestruturação de dívida na ordem dos 11 mil milhões de liras turcas (cerca de 1,8 mil milhões de euros).
Başakşehir: um forte “outsider”
Por outro lado, Istambul tem um outro clube que joga no sentido contrário: o Başakşehir. São os líderes destacados da Liga turca seis pontos à frente do segundo, o Malatyaspor. O Başakşehir foi fundado em 1990, mas recebeu uma injecção de capital substancial há cinco anos e é um “clube de plástico”, diz Uğur Karakullukçu, "como o Leipzig", exemplificou. “Não tem muitos apoiantes, é bastante odiado por adeptos mais conservadores, mas tem um dos melhores treinadores do país, Abdullah Avcı”, explicou o também comentador dos canais desportivos turcos A Spor. “Se ganharem o campeonato, isso não vai alterar o seu status”, bem pelo contrário, afirma.
Quando surgiram na luta pelo título e no acesso a lugares europeus tão rapidamente, contrataram jogadores experientes como o brasileiro Robinho, Arda Turan, Adebayor ou o defesa francês Gael Clichy. Os brasileiros Mossoró (ex-Sp. Braga) e Júnior Caiçara (ex-Gil Vicente) também fazem parte deste plantel.
Os salários também são altos mas têm a vantagem de não ter dívidas "porque o clube formou-se num antigo município”. Houve capital injectado no Başakşehir sem grandes custos adicionais. Estão lançados para o título nacional desde o primeiro momento em que chegaram à superliga turca – ficaram sempre nos quatro primeiros classificados a partir de 2014.
A federação turca vai tomar o papel de vigilante das contas dos clubes enquanto os bancos estão a delinear planos de pagamento, informou a agência de notícias turca. Toda esta reestruturação, diz o grupo financeiro turco Demiroren, vai também aumentar a maturidade da dívida para 10 anos.
Perante o anúncio desta medida, a associação dos bancos turcos fez questão de frisar que “não será perdoada qualquer dívida aos clubes”, e que este plano de reestruturação é apenas mais uma medida da banca perante um contexto económico adverso.
Depois de a lira turca ter afundado 28% contra o dólar em 2018, os bancos turcos foram obrigados a reestruturar cerca de 20 mil milhões de dólares de dívidas de forma a permitir que as empresas turcas possam lidar com os seus encargos, financiarem-se e gerirem o seu dia-a-dia. Uma lira turca está avaliada em cerca de 16 cêntimos na moeda única europeia.
Notícia corrigida às 21h05, rectificando o número de títulos nacionais ganhos pelo Fenerbahçe.