Será que encontraram mesmo o túmulo de Cleópatra?
Há dez anos que Zahi Hawass acredita ter identificado o local onde estão sepultados a rainha do Egipto e o político e militar Marco António, um casal que desafiou Roma, teve um fim trágico e, graças ao cinema, vive no imaginário colectivo. Em breve, diz, revelará as coordenadas do túmulo. Mas será que é mesmo assim? Ou a sua localização continuará a ser um mistério eterno, à medida de um amor também eterno?
Falava numa conferência em Palermo, Itália, e foi peremptório: “Sei onde está o túmulo de Cleópatra, a rainha do Egipto.” Zahi Hawass, o antigo responsável máximo pelo Conselho Supremo de Antiguidades do Egipto, é dado a declarações categóricas como esta o que, frequentemente, lhe vale críticas de destacados egiptólogos, que o acusam de preferir a arqueologia-espectáculo ao trabalho científico rigoroso.
Para já, Hawass não revela as coordenadas da sepultura e não avança pormenores que possam, de alguma forma, corroborar o que diz, mas não se cansa de repetir que está “muito perto” de desvendar um dos mistérios mais apaixonantes da história do seu país. “Acredito que encontrei [a sepultura]. Estou no bom caminho. Tenho grandes esperanças de dar com ela em breve”, disse durante a conferência siciliana, aqui citado pelo diário espanhol ABC. “O lugar preciso deu-nos, no decorrer dos trabalhos, muitos elementos que nos levarão, sem dúvida, ao túmulo da figura histórica de Cleópatra [c.69-30 a.C.]. Por isso, sabemos agora exactamente onde devemos escavar.”
Em Abril de 2009, em colaboração com uma equipa dominicana liderada por Kathleen Martinez, o arqueólogo, que tem centrado boa parte da sua carreira nesta busca pelo túmulo da última rainha do Egipto, tinha já falado em dezenas de artefactos recolhidos nas imediações das ruínas onde acredita estarem sepultados os dois amantes que morreram há mais de dois mil anos. Trata-se de um templo dedicado ao deus Osíris, 45 quilómetros a sudoeste de Alexandria, cidade junto ao Mediterrâneo e capital do país durante a dinastia ptolemaica (323-30 a.C.), fundada logo após a morte de Alexandre, o Grande, quando o seu império foi dividido e o Egipto viria a caber ao jovem general Ptolemeu Lago.
Nesse conjunto de objectos estão uma escultura que, muito provavelmente, representará Cleópatra e Marco António abraçados, a cabeça de uma estátua de alabastro da rainha, 22 moedas com a sua efígie e um fragmento em cerâmica daquela que poderá ser a máscara funerária deste político e militar que foi uma das mais destacadas figuras da última fase da República Romana.
Na mesma zona do templo de Osíris, e também há dez anos, foram ainda identificados outros 27 túmulos, tendo sido encontradas dez múmias. De acordo com as pesquisas feitas no subsolo em 2011, com recurso a radares, o que se julga pertencer a Cleópatra a Marco António estaria intocado.
Agora, explicou Zahi Hawass em Palermo, a investigação entrou numa fase delicada, já que as criptas e corredores subterrâneos que deverão ser escavados pelos arqueólogos estão inundados devido à proximidade de um lago e, por isso, inacessíveis.
Um amor para a eternidade?
Cleópatra VII, a última rainha do Egipto, é uma das figuras mais fascinantes da Antiguidade. Pelo que dela se sabe — historicamente não é muito e algumas das fontes suas contemporâneas, como a biografia de Octávio, seu opositor, traçam-lhe um retrato enviesado, insistindo mais nas suas capacidades para seduzir e ludibriar do que nas suas qualidades de governante astuta e de mulher culta, tão interessada nas artes e nas letras, como na ciência — e sobretudo pelo que permanece por saber.
A sua capacidade de atrair a curiosidade da comunidade científica mas também a do público não especializado prende-se, também, com a imagem que se lhe foi colando, graças à sua beleza tornada lendária (algo que as fontes iconográficas da época parecem não corroborar) e às relações que manteve com dois romanos poderosos: Júlio César, assassinado em 44 a.C. e alegadamente pai de um dos seus filhos; e Marco António, aquele que terá sido o seu grande amor, com quem desafia Roma e partilha os últimos 11 anos da sua vida.
O dramaturgo William Shakespeare e o seu António e Cleópatra (1606-07) reforçam o lado romântico da aliança deste casal que Hawass e Kathleen Martinez acreditam estar sepultado em Taposiris Magna, nome que se refere, ao mesmo tempo, a uma antiga necrópole e ao templo de Osíris, de que hoje já pouco resta. Esta peça e outras fontes históricas alimentaram, depois, as versões cinematográficas deste amor trágico. Theda Bara (no filme de J. Gordon Edwards, 1917) foi a grande Cleópatra do cinema mudo, mas no imaginário colectivo vive, sobretudo, a interpretada por Elizabeth Taylor na versão de Joseph L. Mankiewicz (1963), com Richard Burton no papel de Marco António, uma produção em cujos bastidores os dois actores se apaixonariam, dando início a um dos mais intensos e tempestuosos romances de Hollywood.
Recorde-se que o que ficou para a história da Antiguidade — o de Marco António e Cleópatra — terminou com os dois amantes a suicidarem-se depois de as forças militares de ambos terem sido derrotadas na Batalha de Áccio (31 a.C) pelas de Octávio, o filho adoptivo e herdeiro de Júlio César que viria a ser o primeiro imperador romano, com o nome de Augusto.
O militar romano matou-se com a sua própria espada, a última rainha do Egipto com veneno, para evitar ser humilhada por Octávio e ver o seu país transformado numa província do império romano. Escreveu o historiador romano Plutarco que o futuro Augusto permitiu que fossem sepultados juntos, respeitando o desejo de ambos, não se sabendo até hoje onde fica o seu túmulo.
Esperar para ver
Garante esta quinta-feira o diário El País que há muitos egiptólogos que não partilham do entusiasmo de Zahi Hawass e Kathleen Martinez, acusando-os de não terem apresentado ainda qualquer prova conclusiva da localização da sepultura. Por que razão não teria Cleópatra sido sepultada junto dos outros soberanos ptolemaicos na grande necrópole real de Alexandria? Por decisão de Octávio, para que o seu túmulo não se transformasse em local de peregrinação? Ou porque ela quis que o seu mausoléu ficasse num templo dedicado a Osíris? E Marco António, teria ele permitido que o seu corpo fosse mumificado de acordo com os preceitos egípcios e não cremado como mandava a tradição romana? As perguntas são muitas, as hipóteses de resposta ainda mais.
Para Hawass, não há nada de estranho no facto de Cleópatra e Marco António estarem, presumivelmente, sepultados no Templo de Osíris: “Trata-se de um espaço funerário monumental, digno da realeza, muito importante. Não é um lugar qualquer”, disse, ainda de acordo com o ABC.
Para já o cepticismo próprio da ciência manda esperar que a investigação avance e dê frutos mais concretos, antes de deixar que o optimismo se instale. Os mais críticos do estilo de Hawass acrescentam que este clima de antecipação de uma descoberta tão espectacular como seria a da localização do túmulo da mítica governante do Egipto, que morreu aos 39 anos, 22 dos quais no poder, permite desviar a atenção do que foi o fiasco dos esforços do arqueólogo para encontrar o túmulo de outra rainha, Ankhesenamon, mulher de Tutankhamon, no Vale dos Reis, em 2017. E permite ainda lembrar aos potenciais turistas estrangeiros, que os atentados do final do ano mantêm receosos, que continua a valer a pena visitar o Egipto porque nele continua a haver muitos mistérios por revelar.