May the Brexit be with you
Dizem que foi um statement. A mim parece-me um colossal erro de percepção histórico-política.
É atribuída ao General de Gaulle a caracterização da adesão do Reino Unido, da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte às então Comunidades Europeias (CECA, CEE e EURATOM) como a permissão da entrada do “cavalo de Tróia”. Certo é que, enquanto permaneceu Presidente, o Reino Unido (RU) não viu os seus dois pedidos de adesão aprovados e só à terceira o conseguiu.
É indubitável que este Estado-membro entrou fundamentalmente por interesses económico-políticos, encorajado pelo aliado norte-americano e que a rábula do Yes, Minister, em que Sir Humphrey explica a política externa britânica quanto à UE, é a comédia mais fiel à realidade. Mesmo assim, a fleuma desta ilha considerava que a sua importância económica era tal que seria capaz de impor os seus termos quase na exacta medida do que desejava. Impossível, my dear Britain.
A União pode ser relativamente fraca politicamente, como aqui já tenho escrito, mas nada como um inimigo comum para unir as hostes. Se a negociação não fosse dura, perder-se-ia o efeito de prevenção geral negativa numa época em que os nacionalismos ameaçam implodir a UE. Donde, nomeia-se como chefe da delegação dos 27 um francês, para reavivar a História de rivalidade franco-britânica. E que negociador!
No geral, tenho o acordo por equilibrado, mas sem que o RU tenha conseguido – nem o podia – ter o melhor de dois mundos: estar fora das despesas e quinhoar nos lucros. Uma espécie de saída em que se deixa a roupa em casa da ex-mulher e se dorme lá, de quando em vez, apenas em honra aos velhos tempos. Sair é sair e pagar pelos fundos estruturais, a que se pode acrescer o irritável “cheque britânico” que, durante décadas, foi um brutal escândalo nas supostas relações de igualdade entre os Estados-membros. O RU sempre quis ter um pé na Europa continental, o outro nos EUA e a coroa na Commonwealth. Finalmente, os 27 demonstraram que não se pode ter “sol na eira e chuva no nabal”.
Digo isto sem qualquer prazer, pois sei bem que também a União sofrerá economicamente, bem como os seus cidadãos que decidam permanecer no RU. Mas agrada-me sobremaneira esta hipocrisia – que não é só do RU – ter chegado ao fim. Não satisfeitos, claro que os MPs acabam de votar por uma esmagadora maioria de 432 contra 202 votos (a maioria necessária era apenas de 230) a rejeição do acordo de retirada do seu país. Nada que não se esperasse. Teimosos até ao fim, num finca-pé a que a Europa deve responder como tem feito: take it or leave it. Não há mais acordos. Cerca de dois anos e meio com cerca de dois anos de transição é mais que suficiente para o marido empertigado sair de casa. E agora um errático Corbyn propõe uma moção de censura que será discutida amanhã na Câmara dos Comuns.
Como se assinalava na emissão em directo, é necessário recuar à década de 1920 para encontrar uma derrota tão estrondosa de um Governo nos Comuns. E se o Governo de May cair, como tudo indica? O esquizofrénico é que ficará tudo na mesma: Corbyn não tem margem para negociar outro acordo com a União. O máximo será obter uma moratória, o que só acontecerá se as instituições europeias concluírem que as suas vantagens económicas são superiores às desvantagens. Mas será uma mera análise costs-benefits, pois os britânicos, na verdade, não deixam saudades na UE, ou melhor, os seus políticos, que levaram o habitual cinismo de uma boa parte da classe política mundial a expoentes nunca vistos.
O RU tem o complexo de ilha que ainda julga ser império e os britânicos deixaram-se enganar por um conjunto de mentiras. Já acordaram para a dura realidade: as dificuldades económicas serão maiores no futuro fora da união económica e aduaneira; o isolacionismo de Trump (ele é um dos ganhadores do “Brexit”, juntamente com Putin) não é solução e a rainha, por muito simpática que seja, ainda que venda bolos para fora e transforme o palácio de Buckingham num gigantesco hostel, não compensará as brutais perdas económicas que a city já anteviu, ao lado do Banco de Inglaterra.
May, para já, arrisca-se a ficar para a História como a PM que pode conduzir o RU “por mares nunca dantes navegados” – a verdade é que, com sinceridade, ninguém conhece bem o que significa uma saída sem acordo. Só o tempo o dirá, por ser território virgem. Mas pode vir o tempo em que Corbyn e seus apaniguados, com o distanciamento cronológico devido, sejam os carrascos de uma das mais cavadas crises económico-sociais no RU e May como aquela senhora crescida numa turma de miúdos birrentos que, entre uma tigela com meia sopa ou nada para comer, por pirraça, preferiram nada comer.
Dizem que foi um statement. A mim parece-me um colossal erro de percepção histórico-política.