O flirt de Casado com a extrema-direita deu-lhe a Andaluzia, mas deixou o PP nervoso
O primeiro presidente da Andaluzia não socialista toma posse esta semana. No parlamento regional proclamou o “fim de um ciclo político”.
A Andaluzia prepara-se para ter um líder não socialista pela primeira vez desde a Transição democrática. O parlamento regional vota nesta quarta-feira a investidura do conservador Juan Manuel Moreno, do Partido Popular (PP), depois de ter garantido um acordo de coligação com o Cidadãos e o apoio parlamentar do partido de extrema-direita Vox.
Para os conservadores, trata-se de uma oportunidade histórica para pôr fim à hegemonia do Partido Socialista (PSOE) na região mais populosa de Espanha que durava há mais de três décadas. Porém, o primeiro triunfo de Pablo Casado como líder do PP traz consigo uma fonte de mal-estar no seio do partido, sobretudo entre os dirigentes que não gostaram de ver a sintonia do seu líder com o programa da extrema-direita.
No seu discurso esta terça-feira, no início do debate de investidura, Moreno declarou o “fim de um ciclo político” e prometeu que “a Andaluzia irá fazer a sua própria transição para a alternância democrática”. Dependente do apoio da extrema-direita para tudo o que quiser aprovar, espera-se um mandato turbulento para a primeira coligação de direita a governar a região. Fora do parlamento regional, milhares de pessoas concentraram-se em protesto numa manifestação convocada por organizações feministas.
Linhas vermelhas
As difíceis negociações entre o PP e o Vox permitiram vislumbrar alguns sinais que indicavam uma fractura entre os populares. Vários dirigentes e barões históricos do partido avisaram Casado de que nem tudo era negociável em nome do poder e foram traçadas linhas vermelhas.
A proposta do partido de extrema-direita de revogar as leis regionais contra a violência de género, designada em Espanha como “violência machista”, foi uma das mais contestadas. O presidente da Junta da Galiza, Alberto Feijóo, um dos mais proeminentes líderes do PP, veio lembrar que “a violência machista existe” e que era preciso continuar a lutar contra o fenómeno.
No mesmo sentido vieram as palavras do ex-ministro da Saúde e da Igualdade, Alfonso Alonso. “Apenas vemos a ponta do icebergue, uma situação espantosa, que são as mulheres assassinadas, mas há dezenas de milhares de pessoas que vivem essa situação diariamente. Portanto, não se pode fraquejar nesses esforços”, afirmou o ex-ministro.
Do acordo final ficaram de fora as propostas mais controversas do Vox, incluindo a revogação das leis sobre violência de género, igualdade e de defesa dos direitos LGBT. Porém, no PP persiste a sensação de que Casado se aproximou em demasia do discurso da extrema-direita, contribuindo para a sua “normalização”.
Numa entrevista recente, o líder popular defendeu a “protecção das vítimas, independentemente da idade ou do sexo”, e não da violência de género – uma estratégia comum de partidos como o Vox, que se recusam a falar de violência contra as mulheres, preferindo inserir esses casos no campo mais genérico da “violência familiar”.
“O PP respeita que um partido diga ‘parece-nos muito bem que haja medidas para proteger a mulher que sofre maus-tratos em sua casa, tal como também queremos que se protejam as crianças ou os idosos que, sendo homens, também sofrem violência por parte de familiares e cuidadores”, afirmou Casado, no início do mês. O líder partidário também referiu como prioridade a apresentação de medidas que “tentem limitar as denúncias falsas”, apesar de vários estudos mostrarem que as condenações baseadas em testemunhos errados são inferiores a 1%.
O jornal La Vanguardia diz que, mesmo depois de assinado o acordo, persiste um “mal-estar” no partido, sobretudo entre as organizações regionais. Um dos principais receios está na sugestão, feita pelo próprio Casado, de que o entendimento alcançado na Andaluzia pode ser repetido noutras eleições. Os dirigentes ouvidos pelo jornal, que se mantêm no anonimato, dizem que a mensagem que Casado está a passar ao eleitorado é de que “é igual votar no PP, ou no Cidadãos ou no Vox, porque no final das eleições se vão unir para governar”.
Críticas de Valls
O acordo com o Vox também gerou um forte debate interno no Cidadãos, o outro partido conservador que será parceiro do PP no governo andaluz. O ex-primeiro-ministro francês, e candidato à câmara de Barcelona, Manuel Valls (tem dupla nacionalidade), foi o rosto da contestação interna. “Desejo reiterar a minha oposição mais firme a que os grandes partidos da União Europeia legitimem grupos de ideologia de ultra-direita e de extrema-esquerda”, afirmou Valls num artigo de opinião publicado no El País.
A sua candidatura em Barcelona chegou a ficar posta em causa, mas o ex-primeiro-ministro socialista francês de origem catalã acabou por se manter.
A estratégia do partido que se apresenta como “centrista” foi o de minimizar as negociações e o acordo fechado com o Vox. Os seus dirigentes têm sublinhado que o Cidadãos apenas está vinculado à coligação com o PP e nunca se sentaram com a formação de extrema-direita – a líder do partido na Catalunha, Inés Arrimadas, diz preferir definir o Vox como “populista” não como de extrema-direita.