Palavras duras contra Maduro unem Bolsonaro e Macri
Os primeiros sinais indicavam que os líderes das duas maiores economias sul-americanas poderiam ter uma relação turbulenta. Ambos querem mudanças no Mercosul.
Há uma “convergência de identidade e de valores” entre o Brasil e a Argentina, sublinhou esta quarta-feira o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, ao lado do homólogo, Mauricio Macri, durante a primeira visita de Estado desde a eleição do novo Presidente do Brasil.
A grande missão do encontro era afastar as nuvens que pareciam ensombrar as relações entre os dois líderes, depois de alguns episódios controversos. Bolsonaro tinha anunciado que a sua primeira deslocação oficial ao estrangeiro seria ao Chile, quebrando a tradição de visitar primeiro Buenos Aires. Em resposta, Macri não compareceu à cerimónia de tomada de posse, com a justificação de estar de férias na Patagónia.
As declarações do ministro da Economia e Finanças, Paulo Guedes, nas quais desvalorizou o Mercosul (a união económica regional que junta Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai), também vieram perturbar os laços entre os dois países vizinhos. Como sinal de que a relação entre as duas potências regionais importa, Macri fez-se acompanhar em Brasília de vários ministros relevantes, como os dos Negócios Estrangeiros, Justiça e Finanças, que se encontraram com os seus homólogos brasileiros.
A crise política na Venezuela foi o pretexto ideal para que Bolsonaro e Macri – ambos na linha da frente na condenação ao Presidente venezuelano, Nicolás Maduro – apertassem as mãos em clima de concórdia.
Ambos os líderes teceram duras críticas ao regime venezuelano, com Macri a qualificar Maduro como um “ditador”. “A comunidade internacional já percebeu: Maduro é um ditador que tenta perpetuar-se no poder com eleições fictícias, perseguindo opositores e levando os venezuelanos a uma situação desesperada”, afirmou o líder argentino.
Bolsonaro destacou a “cooperação na questão da Venezuela”, como o “exemplo mais claro” de uma “convergência de identidade e de valores” entre Brasil e Argentina “na defesa da liberdade e democracia na região”. Os dois líderes não reconhecem o Governo de Maduro e defendem uma estratégia de isolamento total do regime – alguns sectores não excluem sequer uma intervenção militar directa para derrubar as autoridades bolivarianas.
Mudanças no Mercosul
O outro ponto da agenda foi o Mercosul, um bloco económico que atravessa um período de grande incerteza. Argentina e Brasil defendem mudanças no funcionamento da organização, que actualmente negoceia um tratado comercial com a União Europeia. Um dos principais aspectos que as duas maiores economias da América do Sul gostavam de ver alterado seria a possibilidade de negociarem acordos bilaterais com países terceiros – actualmente as negociações são feitas pelo Mercosul em bloco.
“Macri quer voltar com a notícia de que há um compromisso de ambos para fortalecer o comércio e a integração do bloco, que até agora não cumpriu o que prometeu”, disse ao El País Brasil Oliver Stuenkel, especialista em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas. “Apesar de alguma tensão nesse primeiro encontro, há optimismo, já que ambos concordam que o Mercosul deve ser um pouco mais flexível em relação aos acordos bilaterais”, acrescentou.
Bolsonaro chegou a acusar o bloco de ter um “viés ideológico” por ter autorizado a entrada da Venezuela como Estado associado – a participação de Caracas está suspensa desde 2017, acusada de violações democráticas.
Ao lado de Macri, o Presidente brasileiro disse concordar com a necessidade de “aperfeiçoar” o bloco “com sentido de urgência”. “O Mercosul precisa de valorizar a sua tradição original: abertura comercial, redução de barreiras e redução de burocracias”, afirmou Bolsonaro.