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Corrupção, quando os números não dizem o que queremos ouvir

Criou-se a ideia durante alguns anos de que não havia investigações e condenações por corrupção. Engano.

Recordo bem quando, em 2008, na sequência de um crime em concreto, se despoletou um processo que levou à alteração da “lei das armas”, num sentido mais repressivo (no caso, alargando as possibilidades de recurso à prisão preventiva), processo que decorreu a grande velocidade. Estava-se num momento em que se exigia, pela pressão da criminalidade verificada, um endurecimento das respostas penais? Havia números e estudos que comprovassem que aquela alteração em concreto era efectivamente necessária? A resposta: não e não.

O que se verificava era simplesmente um crescendo da pressão da opinião publicada e das manchetes, que não deixava alternativa viável que não fosse a de uma resposta política pela via legislativa. Se analisarmos os números daqueles anos, vamos ter de nos cingir aos factos: em 2007 e 2008, Portugal continuou a ser um país relativamente tranquilo à escala europeia, especialmente no domínio da criminalidade violenta.

A última saga deste género prende-se com a nossa fixação colectiva sobre o tema da corrupção. Note-se: a corrupção seguramente existe, deve ser combatida, é um flagelo social e económico. Nada disso é questionável. Seja no caso de membros do Governo, seja no caso de autarcas de pequenas freguesias, seja no caso de quaisquer responsáveis administrativos em entidades públicas. Mas criou-se uma ideia que fez o seu caminho e se tornou uma espécie de crença nacional indesmentível e que também é nefasta por ser simplesmente errada.

A ideia é a de que durante alguns anos não havia investigações e condenações por corrupção e que, de repente, por se mudarem algumas pessoas, disparou o fulgor e a independência nas investigações e nas condenações por este crime.

Em termos muito concretos e com nomes, a coisa tem vindo a ser apresentada por vários de acordo com esta proposta de realidade: durante o período dos governos do PS entre 2005 e 2011 e do Procurador-Geral Pinto Monteiro (2006-2012), a corrupção não era investigada; eis que chega um governo PSD/CDS e uma nova Procuradora-Geral, Joana Marques Vidal (2012-2018) e, de repente, tudo muda e finalmente vai-se à caça dos corruptos porque “a impunidade acabou”.

Já aqui tive oportunidade de escrever como esta visão me parecia no mínimo insultuosa e injusta para com os órgãos de polícia criminal e para com os magistrados do Ministério Público, que não seriam nem antes uns mangas de alpaca temerosos nem depois uns superpolícias invencíveis. Mas se formos também consultar os números, eles não podem deixar de surpreender quem jure por tudo que houve uma guerra santa que só começou em 2011 ou 2012…

Assim, veja-se: quantos crimes de corrupção foram registados pelas autoridades policiais – ou seja, por elas investigados – por exemplo nos anos de 2007 e 2008? 122 e 102 respectivamente. Quantos nos anos de 2012 e 2013? 52 e 58 respectivamente.

Quantos arguidos foram levados a julgamento por corrupção (julgamentos findos em primeira instância) em 2007, 2008, 2009 e 2010? 102, 119, 153 e 176, respectivamente. Quantos arguidos julgados em 2013, 2014, 2015 e 2016? 124, 71, 149 e 94.

E quantos foram os condenados (em primeira instância), já agora? Em 2007, 52; em 2008, 66; em 2009, 79; em 2010, 78. Nos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, os números de condenados são de 58, 45, 38 e 54 (todos dados das Estatísticas da Justiça).

Ora alguém, em bom rigor e com bom senso, pode ver aqui um antes e um depois no combate à corrupção? Se ele existir, se calhar até está invertido face àquilo a que se convencionou chamar agora de realidade…

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