Esports: a indústria com 300 milhões de fãs está a criar empregos em Portugal

O sucesso dos esports e da indústria que se desenha nos bastidores da competição de videojogos galopa pelos campos digitais fora — e permite a criação de novos trabalhos, que também surgem por Portugal. Além de jogadores, há fotógrafos, writers, gestores de redes sociais ou videomakers.

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HLTV

“Isto é muito fácil de explicar: temos uma equipa de cada lado e os jogadores tentam matar-se uns aos outros.” Dito assim parece que se está a falar de outra coisa que não esports — uma forma de competição desportiva em videojogos. A síntese de um dos mais populares dentro deste universo, o Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO), é apresentada por João Ferreira. Aos 31 anos, leva 17 enquanto jogador, cujo desempenho na competição em videojogos abrandou em 2010, justamente para encontrar emprego na área dos esports. O desafio? Fotografar os eventos e os jogadores desta modalidade. Hoje, eles são considerados atletas, mas também celebridades. É vê-los a dar “mais cinco” aos fãs no caminho para a arena. São estrelas.

A cena repete-se exaustivamente, campeonatos e mundo fora. Sabemo-lo porque há registos em todo o lado e há gente a materializar memórias, como João, que anda artilhado de um lado para o outro a capturar, principalmente, “as expressões dos atletas”. “Já conheci quase o mundo inteiro”, gaba-se o fotógrafo lisboeta da HLTV, um site totalmente dedicado à cobertura de CS:GO que existe há 15 anos. O sucesso dos esports e da indústria que se desenha nos bastidores galopa pelos campos digitais fora — e permite a criação de novos trabalhos, que também surgem por Portugal, onde existe “um grande interesse na comunidade de esports, mesmo que ainda não seja muito popular”, como afirmou Steen Laursen, da BLAST Pro Series, ​em Dezembro último.

Realizava-se então, e pela primeira vez em Portugal, a BLAST Pro Series. As seis melhores equipas do jogo defrontaram-se numa esgotada Altice Arena, em Lisboa, e fizeram com que 2018 acabasse em nota alta para os fãs portugueses de esports. Seis mil pessoas viram os Astralis, equipa de CS:GO, a arrecadar o título mundial e cerca de 220 mil euros.

No meio de tudo isto, e a acompanhar o decorrer deste e de outros eventos de esports, além de fotógrafos como João — que “são poucos, ainda” —, há writers, gestores de redes sociais ou videomakers. Todos passaram de jogadores a trabalhadores na área dos esports e acompanharam o seu crescimento. São trabalhos que “têm bastante retorno financeiro”, cuja evolução se tem observado “nos últimos dois anos”.

Pelo menos é o que diz Luís Mira, de 31 anos, editor de notícias na HLTV: “Comecei a escrever [sobre esports] antes de entrar para a faculdade e foi aí que nasceu o bichinho pelo jornalismo.” Passou pelo jornal desportivo A Bola e foi correspondente da Sky Sports, mas foi na HLTV que cresceu no meio. Hoje, 12 anos depois, serve de testemunho para a expansão do mercado global da modalidade e do surgimento de uma indústria que, “por detrás disso, também cresce”. E não é preciso recuar muito no tempo: “O jogo tem, hoje, uma dimensão muito grande. Há quatro anos, essa expressão era muito reduzida.” O sucesso repercutiu-se em carreiras, como a do fotógrafo João Ferreira, que se iniciou há quase nove anos: “Só em 2016 é que fotografar esports deixou de ser um passatempo para passar a ser o real deal.”

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João Ferreira fotografa eventos e jogadores de esports. Pedro Cunha

Todos se conhecem em “redacções virtuais”

O site de cobertura de CS:GO é um dos responsáveis por este crescimento. Com artigos somente em inglês, as novidades chegam a qualquer interessado, que também se pode tornar num produtor de conteúdos sobre esports — desde que saiba do que fala. “Não procuramos pessoas com formação, porque isto ainda é algo de nicho”, explica o editor Luís Mira.

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Luís Mira, de 31 anos, é editor de notícias na HLTV João Ferreira

“Até há bem pouco tempo, fazia-se isto por paixão”, conta Daniel Duque, de 25 anos. Integra a equipa de Luís Mira desde 2017, quando surgiu uma oportunidade “para aplicar os conhecimentos da licenciatura em Ciências da Comunicação”. O seu trabalho passa por redigir notícias, entrevistas ou relatos de jogos, “como se fosse um jogo de futebol”. Luís Mira acrescenta ainda que “há sempre coisas a acontecer”. “Todos os dias há transferências ou histórias para contar. Também fazemos reportagens e entrevistas nos torneios que cobrimos.” Muitas vezes, e sem contarmos com os torneios, é tudo feito a partir de casa, já que isto funciona como uma “redacção virtual” — algo “bastante comum em publicações para nichos” —, e há textos a chegarem ao correio do editor de todos os cantos do mundo (e de Ermesinde, onde Daniel vive).

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Daniel Duque redige notícias, entrevistas ou relatos de jogos, “como se fosse um jogo de futebol”. HLTV

Para além da HLTV, existem outros sites que se dedicam exclusivamente a esports. Em português, há o exemplo da página da Federação Portuguesa de Futebol de esports, dedicada à competição no jogo FIFA. Mas também se escreve sobre Counter-Strike em língua portuguesa: é o exemplo do Fraglíder. Existe desde 1999 e conta com “uma média mensal de 300 mil visualizações”. “Tivemos mais de cinco milhões de visualizações de página em 2018”, avança Hugo Pereira, director do site. O bracarense de 23 anos faz “um pouco de tudo”, praticamente a tempo inteiro: concilia o curso de Direito com a gestão da página e também vai escrevendo sobre o jogo. “Tenho como função criar uma equipa, fazer a gestão das marcas e a análise de dados, negoceio directamente com as empresas que apoiam o site e também faço cobertura de eventos”, explica. 

Hugo estreou-se no Fraglíder há seis anos, quase ao mesmo tempo que Tiago Rios. Aos 21, este último já leva sete no currículo como videomaker do site, posição importante no mundo dos videojogos. Para já, a ocupação está em pausa, uma vez que está a fazer Erasmus na Polónia. Do leste europeu consegue “ajudar na programação”, já que estuda Engenharia Informática, e adianta: “Estamos a desenvolver um projecto que permite obter estatísticas de CS:GO a nível nacional para ajudar as equipas portuguesas.” Também se adaptou ao sucesso crescente que os esports têm vindo a coleccionar: se dantes bastava editar “os melhores momentos de uma jogada, agora pode ter-se isso em dez segundos através da Twitch [plataforma de streaming de videojogos]”. Por isso, Tiago reúne “os melhores momentos dos torneios”, continuando a sua colaboração com o Fraglíder — algo que pretende continuar a fazer durante muito tempo, mas com os olhos postos “no tratamento de dados” dos esports.

“As televisões e os jornais precisam dos esports — e não o contrário”

Por falar em dados: vamos a números? Steen Laursen deu um exacto ao Observador: “Há 150 mil portugueses a jogar este jogo [Counter-Strike].” Para João Ferreira, as palavras do responsável pela comunicação do torneio não fogem à verdade, já que, acredita, “o CS é um dos jogos mais importantes do mundo esports”. Num “ranking sem ordem”, compartilha o pódio com os jogos League of Legends (LoL) e DOTA 2. Da mesma opinião são Daniel Duque e Luís Mira. “São jogos que atraem as massas e dão muito dinheiro. Falamos de milhões”, acrescenta o editor. Segundo o Statista, portal de estatísticas, o Counter-Strike teve uma receita de 341 milhões de dólares (o equivalente a mais de 297 milhões de euros) em 2017, mais 84 milhões do que o valor referente a 2016. O Steam, um software de gestão de direitos e plataformas digitais, anunciou os jogos com mais sucesso em 2018, usando como medida os valores de receita bruta: por lá vemos o novo modo do CS:GO, o Danger Zone, e DOTA 2 no topo, ao lado de títulos como Rocket League ou Grand Theft Auto V. O Fórum Económico Mundial falava, em Julho de 2018, de uma indústria multimilionária com mais de 300 milhões de fãs.

O crescimento galopante não passa despercebido na comunicação social de muitos países, como é o caso da vizinha Espanha. O jornal desportivo Marca, por exemplo, tem um site dedicado ao tema, dando-lhe um espaço que não é compartilhado com outras modalidades desportivas, como o futebol. A ESPN brasileira e norte-americana também seguiram a fórmula, tal como a Finlândia, onde o Uutiset (que faz parte de uma emissora pública finlandesa, a Yle) publica, na versão impressa, artigos sobre a modalidade. Por cá, a televisão pública tem feito esse trabalho com uma plataforma de transmissão online: a RTP Arena. Não faltam artigos sobre variados jogos, resultados de diversos torneios e comentadores do meio — como Ricardo Sousa, ou Zorlak, por várias vezes convidado para comentar torneios. Zorlak faz stream de partidas no Twitch e no YouTube e é uma “peça muito importante no panorama nacional”, diz Daniel Duque. 

“Os esports estão a passar ao lado dos jornais portugueses.” Quem o diz é Ana Silveira, 28, de Vila Nova de Gaia. Para a gestora de redes sociais da SK Gaming, este “é um negócio magnânimo que atrai muita gente e possibilita muitas coisas, mas ignorado em Portugal”. A trabalhar a partir de casa para a empresa alemã, Ana não vê com bons olhos o tratamento mediático feito ao mundo dos jogos em Portugal: “Fala-se sempre disto como se fosse heroína e não com sensatez.” O pensamento é partilhado pelos restantes entrevistados: para Daniel Duque, “o desenvolvimento da modalidade está a passar ao lado das redacções”. Luís Mira vai mais longe e acredita que “os jornais e as televisões precisam dos esports — e não o contrário”, uma vez que a modalidade “já não é o futuro, mas sim o presente”.

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Ana Silveira gere as redes sociais da SK Gaming, uma empresa alemã que opera no ramo dos esports. Paulo Pimenta

Para eles, o investimento na modalidade justifica-se pela crescente base de seguidores (cada vez mais novos) de esports, mesmo sem a parte competitiva da coisa. “Há cada vez mais jovens a jogar, mesmo que componham uma base casual, como aqueles miúdos de 12 anos que jogam Fortnite”, conta João Ferreira. E se Ana fosse hoje uma estudante do ensino básico ou secundário, realça, “seria uma miúda bem mais popular” do que no seu tempo. Porque quem é adepto de videojogos, ou quem é atleta de esports, não corresponde ao estereótipo “do nerd que é gordinho e que não tem uma vida para além daquilo”.

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