Comissão defende fim do veto em matérias de política fiscal

Moscovici descreveu regra da unanimidade como “anacrónica, problemática e contraproducente”. Portugal apoia mudança no processo de decisão mas vários países estão contra a ideia.

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LUSA/OLIVIER HOSLET

Argumentando que a União Europeia tem de ser capaz de alcançar “compromissos mais rápidos” em questões de política fiscal, a Comissão Europeia defendeu esta terça-feira o fim do actual modelo da unanimidade no processo de decisão dessas matérias, propondo que os Estados-membros passem a seguir o processo legislativo ordinário de co-decisão entre o Conselho e o Parlamento Europeu, que exige apenas a votação por maioria qualificada. 

Com o novo sistema, bastariam os votos de 16 dos 28 Estados-membros para que qualquer iniciativa de política fiscal pudesse ser aprovada e tornar-se lei, ultrapassando o veto que recentemente impediu a adopção de várias propostas de taxação do sector financeiro, digital ou da energia na UE.

A ideia não é nova, mas não até agora não vingou por causa da forte oposição de países com regimes fiscais considerados “agressivos”. Ainda antes de a Comissão divulgar a sua proposta — dando o tiro de partida naquilo que por enquanto ainda é só um debate — países como a Irlanda, Malta ou Chipre manifestaram a sua oposição a qualquer mudança. Portugal, ao lado de Espanha, França e Itália, deram o seu apoio à proposta.

“A UE desempenhou sempre um papel importante em matérias de política fiscal desde os primórdios da comunidade, há seis décadas. Mas se a unanimidade fazia sentido nessa altura, entre seis Estados-membros, esse já deixou de ser o caso. Agora, essa regra parece anacrónica do ponto de vista político, problemática em termos jurídicos e contraproducente economicamente”, afirmou o comissário europeu para os Assuntos Económicos e Financeiros, Pierre Moscovici, que assumiu o protagonismo no debate lançado a partir do Parlamento Europeu de Estrasburgo, após a reunião do colégio de comissários.

Segundo Moscovici, a experiência mostra que o actual processo legislativo resulta em “atrasos onerosos e políticas pouco optimizadas”: a exigência da unanimidade levou a que “algumas propostas fundamentais para o crescimento, competitividade e equidade fiscal no mercado único tinham sido bloqueadas durante anos”.

Para ultrapassar estes bloqueios, o executivo comunitário propõe uma “transição progressiva e orientada para a votação por maioria qualificada”, acreditando que dessa forma os Estados-membros “poderão explorar todo o potencial da política fiscal e alcançar compromissos mais rápidos, mais eficazes e mais democráticos” nessas matérias.

A Comissão prevê que a transição ocorra em quatro fases, com as duas primeiras — a cooperação contra a fraude e evasão fiscais e o uso da fiscalidade para o combate às alterações climáticas, protecção do ambiente e melhoria da saúde pública — a avançar de imediato. A terceira fase diz respeito à harmonização das regras relativas ao IVA e outros impostos especiais sobre o consumo, enquanto a quarta fase tem em vista a concordância sobre grandes projectos fiscais.

Para o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, esta mudança é fundamental para a modernização do sistema fiscal europeu, no contexto concorrência das economias globalizadas. 

Antecipando a resistência dos países, a Comissão sublinha que a proposta para a mudança no processo de tomada de decisão — que está prevista nos tratados e já se aplica em muitas outras áreas da política comunitária — não implica “qualquer alteração das competências da UE no domínio da fiscalidade, nem do direito de os Estados-membros fixarem as taxas de tributação das pessoas singulares ou colectivas que considerem adequadas”.