Subida das emissões de clorofórmio na China pode atrasar a recuperação da camada de ozono
Se as emissões de clorofórmio – composto usado no fabrico de teflon – continuarem a aumentar até 2050, poderão atrasar a recuperação da camada de ozono entre quatro e oito anos.
As emissões de clorofórmio para a atmosfera aumentaram entre 2010 e 2015 e tiveram origem sobretudo na China. Esta é a principal conclusão de um estudo publicado na revista cientifica Nature Geoscience. Os cientistas alertam ainda que, se as emissões de clorofórmio continuarem a subir até meados deste século, a recuperação da camada de ozono pode atrasar-se entre quatro e oito anos.
Incolor e com um cheiro doce, o clorofórmio é um composto usado na produção de muitos gases refrigerantes ou de teflon. As emissões atmosféricas deste composto podem ter uma origem natural ou antropogénica. As naturais vêm sobretudo da produção microbial no oceano e no solo e em quantidade menores das erupções vulcânicas. Já as antropogénicas têm origem no clorodifluorometano (gás refrigerante obtido a partir do clorofórmio), da cloração de água ou do fabrico de papel.
“Geralmente, pensava-se que o clorofórmio atmosférico tinha principalmente uma origem natural (por exemplo, 90% vinha sobretudo de processos no oceano e no solo), apenas com uma pequena contribuição antropogénica”, lê-se no artigo científico. “Contudo, estudos recentes sugerem que as emissões antropogénicas possam estar a ser subestimadas e que cerca de 50% das emissões de clorofórmio possam ser atribuídas a essas fontes.”
Agora, a equipa de Xuekun Fang – do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT), nos EUA, e líder do trabalho – monitorizou este composto (e outros) através da Experiência Avançada de Gases Atmosféricos Globais (AGAGE), uma rede de estações à volta do mundo que tem medido a composição da atmosfera desde 1978. Ao longo do estudo, os cientistas analisaram as concentrações atmosféricas de mais de 50 gases com efeito de estufa ou que empobrecem a camada de ozono.
Acabaram por notar que houve uma tendência para o aumento das concentrações de clorofórmio entre 2010 e 2015. “A abundância de clorofórmio no hemisfério Norte é cerca de três vezes maior do que no hemisfério Sul, o que quer dizer que as maiores fontes de clorofórmio estão no hemisfério Norte”, refere-se no artigo científico.
Para descobrir se a origem era mesmo do hemisfério Norte, a equipa usou um modelo atmosférico, que estimou que a emissão de clorofórmio se manteve nas 270 quilotoneladas por ano entre 2000 e 2010. Confirmou-se ainda que a partir de 2010 esses números começaram a subir, chegando às 324 quilotoneladas em 2015. E a questão surgiu de novo: de onde vem esta subida? Na maioria das estações da AGAGE na Europa, Austrália e no Oeste dos Estados Unidos, os cientistas perceberam que o aumento foi insignificante. Contudo, em duas estações no Leste asiático – nomeadamente no Japão e na Coreia do Sul – houve um aumento significativo das emissões de clorofórmio.
Construiu-se então dois modelos atmosféricos tridimensionais que simularam o movimento dos gases e químicos e ambos coincidiram: o aumento de clorofórmio vinha do Leste asiático. E mais propriamente, segundo o artigo: “Entre 2007 e 2015, as grandes emissões foram inferidas de partes do Leste da China, que são muito populosas e industrializadas. A distribuição das emissões inferidas é amplamente consistente com as localizações de fábricas que produzem clorofórmio.” Xuekun Fang acrescenta em comunicado: “Alguns relatórios industriais mostram que o clorofórmio usado tem aumentado.”
Além disso, de acordo com o comunicado, esta região é susceptível a monções, tufões e outras tempestades extremas, que poderão dar ao clorofórmio “um empurrão” até à estratosfera (onde se situa a camada de ozono). Aí este composto decompõe-se em cloro, que vai corroer o ozono.
Por fim, a equipa estimou que se as concentrações de clorofórmio permanecerem nos níveis de 2015, a recuperação da camada de ozono atrasar-se-á cerca de cinco meses. Mas se as concentrações continuarem a subir desta forma até 2050, então o atraso poderá ser entre quatro e oito anos. “[A recuperação da camada de ozono] não é tão rápida como as pessoas esperam e mostrámos que o clorofórmio está a abrandá-la ainda mais”, refere Ronald Prinn, também do MIT e autor do trabalho.
Fora do Protocolo de Montreal
Quando se fala na camada de ozono, é fundamental referir o Protocolo de Montreal. Em 1985, descobriu-se um buraco na camada de ozono sobre a Antárctida e percebeu-se que os clorofluorocarbonetos (CFC) – químicos sintéticos usados em aerossóis, gases refrigerantes e solventes – eram os culpados pela destruição do ozono estratosférico. Por isso, em 1987, 150 países assinavam o Protocolo de Montreal, em que se comprometiam a eliminar a produção destes gases. Afinal, a camada de ozono é essencial para os seres vivos porque absorve mais de 95% da radiação ultravioleta vinda do Sol.
Investigações recentes têm concluído que a camada de ozono está a recuperar: “Espera-se que níveis de cloro na estratosfera e a consequente destruição da camada de ozono desçam de forma contínua nas próximas décadas e o Protocolo de Montreal é frequentemente visto como um dos tratados ambientais de maior sucesso”, escreve Susann Tegtmeier, do Centro Helmholtz para a Investigação Oceânica (na Alemanha) e que não fez parte do trabalho, num comentário também na Nature Geoscience. Contudo, têm existido alguns retrocessos. Por exemplo, em Maio de 2017, uma outra equipa de cientistas percebeu que a taxa de declínio das emissões do CFC-11 – cuja produção é proibida – tinha abrandado cerca de 50% desde 2012. Mais tarde, soube-se que essas emissões vinham da China.
Desta vez, com o clorofórmio, há ainda outra questão. Como este composto é considerado uma substância com um tempo de vida muito curto (VSLS, na sigla em inglês) e se pensava que não causasse danos substanciais na atmosfera, não é regulado pelo Protocolo de Montreal. “Os VSLS são caracterizados por tempos de vida na troposfera [camada mais baixa da atmosfera terrestre, situada antes da estratosfera] de menos de seis meses, mas em algumas regiões os VSLS e os seus produtos derivados halogenados podem ser transportados para a estratosfera. A contribuição total dos VSLS para os halógenos estratosféricos é altamente incerta limitando a compreensão do processamento troposférico”, explica Susann Tegtmeier, acrescentando que ultimamente o papel dos VSLS na destruição da camada de ozono tem vindo a ganhar alguma atenção. E uma dessas atenções vem do artigo na Nature Geoscience.
Por isso, Susann Tegtmeier termina o seu comentário com uma sugestão: “Fang e a sua equipa apresentam várias peças que provam que as concentrações atmosféricas de clorofórmio estão a aumentar globalmente e que as emissões industriais da China são responsáveis por esse aumento. Estes resultados marcam um passo importante para a abertura de uma discussão sobre a regulação das emissões de VSLS antropogénicos.”