É vegetariana a nova vanguarda de Rui Paula
A tendência não é nova, mas a novidade está na oferta integral de um menu vegetariano. Cheio de intensidade e sabores e num restaurante com estrela Michelin. O chef, já se sabe, não é homem para meias-tintas.
O mar e a natureza sempre foram a grande imagem da Casa de Chá da Boa Nova, um conceito que é agora levado ao extremo pelo chef Rui Paula com um menu vegetariano que complementa a original oferta de pratos de peixes e mariscos que lhe valeu já o reconhecimento da estrela Michelin.
E se esta é já uma tendência há muito estabelecida em restaurantes estrelados por esse mundo fora, Rui Paula aposta em inovar dentro de portas, propondo um menu exclusivamente vegetariano em vez das comuns alternativas para acomodar os pedidos de clientes que seguem a tendência que dispensa a proteína animal.
Rui Paula, é sabido, não é homem para meias-tintas e disso tem dado prova consistente. Começou por ousar ao saltar do tradicional Cepa Torta, em Alijó, para um restaurante de cozinha técnica e apurada na margem do Douro, e com o DOC não só inovou como revolucionou e criou um novo paradigma para a região.
O sucesso no coração Douro levou-o depois até ao Porto, arriscando de novo com um conceito sofisticado entre a Ribeira e a Baixa, uma zona então praticamente deserta e abandonada e que é hoje o coração palpitante da pujança turística na cidade.
E foi também com arrojo e sentido de vanguarda que aceitou associar a alta cozinha ao monumento arquitectónico da Casa de Chá da Boa Nova. Não só a emblemática obra idealizada por Fernando Távora e concretizada por Siza Vieira recuperou a função e dignidade, como também o chef alcançou o desejado reconhecimento da estrela Michelin.
Passaram apenas três temporadas e eis de novo a evidência de que Paula não é homem para se acomodar ou viver sem desafios. Avança com um menu vegetariano numa oferta que pretende uma espécie de efeito de espelho com as propostas de sempre de peixes e mariscos.
"Mar adentro", tal como o singular edifício construído sobre as rochas da costa de Leça da Palmeira, mas também “Por mares nunca dantes navegados”, como são designados os dois menus, cada um com 21 momentos. A célebre epopeia de Luís de Camões é também convocada por Rui Paula para estruturar a dupla oferta que, à imagem de Os Lusíadas, é também alinhada em Cantos.
Do Canto I ao XXI, o cliente pode tanto optar pela degustação integral (160€) como ficar-se pela metade (XII Cantos/120€). Em alternativa, o chef propõe ainda o tal efeito de espelho, cruzando as propostas de peixes e mariscos com as vegetarianas que nalguns casos são concebidas em paralelo. É o caso da vistosa “rosa” de rábano preto, onde o molho de vieiras é substituído por um outro com beterraba e especiarias, do éclair de couve-flor que pode ter um recheio de mexilhão, ou ainda da raia e topinambur que na versão vegetariana tem um saboroso seitan conjugado com o tubérculo.
E se nas conjugações de pescados e mariscos se destacam a elegância e frescura, o que verdadeiramente surpreende e cativa na versão vegetariana é a quantidade de sabor que por ali existe. Sabores, texturas e também sempre muita complexidade em pratos que seguramente conquistam o palato mesmo daqueles que são capazes de se afirmar como mais avessos ou desalinhados das opções sem proteína.
É por isso que esta não é uma simples solução ou alternativa vegetariana para os clientes que, cada vez mais, o solicitam. É antes uma proposta completa e estruturada de cozinha vegetariana, que à presença distintiva de sabores associa também texturas, aromas, complexidade e intensidade.
Pratos que testemunham não só um longo trabalho de pesquisa e experimentação, mas também muito empenho e entusiasmo. E é o próprio chef que se empenha em deixar isso claro junto de cada mesa, mostrando que, além das suas viagens e experiências pelas cozinhas de inspiração oriental, há também por detrás disto muito entusiasmo e um forte impulso da equipa de cozinha do Boa Nova.
Daí que na transição para as sobremesas os clientes sejam convidados a visitar a cozinha, onde é servido um dos momentos do menu. Uma ocasião que deixa evidente o orgulho da equipa por esta incursão de inspiração natural - da qual a sous-chef Catarina Correia é o rosto mais iluminado – mas também o entusiasmo que claramente contagiou o chef.
E se isso é evidente com a equipa de cozinha, o efeito é ainda mais visível na sala com as propostas e sugestões do sommelier Carlos Monteiro. Uma experiência que é não só marcante pela diversidade de vinhos e pela viagem que proporcionam, mas também na forma como harmoniza e conjuga com a proposta vegetariana. Até uma cerveja, uma amber ale americana, que logo a abrir conjuga com o pão torrado e cevada.
O entusiasmo de Rui Paula passa também pelo facto de à frescura e elegância dos sabores marinhos poder associar uma cozinha assente em produtos naturais e de temporada. “Agora, por exemplo, estamos na época das trufas, mas vêm já aí as ervilhas e as favas”, frisa em tom de aviso de boa surpresa.
É com trufa negra que destaca o “agnolotti de batata fumada”, um delicado e saboroso ravioli fumado que acompanha um refogado de cogumelos, que é um dos mais exaltantes dos momentos do menu. A evidência dos sabores e complexidade tem também expressão máxima com o “tofu e alho francês”, um interessante jogo de texturas e intensidade de sabores que inclui um pickle japonês e o elemento sempre cativante da cozinha de sala. O vegetal é grelhado com carvão em brasa e assim vem à mesa.
Igualmente exímio o exercício com os “legumes de época”, um prato que conjuga os elementos doces e ácidos de forma notável e de grande efeito visual. O quadro de minilegumes é montado sobre uma base de iogurte kaffir e terra de beterraba, com evidência para todos os sabores.
Há também um “brulée de algas”, o “pepino doce com vinagreta asiática” e um elemento vegetal crocante (numa notável combinação com um vinho Riesling), a “batata-doce som sopa Tom Kha” (tailandesa) ou a “abóbora com frutos secos” e a “folha de shiso” recheada com caril e coentros que nos guiam nesta saborosa viagem pelos sabores naturais.
E não há pão nem manteigas. Mostram-se apenas à entrada, em aroma fumado e na forma mais singela e natural. Sobre brasas de carvão – cozinha de sala, mais uma vez - como se a minitorrada tivesse sido feita à lareira.
O mote, afinal, para a ancestralidade e contexto natural que inspiram o menu com que Rui Paula aponta ao seu novo caminho de vanguarda.