Tribunal absolve ADP-Fertilizantes. Vítima não receberá indemnização por surto de Legionella

Surto em 2014, em Vila Franca de Xira, fez 14 vítimas mortais. Um dos sobreviventes pedia 200 mil euros. E vai recorrer daquela que é a primeira decisão neste caso relativa a pedidos de indemnização.

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Fábrica da ADP Fertilizantes Miguel Manso

O Tribunal Cível de Vila Franca de Xira absolveu a empresa ADP-Fertilizantes do pagamento de uma indemnização de 200 mil euros, reclamada por uma das vítimas do surto de Legionella que, em Novembro de 2014, atingiu as freguesias do sul deste concelho ribatejano.

Leonel Ferreira, de 67 anos, ficou com sequelas que não lhe permitem continuar a trabalhar e tinha reclamado uma indemnização por danos físicos e morais à ADP e, posteriormente, também à Solvay Portugal e à Sociedade Central de Cervejas e Bebidas.

A juíza responsável considerou que nestas duas últimas empresas não foram detectadas concentrações relevantes de bactérias da Legionella. E concluiu, também, que a ADP cumpriu as normas legais ao contratar uma empresa habilitada para fazer a desinfecção da torre de refrigeração da sua unidade industrial de Alverca/Forte da Casa que, de acordo com as entidades do ambiente e da saúde que investigaram o caso, terá estado na origem da propagação das bactérias da Legionella. O advogado de Leonel Ferreira classifica a sentença de “extraordinária e bizarra” e promete recorrer.

No processo-crime, que está agora em fase de apreciação dos 43 pedidos de instrução apresentados, o Ministério Público de Vila Franca de Xira deduziu, também, acusação contra a GE Power Controls (empresa que fazia a manutenção e desinfecção da torre em causa) e contra sete funcionários da ADP e da GE. Mas estes não são citados nesta acção cível que entrou em tribunal ainda antes de conhecida a acusação.

A acção inicial de Leonel Ferreira, apresentada em 2015, visava exclusivamente a ADP. O queixoso solicitou depois o seu alargamento à Solvay Portugal e à Sociedade Central de Cervejas e Bebidas (outras empresas da região também inspeccionadas no período do surto) e essa petição foi aceite pelo tribunal. O pedido de integração da GE, feito em fase posterior, já não foi aceite.

A sentença, a que o PÚBLICO teve acesso, data de 7 de Janeiro e foi nesta sexta-feira comunicada às partes. Absolve as três empresas, considerando que nas torres de refrigeração da Solvay e da Sociedade Central de Cervejas e Bebidas não foram detectadas concentrações relevantes de bactérias da Legionella e que, apesar de terem sido “detectadas concentrações elevadas” desta bactéria no circuito 8 das torres de refrigeração da ADP, “não ficou provado que a estirpe que afectou fisicamente o autor coincide com aquela” detectada na ADP.

Boas práticas ambientais

“Resultou provada, no tocante às três rés, que demonstraram que ainda antes de existir qualquer legislação nacional sobre a matéria, adequaram a sua actividade e os procedimentos de prevenção, às normas internacionais e a guias de boas práticas ambientais, produzidos e publicitados pelas autoridades nacionais”, constata a magistrada, concluindo que o autor da acção “não provou, nem comprovou, a existência do nexo de causalidade” entre a pneumonia que o afectou e as bactérias detectadas na torre da ADP.

“Cabia-lhe alegar que a bactéria que proveio dessa fonte foi a mesma que lhe causou a doença Legionella", diz a juíza. Mas o queixoso não o conseguiu fazer, remata.

O tribunal concluiu também que um dos pontos fulcrais no processo era a fiabilidade das colheitas de amostras feitas nas empresas da região. Advogados de defesa da ADP questionaram em julgamento a forma como técnicos da Administração Regional de Saúde (ARS) terão feito recolhas de amostras em garrafões comuns de 5 litros e não em frascos esterilizados. Agora, a juíza reconhece que as três empresas conseguiram pôr em causa "a fiabilidade dos meios empregues nas colheitas de água realizadas e na colheita biológica particularmente realizada ao autor [Leonel Ferreira]”. Sublinha, todavia, que Leonel Ferreira não explorou eventuais falhas da recolha de amostras na sua exposição. Por fim, a juíza conclui que os danos sofridos por Leonel Ferreira “provados nos autos” estão muito aquém dos montantes de indemnização que reclamava.

A sentença julga, assim, improcedentes todos os pedidos deduzidos contra qualquer uma das rés e imputa os custos da acção ao seu autor. Varela de Matos, o advogado que representa Leonel Ferreira, não se conforma e garante que vai interpor recurso para a instância superior. Considera “extraordinária e bizarra” a sentença proferida pelo Tribunal de Vila Franca de Xira, por ter concluído que, “apesar de todas as perícias da Polícia Judiciária e de todas as instituições públicas, não está provado o local proveniente da propagação da bactéria da Legionella”.

O PÚBLICO tentou, também, ouvir os advogados que representaram a ADP neste processo, mas não teve resposta até ao momento.

Este surto de Legionella, que atingiu as freguesias do sul do concelho de Vila Franca de Xira em Novembro de 2014, foi considerando o terceiro mais grave de sempre em todo o mundo, provocando 14 vítimas mortais – pessoas com idades entre os 49 e os 83 anos, a maioria já com problemas do foro respiratório.

Leonel Ferreira, hoje com 67 anos, reside no Forte da Casa, vila que dista pouco mais de um quilómetro da unidade industrial da ADP. Asmático e com doença pulmonar crónica, foi atingido por uma pneumonia, esteve 16 dias em coma induzido e, quando regressou a casa, “já não tinha mais condições de saúde para poder trabalhar”. Leonel tinha uma pequena oficina onde fazia molduras e outros trabalhos artesanais, mas foi obrigado a deixar esta actividade. “Tem muitas dificuldades respiratórias que geram cansaço. Não está em condições de fazer trabalho manual como fazia”, constatou o seu médico, Dalberto Aguiar, no julgamento desta acção cível.

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