Vitória surpresa nas eleições no Congo gera dúvidas sobre as presidenciais

A vitória de Felix Tshisekedi, filho do antigo líder da oposição, surpreendeu tudo e todos. Martin Fayulu, também da oposição a Kabila, diz que houve um "golpe eleitoral".

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Felix Tshisekedi teve 38,57% dos votos Reuters/BAZ RATNER

O candidato da oposição da República Democrática do Congo, Felix Tshisekedi, venceu as eleições presidenciais, declarou a comissão eleitoral do país esta quinta-feira. Mas os resultados foram de imediato contestados por outro candidato oposicionista, Martin Fayulu, que denuncia um "golpe eleitoral" para o afastar do poder.

Tshisekedi, filho do antigo líder da oposição Ettienne Tshisekedi, conseguiu sete milhões de votos, vencendo por uma curta margem o empresário do sector petrolífero Martin Fayulu, que recolheu 6,4 milhões. Em terceiro lugar ficou Emmanuel Shadary, o candidato nomeado pelo actual Presidente, Joseph Kabila, que governa o país africano há 18 anos.

A vitória de Tshisekedi é surpreendente por várias razões. As poucas sondagens apontavam para a vitória de Fayulu. Uma contabilização dos votos levada a cabo pela Igreja Católica, uma das instituições mais respeitadas no Congo, durante o dia das eleições também dava o empresário como Presidente.

Fayulu contestou de imediato os resultados, dizendo que "a vitória do povo foi roubada". "O povo congolês nunca irá aceitar uma fraude destas", afirmou em declarações à BBC. A oposição tem a partir de agora dez dias para apresentar um recurso junto do Tribunal Constitucional para invalidar os resultados.

O ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Yves Le Drian, lembrou a contagem da igreja e pediu "clareza" quanto aos resultados. 

A Bélgica, antiga potência colonial do Congo, também manifestou dúvidas quanto à validade dos resultados e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Didier Reynders, disse que iria levar o assunto ao Conselho de Segurança da ONU.

Ao fim da manhã, a Igreja Católica emitiu um comunicado em que sublinhou que os resultados divulgados pela comissão eleitoral "não correspondem" aos que foram obtidos pela sua missão, que contou com 40 mil observadores em todo o país. Ainda assim, a Conferência Episcopal da RD Congo disse notar que os resultados revelados "abrem a via para uma alternância no topo do Estado".

Num clima marcado pela tensão e pela desconfiança, receia-se que a violência regresse às ruas. Na cidade de Kikwit, na província de Kwilu (sudoeste), há relatos de confrontos entre a polícia e manifestantes em protesto contra a eleição de Tshisekedi, em que morreram pelo menos duas pessoas e há vários feridos, avança a Radio France Internationale.

Vencedor homenageia Kabila

Tshisekedi declarou que Kabila e o seu campo político não devem mais ser vistos como adversários e prometeu trabalhar com o antigo regime. "Faço uma homenagem ao Presidente Joseph Kabila e hoje não o devemos ver mais como um adversário, mas sim como um parceiro na mudança democrática no nosso país", afirmou durante um discurso na sede do seu partido.

Os resultados das eleições realizadas a 30 de Dezembro foram recebidos num ambiente de grande tensão. Inicialmente estava previsto que fossem divulgados no domingo, mas atrasos na contagem dos votos obrigaram a comissão eleitoral a adiar, aumentando as suspeitas por parte da oposição ao regime de Joseph Kabila de que pudesse haver fraude eleitoral.

Nos dias que antecederam a divulgação dos resultados, a equipa de Tshisekedi disse estar já a trabalhar com Kabila para assegurar uma transição do poder. A informação foi desmentida pelo Governo, mas foi suficiente para semear a suspeita de que o candidato da oposição estaria a negociar com Kabila um possível acordo de partilha do poder, caso a sua vitória fosse assegurada.

O campo do candidato nomeado por Kabila lamentou a derrota nas eleições, mas saudou o vencedor. "É claro que não estamos contentes que o nosso candidato tenha perdido, mas o povo congolês escolheu e a democracia triunfou", disse à Reuters o porta-voz da campanha, Barnabe Bin Karubi.

O caminho para estas eleições, encaradas por muitos como a grande oportunidade para que a República Democrática do Congo vivesse a primeira transição pacífica do poder desde a independência, em 1960, foi caótico e violento. As eleições deveriam ter acontecido em Dezembro de 2016, quando terminava o mandato de Kabila, mas foram adiadas sucessivamente.

A cada adiamento, a violência tomava conta das ruas das principais cidades, com a oposição a denunciar uma tentativa de Kabila para se eternizar no poder. A pressão internacional acabou por forçar o Presidente a marcar finalmente eleições, dois anos depois do previsto. Mas poucos analistas consideram que o homem que governou o gigante africano durante 18 anos se queira afastar.

“O regime de Kabila envolveu-se em todo o tipo de negócios e o seu círculo próximo também participa nisso. É por isso que é complicado deixar o poder, porque há estes sistemas económicos e políticos que servem a elite”, dizia ao PÚBLICO o professor da Universidade de Antuérpia, Kristoff Titeca, na semana passada.

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