Terras Sem Sombra, um festival que viaja no tempo e no espaço
A 15.ª edição do festival alentejano que une música, património e biodiversidade tem os Estados Unidos como país convidado e estende-se a Espanha. Começa este mês e encerrará em Julho com um concerto do Kronos Quartet.
É verdade que o Terras Sem Sombra sempre se fez de viagem. “Uma viagem no tempo e no espaço”, como dirá o director artístico Juan Angel Vela del Campo. “Uma viagem interior”, acrescentará nesta manhã de quinta-feira, durante a apresentação da 15.ª edição do festival na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (os Estados Unidos sucedem à Hungria como país convidado), o director-geral José António Falcão, dando o exemplo dos místicos que viajam sentados na sua cela.
O Terras Sem Sombra, festival que se espalha pelo território alentejano (e que, este ano, se estende além dele) para unir música, património e biodiversidade, inicia este mês a sua edição 2019. De Janeiro a Julho, ouvir-se-á todo um mundo de sons, do século XV ao século XXI. Descobrir-se-ão o património material (a villa romana do Monte da Chaminé; a arte popular e a arte contemporânea que convivem em Elvas) e o património imaterial (uma oficina de cante em Serpa, os segredos do pão tradicional da Vidigueira). Mergulhar-se-á na paisagem, seguindo a rota dos pastores em Beja, e observar-se-ão as constelações no cristalino céu nocturno de Barrancos, enquanto se revelam as lendas locais a elas associadas.
É verdade que o Terras Sem Sombra sempre se fez de viagem, mas nesta que será a sua 15.ª edição, na qual se celebram os 550 anos do nascimento do sineense Vasco da Gama e os 500 anos da viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães, isso será mais evidente do que nunca. Sobre a Terra, Sobre o Mar – Viagem e Viagens na Música é o mote. Alargando-se na terra, o Terras Sem Sombra passa a fronteira e chega a Espanha, mais propriamente a Valência de Alcântara e a Olivença, localidades a que levará concertos e outras actividades. Atravessando o Atlântico, chegará ao Alentejo o país convidado, os Estados Unidos da América, ao qual caberão as honras de abertura do Terras Sem Sombra, a 26 de Janeiro, na Igreja Matriz de São Cucufate, em Vila de Frades, com o concerto das vozes femininas do Spelman College Glee Club, do estado da Geórgia – e de onde virá o consagrado Kronos Quartet para protagonizar o concerto de encerramento, dia 6 de Julho, no Castelo de Sines.
Será “uma viagem pelo Alentejo, que é uma viagem pelo mundo”, resumirá então o ensaísta e crítico musical espanhol Juan Angel Vela del Campo, director artístico do festival desde 2015. Prova-o um programa musical onde, além da presença portuguesa, que integra, por exemplo, a Orquestra Clássica do Sul, sob direcção de Rui Pinheiro (9 de Março, Valência de Alcântara) ou o curioso concerto em que a pianista Ana Telles se juntará a João Eduardo Rabaça, coordenador do Laboratório de Ornitologia da Universidade de Évora (9 de Fevereiro, Serpa), encontramos o ensemble de câmara Trío Arbós, vindo de Espanha (23 de Fevereiro, Monsaraz), o Ceskoslovenské Komorní Duo, da República Checa (22 de Junho, Santiago do Cacém), a soprano filipina Manila Adap (4 de Maio, Cuba), o americano Delphi Trio (6 de Abril, Beja), o organista espanhol Juan de La Rubia (27 de Abril, Elvas) ou o combo húngaro liderado por Ferenc Snétberger (11 de Maio, Ferreira do Alentejo).
Reforça essa ideia de festival em viagem o facto de, ainda antes do início oficial do festival, o Terras Sem Sombra viajar literalmente. Este fim-de-semana, o Rancho de Cantadores da Aldeia Nova de São Bento, emblemático grupo de cante alentejano, voa até Washington para apresentar o festival em território americano – actuará no domingo no palco Millennium do histórico Kennedy Center.
Pensando na viagem, e tendo em conta a extensão do festival a território espanhol, José António Falcão declarava ao PÚBLICO, no final da apresentação desta manhã: “Creio que o facto de comemorarmos as figuras de Fernão de Magalhães e de Vasco da Gama nos deu coragem para procurar outros horizontes. Temos de sair do nosso pequeno triângulo e encontrar uma vocação mais global. Isso passa muito por encontrar parceiros e criar redes, mas também”, sublinha, “por mobilizar no nosso território aquilo que ele tem de mais interessante, sobretudo na dinâmica da sociedade civil”.
Analisando o impacto do Terras Sem Sombra no seu espaço natural, o Alentejo, o director-geral do festival refere o efeito social e económico que este tem, através das “dormidas, refeições e no próprio abastecimento de produtos locais”. Refere as igrejas, palco privilegiado nos primeiros anos, “que têm tido obras de conservação e se têm conseguido manter abertas”, e, no âmbito da biodiversidade, “o acompanhamento dos rios e serras que o festival tem apadrinhado”. Acentua que, apesar das datas que delimitam cada edição, estamos perante um “trabalho permanente”: “Não é uma coisa que morra ali, como um flor que abre apenas durante um dia.” Ou seja, é uma viagem contínua, mês a mês, ano após ano, e que, em 2019, se propõe alcançar mais longe ainda.