Linha do Tua – Elogio da Loucura
Foi realizada em Dezembro uma conferência de imprensa, na estação de Mirandela, na qual algumas das entidades responsáveis pelo Plano de Mobilidade do Vale do Tua quiseram dar a conhecer o ponto de situação da sua execução, que se arrasta há vários anos. Contudo, pouco foi acrescentado de novo, e desse só péssimas notícias.
Quis o acaso que a data de 17 de Dezembro ganhasse novo significado para a Linha do Tua: se em 1991 foi o dia em que um descarrilamento perto de Sortes precipitou o troço Mirandela – Bragança para um encerramento conduzido de forma boçal pela CP, em 2018 marca a suspensão sine die de toda a circulação ferroviária, algo inédito em 131 anos. Tal deve-se a uma das duas automotoras do Metro de Mirandela precisar de uma revisão profunda, não sendo possível garantir a circulação apenas com outra. Perigo para o qual tinha alertado a administração da empresa em 2011, enquanto Assessor, sendo liminarmente ignorado pelo representante da CP no Metro, in loco em Mirandela, ao lhe propor a cedência das automotoras do mesmíssimo modelo detidas pela CP, e já então paradas tanto na Régua como em Livração.
Ficou por explicar uma questão fulcral: porque é que só mais de um ano depois de concluídas as obras de recuperação do troço Brunheda – Cachão, é que vêm obrigar a intervencionar o troço Cachão – Mirandela, que sofreu obras de modernização de alguma monta em finais da década passada. Ou porque é que o Presidente da Agência de Desenvolvimento Regional do Vale do Tua proferiu várias vezes a palavra “taludes”, quando este troço é o menos acidentado de toda a Linha do Tua – aonde inclusivamente seria possível os comboios circularem a 60 km/h, contra os actuais 45Km/h.
Surgiu ainda uma tremenda gaffe, que me espanta ter escapado a tudo e todos: o de se contruir um hangar em Mirandela, para guardar comboios: em hangares guardam-se aeronaves, para material ferroviário denominam-se “cocheiras”. Porém, atrás deste erro mais ou menos inocente, vem algo muito pior: a intenção de se encerrar o troço Mirandela – Carvalhais, um marco único na História ferroviária portuguesa, enquanto exemplo de reabertura de um troço ferroviário por iniciativa de uma autarquia. Em 2010 a devoluta estação de Carvalhais registou 46 mil passageiros, contra os 48 mil de Mirandela – em 2017, a carreira aérea de Bragança a Portimão registou 11 mil passageiros. Acresce que é em Carvalhais que estão as únicas oficinas da Linha do Tua, e que este troço serve estruturas como o Centro Cultural, o polo do Instituto Politécnico de Bragança, o estádio de São Sebastião, a Zona Industrial, e a Escola Agrícola de Carvalhais. Duvido que qualquer um dos intervenientes conheça estes números, ou tenha levado em devida conta estes factores, pelo que esta proposta é surreal, sobretudo quando rematada pela Presidente da Câmara Municipal de Mirandela com o desejo de levantar a via e prolongar a ainda mais absurda ecopista do canal da Linha do Tua desde Carvalhais ao centro da cidade.
Nada muda verdadeiramente na Linha do Tua. Quem deve agilizar a sua reabertura e modernização perde-se em burocracias e propostas fátuas, quem a quer ajudar a reerguer-se esbarra em toda esta loucura e ouvidos moucos. Pagam os utentes e a região, uns sem transporte, outros sem receitas e emprego. Restam os ténis de corrida e as bicicletas, para quem pode.