Norma que salvaguarda património arqueológico em Alqueva chega com 15 anos de atraso

Alterações no uso do solo estão sujeitas a condicionalismos para protecção de vestígios arqueológicos. Directora Regional de Cultura do Alentejo realça a importância do documento.

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ENRIC VIVES-RUBIO / PUBLICO

É um facto incontornável que a ausência de planeamento e de legislação específica para novos usos do solo no território abrangido pelo Alqueva facilitou intervenções arbitrárias ao longo dos últimos 15 anos, descurando a salvaguarda do património arqueológico, uma lacuna que mereceu alertas e protestos de arqueólogos. Mas com a publicação da norma transversal 15/2018, o Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural (MAFDR) vem dar, implicitamente, razão aos investigadores que têm denunciado a destruição de vestígios arqueológicos. No seu articulado reconhece-se que as práticas agrícolas na área de regadio da enorme albufeira “apresentam riscos para o património”. Com efeito, o grau de revolvimento do solo necessário para as plantações de olival e amendoal ou de outras culturas intensivas pode “implicar a perda irreversível de vestígios arqueológicos, ou dificultar (ou mesmo impossibilitar) o estudo e a compreensão histórica do local” acentua o documento legislativo.

O elemento central desta nova norma reside nas condições de acesso ao Programa de Desenvolvimento Regional 2020. Passam a contemplar um conjunto de “obrigações específicas”, cujo cumprimento será determinante para a aprovação das candidaturas que venham a ser apresentadas. Assim, as acções propostas nos pedidos de apoio àquele programa devem assegurar, para além de outras condições que já eram contempladas, a salvaguarda de património arqueológico.

Desta forma, quando esteja em causa património arqueológico que tenha sido “classificado, esteja em vias de classificação ou inventariado”, as alterações que se pretendam efectuar no uso do solo estão “previamente sujeitas” a intervenções de salvaguarda. Contudo, o património arqueológico que “não tenha sido classificado, não esteja em vias de classificação, ou não tenha sido inventariado não será abrangido por qualquer condicionante” prevista na referida norma.

Porém, subsiste um procedimento legal que irá pôr à prova a eficácia da nova norma. É que as operações usuais na modelação de terreno necessário ao desenvolvimento da actividade agrícola, para instalação de culturas, “sejam de carácter anual ou permanente (neste caso olival, amendoal e vinha), “não estão sujeitas a licenciamento”. Estão incluídas neste critério, a preparação do terreno “em camalhões (elevação de terra entre dois regos), subsolagem (lavra do solo), despedrega (retirada das pedras da área a cultivar), entre outros, e ou a adaptação das terras ao regadio).” Aliás, tem sido este livre arbítrio que abriu a porta à devassa do património arqueológico. E as novas orientações para o uso do solo referem que “só é exigível licenciamento municipal se se estiver perante um “aterro” ou “escavação” que conduza à alteração do relevo natural e das camadas de solo arável”. 

No entanto, a lei de bases do património cultural prevê, nos casos em que são encontrados vestígios arqueológicos em locais onde não havia conhecimento prévio sobre a sua existência, o proprietário ou arrendatário da exploração está obrigado a comunicar a ocorrência, o que raramente acontece. Esta regra, referiu ao PÚBLICO Ana Paula Amendoeira, directora Regional de Cultura do Alentejo (DRC Alentejo), “é de cumprimento obrigatório para todos os cidadãos e encontra-se incorporada em quase todos os instrumento de gestão territorial, nomeadamente o Plano Director Municipal.”

Se, no decorrer de uma operação agrícola que envolva revolvimento do solo, forem identificados alguns vestígios arqueológicos, a sua salvaguarda “tanto poderá implicar a preservação in situ como a conservação pelo registo (...), tudo dependerá do valor cultural do bem em causa” esclarece Paula Amendoeira.

Subsistem problemas

O Ministério da Agricultura considera que o condicionamento imposto ao uso do solo “é a melhor solução face à impossibilidade prática da reposição da situação inicial (se vier a verificar-se a destruição de património arqueológico).”

Paula Amendoeira classifica de “muito importante” esta nova norma, de aplicação transversal, porque permite “contemplar mecanismos de protecção do património arqueológico que anteriormente não existiam”. Mas é óbvio que “não resolve a totalidade dos problemas que envolvem operações agrícolas”, observa.

Com efeito, nem todos os projectos de agricultura intensiva são objecto de financiamento europeu e, em alguns casos, “o pedido de financiamento ocorre depois de iniciadas as operações agrícolas com impacte negativo no património arqueológico”, lembra a directora regional. Paula Amendoeira realça “o esforço feito pelas equipas dos Ministérios da Agricultura e da Cultura na elaboração de um documento que representa um “avanço muitíssimo positivo, que é de saudar “.

Esta norma, publicada em Julho mas que só agora chegou ao conhecimento dos arqueólogos que tanto têm alertado para o problema, chega com 15 anos de atraso e depois de consumada a destruição de inúmeros sítios com um valioso património histórico. Um problema que começou em 2004, altura em arrancou, em força, a plantação de olival intensivo. “Se fosse possível contabilizar o património arqueológico que já foi arrasado todos ficariam perplexos”, sintetizou ao PÚBLICO o arqueólogo Miguel Serra.

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