Palavras do ano do PÚBLICO: do “botão” às “mensagens”, do “tutti frutti” à “bicicleta”
São 52 palavras + uma. Divulgadas na rubrica Palavras, expressões e algumas irritações (caderno P2), tentaram espelhar a actualidade e ajudar o leitor a conhecer os seus múltiplos significados. Sempre com a ajuda de dicionários e enciclopédias. Na política, falámos de “extrema-direita”, “desgoverno”, “tourada e civilização”. Na justiça, detivemo-nos nas operações Lex e Tutti Frutti. Já no desporto, destacámos “ouro” (canoagem, atletismo adaptado) e “bicicleta” (não no ciclismo, mas num pontapé de Ronaldo). Para a ciência, reservámos o “universo” de Stephen Hawking
JANEIRO
Botão
“Qual é a coisa, qual é ela, mal entra em casa, põe-se à janela?” Eis uma adivinha que remete para a infância e cuja resposta é “botão”. No caso, significa “pequena peça, de forma variada e feita de diversos materiais, que se usa para apertar ou ornar o vestuário”.
Por estes dias também houve “brincadeiras infantis” à volta da mesma palavra, embora com outro significado e sem qualquer inocência. Como dois garotos, Donald Trump (Presidente dos EUA) e Kim Jong-un (líder da Coreia do Norte) compararam o tamanho do “botão” de cada um. No caso, “peça integrante de um aparelho ou de um mecanismo pela qual este é comandado e que se roda ou prime”.
O dicionário fala em “botão da campainha”, “do elevador” “do rádio”, mas é omisso nos “botões nucleares” a que se referiam os políticos que moram em lados opostos do mundo e não deviam brincar com o fogo.
Disse Kim, no discurso de Ano Novo: “Toda a área continental dos Estados Unidos está ao alcance das nossas armas nucleares e o botão nuclear está sempre na secretária. Isto é a realidade, não é uma ameaça.”
Respondeu Trump, no Twitter (onde haveria de ser?): “Poderá alguém informá-lo de que eu também tenho um botão nuclear, mas é muito maior e mais poderoso do que o dele, e o meu botão funciona!”
Multiplicaram-se nos jornais e nas redes sociais analogias com os recreios na escola primária, mas como lembrou Eliot Cohen, conselheiro da ex-secretária de Estado de George W. Bush, Condoleezza Rice, o tweet é “infantil mas mortalmente sério”. As crianças, no recreio seguinte, voltam a ser os melhores amigos. Não será o caso.
Os dicionários falam também de “botão” enquanto “jogo de rapazes em que se usam essas peças”. Como estes já são adultos, talvez fosse melhor desenvolverem a prática de falar “de si para si, em pensamento ou em voz baixa”. Ou seja, “com os seus botões”.
Social-democracia
Neste domingo, já se saberá quem é o novo (!) líder do PSD ou, para quem preferir, PPD-PSD. Descodificando: Partido Popular Democrático-Partido Social-Democrata. Um social-democrata é uma “pessoa partidária da social-democracia”. Exemplo certeiro do dicionário para estes dias: “Os sociais-democratas escolheram um novo líder.”
Em Outubro de 2017, Sarsfield Cabral escrevia: “É um mito a ideia de que o PSD era social-democrata e depois se tornou neoliberal.” E recordava: “Nos últimos 43 anos, muitas vezes tive de explicar a estrangeiros, sobretudo jornalistas, que Partido Social-Democrata não queria dizer, em Portugal, que se tratasse de algo semelhante ao Partido Social-Democrata alemão ou a vários partidos socialistas europeus. Tinha de chamar a atenção para que o PSD se poderia classificar de centro-direita e que o partido de centro-esquerda, socialista democrático, era o PS.”
Na página online do partido pode ler-se que foi “fundado em 6 de Maio de 1974, por Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão e Joaquim Magalhães Mota sob o nome Partido Popular Democrático (PPD)”. Mais: “Foi legalizado em 25 de Janeiro de 1975, passando a designar-se a 3 de Outubro de 1976 Partido Social-Democrata (PSD).”
Na sua origem estão três linhas de pensamento: católica-social, social-liberal e tecnocrática-social. A cor laranja foi adoptada por sugestão de Conceição Monteiro, “uma cor quente e mobilizadora, diferente do vermelho, ideologicamente conotado com o PCP e o PS”. As três setas “representam os valores fundamentais da social-democracia: a liberdade, a igualdade e justiça social e, finalmente, a solidariedade”. Uns dirigentes praticam-nos mais que outros.
Neste sábado, os militantes escolheram, entre Pedro Santana Lopes e Rui Rio, o seu 18.º líder.
Ama
O dicionário ensina que “ama” é uma “mulher que amamenta o filho de outra mulher” (a que também se chama “ama-de-leite”) ou ainda uma “mulher que, na sua própria casa, toma conta de crianças”. Não se regista “superama”, como seria a tradução do título do novo programa da SIC: Supernanny. E que parece ser a antítese de quem se dedica a “criar uma criança”, com os erros e dificuldades que humanamente implica.
Descrição no PÚBLICO: “Uma criança porta-se mal, a família inscreve-se no programa e, caso seja escolhida, recebe a visita de uma ‘superama’ para a ajudar a recuperar ‘o controlo da educação dos filhos’. Funciona assim o Supernanny.”
Vai para o ar, de novo, neste domingo à noite, apesar das críticas da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens, da Unicef e do Instituto de Apoio à Criança e das queixas recebidas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social e Ordem dos Psicólogos.
Em causa está o “elevado risco de o programa violar os direitos das crianças, designadamente o direito à imagem, à reserva da vida privada e à intimidade”. Os pais do segundo “episódio” tentaram que não fosse transmitido.
A “superama” chama-se Teresa Paula Marques, é psicóloga clínica e propõe-se ajudar famílias “a controlar a rebeldia dos filhos”. À vista de todos. De acordo com informações divulgadas, os agregados receberão mil euros para ser “ajudados”.
O íntimo e privado que a educação pressupõe transforma-se assim em entretenimento público. “Pode um drama real duma criança — no contexto duma exposição que a compromete, para sempre — ser considerado... entretenimento?”, questionou o psicólogo Eduardo Sá.
O programa foi criado em 2004 no Reino Unido e reproduzido em Espanha, Alemanha, França, Suécia, EUA, Brasil e China. Não recebemos notícias de “filhos problemáticos” agora adultos terem tentado processar os pais ou as produtoras. Mas temos pena.
Despedimento
“Dispensa de um trabalhador por parte da entidade patronal” é uma definição que se encontra no dicionário de língua portuguesa e uma prática que se alastra a vários pontos e actividades do país. “Despedimento”, pois. “Porque não? O mundo mudou”, dirão os cínicos bem instalados.
Nesta semana, foi a Triumph que “dispensou” quase 500 trabalhadores (sobretudo trabalhadoras), depois de estarem sujeitos a meses de salários em atraso, a dias e noites de vigília (e vigia) e a momentos de angústia sobre o futuro.
A pressão foi tal que a formalização do “despedimento colectivo” soou como vitória. Tão-só porque os funcionários de há dezenas de anos viram garantidos os direitos que lhes seriam devidos. Houve até quem brincasse com a palavra “triunfo”.
Nos CTT, o encerramento de 22 estações irá também obrigar à “exoneração” de pelo menos 55 funcionários. Está agendada uma greve e uma manifestação para 23 de Fevereiro, para contestar “os despedimentos, o encerramento de estações de correio e a sobrecarga de trabalho dos carteiros”. Os representantes dos trabalhadores dos CTT “exortam a população a participar na manifestação que vão promover em Lisboa”. Faz sentido.
No caso da PT/Altice, ficámos a conhecer a figura jurídica “transmissão de estabelecimento”, ou seja, e em português corrente, “vais daqui para ali”. Dizem os sindicatos, e desta vez com razão, que é “um despedimento encapotado”.
Com notícias destas, é difícil partilhar das euforias do Governo com a vinda da Google para Oeiras, ao que consta para instalar um centro tecnológico de serviços para a Europa, Médio Oriente e África. Não será apenas mais um call center? E parece que a Amazon também vem. Vai beneficiar de que contrapartidas?
Outra definição para “despedimento”: “Dispensar a presença.” Adeus.
FEVEREIRO
Lex
É difícil ficar indiferente às designações que a Polícia Judiciária escolhe para as operações que realiza. Ora provocam sorrisos, ora causam estranheza. As mais recentes são: Fizz, Check Out e Lex.
A primeira (Fizz) envolve o procurador Orlando Figueira, numa acusação de branqueamento de capitais e corrupção passiva, por alegadamente ter arquivado em troca de dinheiro dois processos em que Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola, era investigado.
A segunda (Check Out) teve como efeito a detenção de 17 suspeitos de desviarem centenas de milhares de euros por furto e falsificação de cheques da Segurança Social.
Finalmente, Lex, palavra latina que significa “lei” e que foi escolhida por envolver investigação a juízes.
Informações de sábado: “Mais de 200 milhões de euros. É este o impressionante montante que o Ministério Público e a Polícia Judiciária conseguiram apreender à guarda da investigação conhecida como Rota do Atlântico, o inquérito que deu origem ao caso de corrupção que envolve o juiz da Relação de Lisboa, Rui Rangel, e a ainda sua mulher Fátima Galante, também juíza-desembargadora. O processo Rota do Atlântico investiga indícios de corrupção internacional e branqueamento de capitais, envolvendo os empresários José Veiga e o seu sócio Paulo Santana Lopes, altos governantes congoleses e multinacionais poderosíssimas, como o grupo Gunvor, ligado à comercialização de petróleo, e a Asperbras” — grupo brasileiro.
“Lei” traduz-se, num dicionário comum, por “preceito escrito que emana da autoridade soberana do Estado e que impõe a todos os cidadãos a obrigação de se submeterem a ela, sob pena de serem punidos”.
A frase latina “dura lex sed lex” significa “a lei é dura, mas é a lei”. Ou seja, “apesar de exigir sacrifícios, a lei deve ser cumprida”. Pelos juízes também.
Abstinência
“Privação voluntária da satisfação de uma necessidade ou de um desejo, por motivos religiosos ou morais”, escreve o dicionário sobre “abstinência”. Mas o maior entendido na matéria é o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, que defendeu “o dever de a Igreja propor a vida em continência, isto é, sem relações sexuais, aos recasados cujos anteriores matrimónios não possam ser declarados nulos”.
Enfim, casados não praticantes.
Se os casamentos anteriores forem anulados na secretaria, então, já se pode quebrar o “jejum” e amar-se à vontade. A confissão e a comunhão têm sempre “via verde”.
Nem todos os bispos portugueses se pronunciam no mesmo sentido, caso de D. Jorge Ortiga, de Braga, e de D. Ilídio Leandro, de Viseu, que até fez uma afirmação bonita à publicação Vida Cristã sobre o tema: “O casamento é um sacramento e as relações sexuais são um bem. Por esse princípio não vou.”
Tudo isto nos fez lembrar (e que nos perdoem as almas católicas mais sensíveis) o famoso e divertido poema de Natália Correia Truca-truca. Estava-se em 1982 e discutia-se pela primeira vez na Assembleia da República a interrupção voluntária da gravidez. A dada altura, João Morgado, deputado do CDS, afirmou que “o acto sexual é para fazer filhos”.
Resposta da deputada (a que se seguiu uma interrupção dos trabalhos, por pândega geral): “Já que o coito – diz Morgado – tem como fim cristalino, preciso e imaculado/ fazer menina ou menino;/ e cada vez que o varão sexual petisco manduca,/ temos na procriação prova de que houve truca-truca. // Sendo pai só de um rebento,/ lógica é a conclusão/ de que o viril instrumento só usou – parca ração! – uma vez.// E se a função faz o órgão – diz o ditado –/ consumada essa excepção,/ ficou capado o Morgado.”
Faz falta “comedimento” (sinónimo de “abstinência”) nas imposições da Igreja. O Papa Francisco sabe.
Tiroteio
A morte de 17 pessoas numa escola da Florida pelos disparos de uma arma a partir das mãos de um jovem de 19 anos justifica a escolha da palavra “tiroteio”. Diz o dicionário: “Fogo de fuzilaria em que os tiros são muitos e contínuos.”
Ficou a saber-se que o atirador, Nikolas Cruz, era um ex-aluno da Escola Secundária Marjory Stoneman Douglas (Parkland), de que foi expulso por indisciplina.
“Nikolas Cruz era um perigo — e todos sabiam”, escreveu-se numa notícia, em que se descreve que “era obcecado por armas e que participou em programas de treino militar para menores”, segundo o Pentágono.
No final do dia de sexta-feira (os “disparos” foram na quarta), o FBI admitiu ter falhado na investigação, depois de ter recebido um alerta de uma pessoa próxima do rapaz que disse que ele tinha armas, fazia publicações “inquietantes” nas redes sociais e manifestava “vontade de matar pessoas”.
O FBI não cumpriu o protocolo, não deu seguimento a estas pistas e assumiu em comunicado: “A polícia federal norte-americana falhou: não seguiu a pista nem passou a informação à delegação de Miami.”
A cadeia de televisão norte-americana CNN convidou, na sexta-feira, os telespectadores a participar num debate sob o título “O que pode Trump fazer para parar com os tiroteios?”
Aqui fica o registo de alguns contributos: “Ninguém deveria poder entrar numa loja e comprar uma arma”; “é muito fácil obter armas legal e ilegalmente”; “parem de culpar as doenças mentais por estes massacres, o problema são as armas”; “quantas mais crianças precisam de morrer para que tomem consciência de que existe um problema?”
Em sentido figurado, “tiroteio” significa “troca ininterrupta de palavras entre pessoas que discutem ou altercam”. A National Rifle Association, o poderoso grupo de pressão a favor da posse de armas, também é eficiente neste tipo de “arremesso” (sinónimo de “tiroteio”).
Massacre
Gostaríamos de não ter de voltar a esta palavra, mas a vaga de ataques em Ghouta, um enclave nos arredores de Damasco (Síria), obriga-nos.
Notícia de terça-feira: “Desde domingo, quando se intensificaram os ataques do regime, apoiado pelo Irão e pela Rússia, morreram 210 pessoas e pelo menos 850 — entre os quais muitas crianças — ficaram feridas, avança o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, uma organização com sede no Reino Unido mas com observadores no terreno.”
Na quinta-feira, actualizaram-se os números: “Pelo menos 368 pessoas foram mortas, entre elas, 150 crianças.” Que outra palavra senão “massacre”?
Já a trouxéramos aqui, em 2015, quando islamistas da Nigéria mataram 2000 pessoas na tomada de Baga.
Foi pouco depois dos atentados em Paris e de toda a atenção que lhes foi dada, fazendo com que o arcebispo nigeriano Ignatius Kaigama pedisse: “É necessário que essa atitude exista não apenas quando se trata da Europa, mas também quando se trata da Nigéria, do Níger, dos Camarões e de outros países pobres.”
O apelo continua válido.
“Mortandade”, “carnificina”, “matança” e “chacina” são sinónimos de “massacre”. Qualquer destas palavras causa arrepios e traduz o que um médico que está em Ghouta oriental disse ao Guardian: “É o massacre deste século, do que vivemos até agora.”
Declarações proferidas depois de cinco hospitais terem sido bombardeados pelas forças do regime de Bashar al-Assad e seus aliados (como a Rússia), já que o enclave continua a opor-se ao Presidente sírio.
A Cruz Vermelha, o Programa Alimentar Mundial e o secretário-geral das Nações Unidas apelaram na quarta-feira a um cessar-fogo urgente. António Guterres descreveu a situação como a de um “inferno na Terra”.
O dicionário regista esta frase: “Não foi um combate, foi um massacre de pessoas inocentes.” Lamentavelmente, repetimo-la aqui.
MARÇO
Limpeza
O dicionário oferece várias definições para a palavra “limpeza”, cujo significado é fácil de compreender. Mas em nenhum momento se refere a florestas. O mais aproximado que se regista é “desbaste”, a que se segue a explicação: “Eliminação de elementos em excesso ou de parasitas.” E exemplifica com duas frases: “Esta trepadeira está a precisar de uma limpeza” e “toda a tarde arrancou ervas, raízes e tratou da limpeza dos canteiros”.
Mas nenhum dicionário conseguirá alguma vez traduzir os equívocos que por estes dias se instalaram em Portugal à volta da “limpeza” das matas, florestas e terrenos.
Primeiro, com as falhas de comunicação, que levaram ao corte indiscriminado de espécies. “A campanha e o email da Autoridade Tributária induz as pessoas em erro, é uma trapalhada monumental, não se é obrigado a cortar árvores mas andam a cortar até as de fruto porque as pessoas não conhecem bem a lei. Os documentos legais devem ser divulgados de forma eficiente”, disse o técnico florestal Cláudio Heitor.
Depois, com o prazo, por muitos contestado, de 15 de Março para dar por terminada a “limpeza”. Caso contrário, os proprietários podem ser punidos com multas que variam entre 140 e 5000 euros (pessoa singular) e entre 1500 e 60 mil euros (pessoa colectiva).
Por último, com a inflação dos preços praticados no “asseio” dos terrenos. Como contou à rádio Hertz a presidente da Câmara de Tomar, Anabela Freitas: “O preço de limpeza por hectare triplicou. Aquilo que a câmara em média pagava era de 1200 euros por hectare e neste momento estão a pedir-nos 3500 euros por hectare.”
“Limpeza” também significa “conjunto de processos pelos quais uma força no poder (político ou outro) expurga de um organismo o pessoal considerado indesejável e/ou nele introduz as mudanças que julga necessárias”. Faz lembrar o “saneamento” à la PSD, em 2013, quando suspendeu e expulsou militantes por terem apoiado ou integrado listas contra as do próprio partido nas eleições autárquicas. Sinónimo: “esmero”.
Toupeira
Se quisermos começar pelo animal, teremos de dizer que a “toupeira” é um “pequeno mamífero insectívoro que tem os olhos pouco desenvolvidos, com as patas anteriores largas e robustas, que lhe permitem cavar galerias debaixo do solo, onde caça insectos e vermes”.
Se quisermos passar para os humanos e para o conceito que o dicionário designa “informal”, então ficamos a saber que se trata de uma “pessoa que trabalha às ocultas ou infiltradamente numa instituição, geralmente para obter informação que possa ser usada pelos seus inimigos ou concorrentes”.
Juntando as espécies, constroem subterraneamente “complicadas galerias”, “labirintos complexos” e… inspiram a Polícia Judiciária na designação das suas operações.
“Benfica espiava processos que visavam o clube e os rivais”, foi título de notícia, que explicava: “Informações seriam recolhidas através de três funcionários judiciais, um dos quais foi detido esta terça-feira, a par de Paulo Gonçalves, o braço direito do presidente do clube da Luz, Luís Filipe Vieira.” Mais adiante, dava-se conta de que há cerca de um mês aparecera num blogue uma cópia da informação de serviço de um coordenador da Unidade Nacional de Combate à Corrupção, o que obrigou a PJ a acelerar a investigação aos emails e outros registos electrónicos, baptizando assim a operação: E-Toupeira.
Duas formas de evitar “toupeiras” nos relvados: uma é estender redes metálicas revestidas a plástico a 5 a 10 cm de profundidade, por toda a área do relvado antes de colocar a relva, impedindo-as de passar; outra é uma armadilha que consiste num tubo de plástico fechado à frente, com quatro arames e uma portinhola à entrada, que permite entrar mas não recuar. Talvez alguma inspire a Judiciária.
Ou usar trovisco, arbusto que liberta um odor que lhes é desagradável.
“Mulher velha e mal vestida”, “pessoa intelectualmente cega, estúpida, ignorante” e “pessoa intriguista e mexeriqueira” são outros significados de “toupeira”. Todos bonitos, não?
Universo
De entre as várias definições encontradas para “Universo”, gostamos particularmente desta: “Conjunto de todos os mundos (estrelas, planetas e cometas) existentes no espaço; o sistema do mundo, o mundo.”
Mas podíamos optar por outra, igualmente abrangente e a lembrar o físico Stephen Hawking, que morreu na passada quarta-feira, aos 76 anos: “Tudo quanto existe no espaço e no tempo. Todo, inteiro. O mesmo que universal.”
Com inicial minúscula, “universo” traduz-se no “meio em que se vive, se actua ou se gosta de estar”.
No caso do cientista da actualidade mais conhecido em todo o mundo, as duas definições misturam-se. O seu “universo” era o “Universo”. E partilhou-o connosco, aproximando da física e da ciência muitos de nós. Porque nos convidou a olhar para o céu e a contemplar as estrelas.
“Uma pop star”, uma “espécie de Lady Gaga da física”, disse o também físico Carlos Fiolhais, que lembrou ainda que a sua grande lição foi ensinar-nos a “ignorar o fim”. Um fim que lhes esteve destinado durante mais de 50 anos e que o levou a dizer em 2004: “As minhas expectativas foram reduzidas a zero quando tinha 21 anos. Desde aí, tudo tem sido um bónus.” Aproveitou-o.
Não podemos deixar de admirar o seu sentido de humor, tantas vezes desconcertante: “O problema da minha fama é que não posso ir a lado nenhum sem ser reconhecido. Não me basta pôr uns óculos de sol e uma peruca, a cadeira de rodas denuncia-me” (2006, em entrevista a uma televisão israelita).
E é comovente rever a sua alegria quando por instantes se pôde libertar da cadeira e viver a experiência de gravidade zero com a colaboração da Estação Espacial Internacional. Sentiu que voava “como o Super-Homem”.
Uma criança inquietou-se com o escuro da noite e disse: “Alguém apagou o céu.” Stephen Hawking iluminou-o.
Dados
Além de pequenos cubos que têm “em cada face determinado número de pontos, desde um até seis, e que são usados em alguns jogos”, existem outros significados para este nome masculino plural, “dados”.
Os que hoje nos interessam são, por um lado, “informação relativa a um indivíduo (ex.: dados pessoais)” e, por outro, “representação convencional de uma informação, sob uma forma que permite o seu tratamento automático”. Esta última provém da linguagem informática. O dicionário remete para “processamento de dados”.
Quem tem grande agilidade nessa prática e relação entre os dados pessoais e o seu processamento é a Cambridge Analytica, “amiga” do Facebook até há bem pouco tempo.
Palavras de Mark Zuckerberg nesta semana em entrevista à CNN: “Foi claramente um erro confiar neles, mas vamos tomar medidas para que o erro não volte a acontecer.”
O “erro” foi “a fuga dos dados de 50 milhões de utilizadores” denunciada há dois anos e que terá, entre outras manipulações, influenciado os resultados eleitorais nos EUA. E o presidente executivo do Facebook apresentou desculpas, mas fora de prazo: “Esta foi uma enorme falha de confiança e peço muita desculpa pela sua ocorrência. Temos a responsabilidade de proteger os dados das pessoas.”
Disse ainda, sobre os passos seguintes: “Não sabemos o que vamos encontrar, mas vamos rever milhares de aplicações — vai ser um processo intensivo.”
Também se regista “dado” como “algo que se deu”, voluntariamente, bem entendido. Pelo que continuamos a ter o direito de querer que os nossos “dados” não sejam “dados” (nem vendidos).
Talvez o Regulamento Geral de Protecção de Dados que entrará em vigor a partir de 25 de Maio e que punirá o uso abusivo de dados pessoais discipline gigantes da informação como o Google e o Facebook. Mas esse não é um “dado adquirido”.
ABRIL
Diplomata
Escreve o dicionário que um “diplomata” é um “homem fino, distinto, astucioso”. Mais: “Pessoa que revela habilidade para conduzir negócios ou situações complexas.” E vamos ao que interessa: “Pessoa que representa os interesses de um país junto de outro, promovendo e zelando pelas relações internacionais.”
Também se pode definir como “indivíduo que faz parte do corpo diplomático de uma nação” e “versado em diplomacia”. Todas estas características podem de nada lhe valer se países desavindos resolverem impedi-lo de exercer o seu papel, a “diplomacia” — “ciência, arte e prática das relações internacionais entre Estados”.
Depois de terem sido expulsos “150 diplomatas russos de 25 países, na sua maioria Estados-membros da União Europeia”, e do anúncio do encerramento do consulado russo em Seattle e da expulsão de 60 diplomatas russos por Washington, foi a vez de a Rússia expulsar 60 diplomatas norte-americanos e dois holandeses.
Estas medidas são consequência do ataque com um agente neurotóxico a um ex-espião russo em solo britânico, que Londres atribui a Moscovo. Notícia de quinta-feira: “O Governo russo tinha dito que iria responder de forma simétrica às expulsões de diplomatas russos por vários países em solidariedade com o Reino Unido, que acusa Moscovo de ter orquestrado a tentativa de homicídio do ex-espião Sergei Skripal. O chefe da diplomacia russa disse agora que a resposta de Moscovo irá espelhar as decisões tomadas pelos países aliados de Londres e ‘até mais do que isso’, sugerindo que o número de expulsões a serem anunciadas poderá ser mais elevado.”
O dicionário sugere como frase para estes contextos: “Espera-se que a diplomacia resolva o conflito.” Não sabemos se foi esta expressão que inspirou o Governo & C.ª a manter-se à margem da posição da União Europeia e a não expulsar “homens finos” russos. Ou se se trata de “habilidade no trato para conseguir o que se pretende” — um sentido figurado (mas pouco) de “diplomacia”.
Bicicleta
A palavra “bicicleta” (do francês bicyclette e do latim bis, “duas vezes”, e grego kýklos, “círculo; roda”) significa “velocípede de duas rodas, de igual diâmetro, sendo a da retaguarda accionada por um sistema de pedais que actua sobre uma corrente”.
Mas para chegarmos à definição que procurávamos tivemos de ir à letra P e ler a entrada “pontapé de bicicleta”. Sim, por causa do Ronaldo.
Eis o que encontrámos: “No futebol, chuto na bola dado para trás, por cima da cabeça do jogador que, em posição acrobática, o executar.”
E sobre “posição acrobática” recordemos o que se escreveu depois de o atleta madeirense ter marcado um golo no jogo de terça-feira entre o Real Madrid e a Juventus para a Liga dos Campeões. “Do ponto de vista de execução técnica, aquele tipo de impulsão é perfeito. Se analisarmos ao detalhe o movimento, apercebemo-nos de que o Cristiano Ronaldo faz uma chamada parecida à que os atletas que competem no salto em altura fazem. Ele dá dois passos para a chamada e a impulsão é feita com a perna que faz o remate, que é a direita. Mas é a perna esquerda, a perna do balanço, combinada com o movimento do braço oposto (o direito) que maximiza a altura do salto, funcionando ambos como alavancas. É esta perna, que é primeiro lançada e depois travada no ar, que cria a energia mecânica que o eleva e lhe permite como que pairar”, disse António Veloso, especialista em biomecânica e morfologia funcional.
Perante aquela elevação, torna-se difícil não recear que a “aterragem” corra mal. Mas nem nos dá tempo, logo se levanta e segue caminho.
O bom desempenho valeu-lhe elogios como “obra-prima”, “obra de arte” ou “do outro mundo”. Mas talvez a expressão mais inspirada tenha sido “Cristiano, assim na área como no céu”, num artigo de Manuel Jabois no jornal El País.
Diz o dicionário enciclopédico, para o mesmo exercício, que também se pode chamar “puxada ou puxeta, porém estilizada pela atitude do jogador”. E atitude não lhe falta.
Fora dos relvados e dos pedais, “bicicleta” significa “esposa”.
Artes
Plural de “arte”, que um dicionário de português do Brasil regista assim: “Atividade que supõe a criação de sensações ou de estados de espírito, em geral de caráter estético, mas carregados de vivência íntima e profunda, podendo suscitar em outrem o desejo de os prolongar ou renovar.” Pensa-se logo em Mário Centeno e em António Costa, não é?
É vê-los a toda a hora em salas de espectáculo, a retribuir o beija-mão que se seguiu à investidura da esquerda maioritária eleita… para o Parlamento. “Agora, é que é”, terão pensado os artistas. Enganaram-se.
Recentemente, reclamaram a distribuição de apoios pela Direcção-Geral das Artes, numa inédita (e tardia) união das companhias de teatro e de outras artes: “Estamos certos de que é um momento histórico. Resta perceber se será recordado como o momento em que este Governo desistiu da cultura e assumiu como definitivo um modelo que está a destruir muito do que foi construído, ou como o momento em que houve disponibilidade e coragem para se dotar a cultura nacional de instrumentos que evitem este estado de perda permanente, dando início a um processo de reformulação do modelo de apoio às artes.” Soa bem.
Foi criada uma comissão de artistas, que junta centenas de agentes e instituições (para lá dos protagonistas de sempre) e que foi recebida por Costa. Ficou garantido “um trabalho concertado entre agentes e tutela para um novo modelo”. Soa bem. E a encenação.
Elenco: António Costa (director artístico e actor principal); Catarina Martins e Jerónimo de Sousa (actores secundários); Mário Centeno (ponto, “indivíduo que dá indicações aos actores ou lhes relembra o texto, lendo-o em voz baixa”); Castro Mendes (arrumador, “leva os espectadores aos seus lugares”); Miguel Honrado (figurante).
Para castings em stand-up comedy, o Estádio de Alvalade é um bom cenário. E António Costa e Mário Centeno gostam de ir à bola.
Transparência
“Carácter daquilo que é fácil de entender, que não é ambíguo.” Este é um dos sentidos da palavra “transparência”. Válido no continente e nas ilhas.
Depois de o Expresso dar a conhecer que deputados da Madeira e dos Açores recebem duas vezes por viagens que não pagam (e até quando não chegam a levantar voo), o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, quer saber se é preciso mudar a legislação para clarificar que subsídios os deputados podem receber.
Primeiro, no entanto, defendeu os deputados das regiões autónomas: “Não infringiram nenhuma lei nem nenhum princípio ético, nem nesta nem em qualquer legislatura.”
Disse ainda não alinhar “em dinâmicas que apenas visam diminuir a representação democrática com julgamentos éticos descabidos e apressados”.
O “direito à indignação” nem sempre se exerce para o lado que se espera.
Depois, Ferro Rodrigues convocou a subcomissão de Ética e a comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas, que hão-de pronunciar-se em breve sobre se haverá necessidade de alterações que “contribuam para a clarificação e a transparência” na actividade parlamentar.
“Agi de acordo com aquilo que entendi ser a lei, embora reconheça, com toda a humildade, que tal possa ser eticamente questionável”, disse Sara da Costa, que vai devolver o dinheiro.
Informação divulgada pelo Expresso: os deputados das ilhas recebem uma compensação do Parlamento no valor fixo de 500 euros (num total de 2000 ou de 2500 euros por mês, conforme os meses), mesmo que não viajem e sem necessidade de apresentar comprovativo de voo. Podem ainda ter parte das suas viagens reembolsadas ao abrigo do Subsídio Social de Mobilidade.
O dicionário também fala em “clareza” e sugere a frase: “Ficou provada a transparência do negócio.” Ou seja, “limpinho”.
Bichos
“Os animais tornaram-se uma religião, apesar de vivermos num Estado laico”, ousou dizer Filipe Matos, docente de Coimbra e especialista em Código Civil, e ainda sugeriu que se está a consagrar na lei que “quem não gosta de animais é má pessoa”.
Apoiado por outra professora, Mafalda Barbosa, ambos “não se conformam com aquilo que consideram ser uma ignominiosa equiparação legal dos bichos às pessoas e escreveram um livro a dizer isso mesmo”.
Lê-se num dicionário online que “bicho” é uma “designação geral dada a qualquer animal”. Um dicionário impresso regista “animal” como um “ser vivo organizado, dotado de movimento próprio e de sensibilidade”. E acrescenta a frase: “O homem é um animal.”
Qualquer pessoa de bom senso será contra os maus tratos em animais. Mas, à luz da maior parte dos defensores dos seus direitos, há uns animais mais animais que outros. Em geral, os protegidos são os “fofinhos” cães e gatos (porque fazem companhia e são submissos) os touros (por causa das touradas) e os porcos (por causa das bifanas).
Porque não se opõem à desratização e à desbaratização? E quem é que defende as moscas, os mosquitos, as aranhas, os sapos, os gafanhotos? E já pensaram, antes de comer um ovo estrelado, que poderia ter sido um adorável pintainho que foi roubado à mãe sem nunca ter habitado um ninho?
Demagogia? Claro. Mas só para lembrar que quem não estiver confortável perto de alguns animais não tem de se sentir “má pessoa”, nem tem de ser obrigado a suportar os “bichos” e os seus donos. Normalmente, parecidos.
É difícil aceitar um mundo que reivindica a entrada de cães num restaurante, ao mesmo tempo que ali proíbe a presença de crianças (estabelecimentos child free).
O dicionário regista ainda uma prática pouco recomendável, “matar o bicho”, ou seja, “quebrar o jejum, em especial bebendo aguardente ou outra bebida alcoólica”.
MAIO
Caixa de Pandora
A “caixa de Pandora” significa “a origem de todos os males”. A expressão voltou a circular na comunicação social através das palavras de Manuel Alegre, depois de, “de um momento para o outro, ter caído a estratégia de António Costa com mais de três anos de separar o caso Sócrates da política e do PS”. Falou e disse: “Abriram o saco dos ventos.”
Afinal, quem foi e o que fez Pandora? O dicionário enciclopédico explica o mito grego: “Primeira mulher, segundo Hesíodo. Criada por Atena e Hefesto com todas as perfeições, Hermes fê-la curiosa e enganadora. Zeus entregou-lhe uma vasilha fechada, que Pandora destapou e todos os males que ela continha se espalharam pelo mundo.”
Os males teriam sido inveja, ódio, dor, velhice, fome, pobreza, guerra e morte. Entre as várias listagens dos “ventos” malévolos que se libertaram da caixa, não consta a corrupção. Mas foi esta brisa... que António Costa, ex-ministro de José Sócrates, descobriu (só) agora.
Para evitar “embaraço mútuo”, Sócrates “desfiliou-se” do PS. Se na altura da detenção do ex-primeiro-ministro o actual secretário-geral do PS conseguiu que sobre isso não se falasse no congresso que se avizinhava, agora será difícil fugir ao tema no próximo encontro na Batalha.
O homem da “palavra dada, palavra honrada” tem agora a versão da “desonra para a democracia”, caso se provem as ilegalidades. A “vergonha” que os dirigentes socialistas dizem sentir chegou com algum atraso.
“Finalmente começou a reflexão no PS”, disse Ana Gomes, que andou a falar sozinha desde que se divulgaram as ligações duvidosas entre Manuel Pinho e o BES enquanto era ministro de José Sócrates.
Diz-se que no fundo da “caixa de Pandora” se encontrava a “esperança” e que foi a última a escapar. Mas também se diz que Pandora não voltou a abrir a caixa e, por isso, “a esperança permanece até hoje guardada”.
“Pandora” também significa “molusco hemibrânquio” e ainda “instrumento de dezanove cordas que é o baixo da mandolina”. E não há mal nisso.
Recado
Um “recado” pode ser entendido como “mensagem”, “aviso”, “mandado”, mas também como “censura”, “repreensão”, “ralho”. Num dicionário recente, regista-se como “aviso ou mensagem curta, oral ou escrita, remetida por uma pessoa a outra” e exemplifica-se com “mandar um recado”.
“O Presidente da República não manda recados ao Governo pelos jornais”, disse António Costa, no que seria entendido como resposta a Marcelo Rebelo de Sousa, que afirmou em entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença que não se recandidataria, se houvesse outra tragédia como os incêndios do ano passado. Por sua vez, a declaração do Presidente seria também uma resposta ao que o primeiro-ministro disse anteriormente à revista Visão, afirmando que não veria razões para se demitir, mesmo que voltasse a haver mortes nos incêndios em Portugal.
Para Pacheco Pereira, António Costa respondeu bem a Marcelo, “o que nem sempre é fácil, visto que neste combate verbal o Presidente sabe-a toda”. E escreveu: “Claro que manda [recados] por todos os meios.”
Também existe a expressão “dar conta do recado” e aqui sugerimos que se atente à diferente linguagem entre um dicionário de 1958 e outro de 2006. Escreve assim o primeiro: “Desempenhar-se cabalmente de determinada incumbência.” O segundo, assim: “Sair-se bem de um encargo, desempenhar bem uma tarefa ou função.” Ganha-se em simplificação, perde-se em requinte.
Também no mais antigo se diz que “recado”, por extensão, pode significar, “papel e pena para escrever qualquer comunicação”. Bonito.
“Recado” corresponde ainda a “pequenos serviços incumbidos a um criado ou outro serviço fora de casa” e “execução de um encargo ou tarefa ou de uma pequena compra, a pedido de alguém”. Exemplo: “O miúdo foi fazer um recado à mãe.”
No Sul do Brasil, quer dizer “conjunto de peças com que se encilha o cavalo para montaria”. No plural, “recados”, são “cumprimentos, recomendações, palavras afectuosas”. Exemplo: “Não se esqueça de lhe transmitir os meus recados.”
A expressão mais engraçada é “tomar o recado na escada”, ou seja, “responder antes de ouvir de todo”.
Antigamente, também se usava como sinónimo de “recato”, “cautela”. Dizia-se que “um homem de bom recado” era “um homem de confiança, que dá boa conta de si”. Deve ser assim que Presidente e primeiro-ministro se consideram.
Estão bem um para o outro. Fica dado o “recado”.
Violência
Palavra recorrente (e prática também), “violência” já foi por nós aqui descodificada em momentos anteriores. Todos lamentáveis. Uma das definições: “Facto de obrigar alguém pela força ou pela intimidação a praticar actos que de outro modo não praticaria.” Seguem-se os sinónimos “brutalidade”, “opressão” e o exemplo “acto de violência física”.
A semana começou (14 de Maio) com “violência” na Faixa de Gaza. “O dia da festa em Jerusalém afinal foi o dia dos mortos em Gaza”, título de notícia que dava conta de ter sido “o dia mais mortífero do conflito desde 2014, desviando as atenções da inauguração da embaixada dos EUA”. Morreram 60 pessoas.
Seguiu-se (15 de Maio) “violência” em Alcochete (com as devidas proporções), na academia do Sporting. “Grupo de pessoas de cara tapada entra em Alcochete e agride jogadores”, título de notícia que informava que “Bas Dost (o holandês teve de ser suturado na cabeça) e Misic foram agredidos, assim como Mário Monteiro, do corpo técnico. Houve também uma tentativa de agressão a Jorge Jesus”.
A fechar a semana (18 de Maio), “violência” numa escola norte-americana. “Atirador de 17 anos faz pelo menos dez mortos em escola no Texas”, título de notícia que descrevia: “Polícia deteve o principal suspeito e uma segunda pessoa. Autoridades afirmam ter localizado engenhos explosivos.”
A cada um destes episódios poder-se-ia atribuir, respectivamente, os sinónimos “crueldade”, “brutalidade” e “desumanidade”.
“Violência” para leitores, ouvintes e telespectadores é também o tempo e o espaço desmedidos que nós, comunicação social, demos ao que se passou com o Sporting (e ainda vai durar).
Permitam-nos sentir alguma “fúria” (palavra equivalente a “violência”) perante a súbita sensibilidade e grande empenho dos órgãos de soberania para um problema que parecem ter descoberto só agora. Nunca os vimos assim comovidos com as vítimas de violência doméstica ou com a crescente e ainda mais invisível violência contra idosos.
Morrer
Fugimos desta palavra, excepto quando a usamos em expressões como “morrer a rir” (rir muito, estrondosamente) ou “morrer de amores” (estar muito apaixonado por alguém). Mas não adianta fugir do seu sentido primeiro, “perder a vida”.
Na próxima terça-feira, o Parlamento vai discutir e votar quatro projectos de lei sobre a despenalização da eutanásia, conceito que o dicionário regista de duas formas: “morte serena e sem sofrimento” e “prática pela qual se procura antecipar ou provocar a morte de um doente incurável ou terminal, para lhe abreviar a agonia ou para o poupar a um sofrimento excessivo”.
Diz ainda que “a eutanásia põe questões de ordem ética”. No debate político tem-se invocado mais “consciência” que “ética”.
A discussão anda à volta de sofrimento, dor, dignidade, direito, lucidez, autonomia, dependência, suicídio, medicina, olhados de vários ângulos e com intensidades diferentes.
Há muitas definições para o verbo “morrer”, uma das fontes consultadas ocupa duas páginas com esta entrada, o que é considerável para um dicionário comum. Algumas são novidade para nós, como “bater a alcatra na terra ingrata”, outras misturam significados e confundem-nos, como “experimentar uma forte sensação desagradável (moral ou física), sofrer muito”. Outras são mais objectivas: “Cessar de viver, perder todo o movimento vital.”
É-nos difícil encontrar a latitude certa entre o direito legítimo de escolher “morrer” e o de optar por deixar nas mãos do tempo a hora de “desaparecer”. Até porque a primeira hipótese obrigará sempre alguém a vincular-se à decisão, seja um médico, um familiar ou um amigo.
Para desanuviar, definições vindas do Brasil, em que “morrer” significa “deixar-se iludir”, “cair no logro” ou ainda, na gíria popular, “deixar a parada no jogo à espera que aumente”.
Lá e cá, cedo ou tarde, “a morte é certa”. Até o dicionário sabe isso. Não adianta tentar fugir.
JUNHO
Desgoverno
Um dos sentidos para o substantivo masculino “desgoverno” é “falta de governo”, o que, na política europeia recente, pode ser entendido literalmente.
Notícia de sexta-feira, dia 1 de Junho: “Quase ao mesmo tempo que os espanhóis assistiam à queda do Governo de Mariano Rajoy, num processo de que muitos duvidavam até há poucos dias, os italianos seguiam pela televisão uma tomada de posse que já poucos julgavam ser possível. Ao fim de uma semana de impasse, o Presidente Sergio Mattarella assinou os papéis e consumou a chegada ao poder de um Governo nacionalista e anti-sistema, a meias entre a Liga e o Movimento 5 Estrelas.”
“Descaminho” e “desordem” são sinónimos de “desgoverno” e remetemos para o editorial do PÚBLICO de ontem: “Tudo isto, em Espanha e Itália, apanha a União Europeia num momento sensível, o da saída do Reino Unido, o da negociação do próximo orçamento europeu, o da alegada ‘reforma da zona euro’. Nas próximas semanas, vamos ouvir falar de novo da fragilidade da Europa e do seu projecto. Na verdade, o que está realmente frágil são as democracias nacionais.”
Análise de Jorge Almeida Fernandes: “Não será possível governar durante alguns meses em estilo de pré-campanha eleitoral. De resto, o PSOE tem outro problema, o da ‘nova maioria’. Com 84 deputados, os socialistas são minoritários entre os 180 deputados que votaram a moção.”
Outros significados: “esbanjamento” e “desperdício”. Entre discussões sobre modelos equivalentes à “geringonça” CostaSousa&Martins e sobre alianças entre extrema-esquerda e extrema-direita, lembramo-nos de que a Bélgica esteve praticamente um ano sem governo, em 2010-2011.
E...? Fica a sensação de que se calhar os governos não fazem assim tanta falta. Mesmo temporariamente sem eles, o mundo pula e avança.
“Desgovernar” traduz-se por “não obedecer ao leme”.
Alunos
Plural de “aluno”, que significa “pessoa que recebe formação de um ou mais professores, geralmente num estabelecimento de ensino, de forma a adquirir e/ou aumentar os seus conhecimentos em diversas áreas”.
Por estes dias, voltámos a ouvir falar muito de professores e das suas reivindicações à volta de “recuperação de tempo de serviço”, de “progressão de carreiras” e de “compromissos”. Lutar por direitos que se acham devidos faz parte da democracia. Nada a assinalar.
Gostaríamos no entanto de ouvir falar um pouco mais dos “alunos”, que nesta fase precisam de tranquilidade e de terem a certeza de que as suas notas serão lançadas, para assim se concentrarem nas provas que se avizinham. Algumas decisivas para o seu futuro.
“Greve já impediu reuniões de avaliação em 100 escolas, diz sindicato”, noticiou-se na segunda-feira. O novo sindicato chama-se Stop e pode “impedir os alunos a quem não tenha sido dada nota de fazerem os exames nacionais, que começam a 18 de Junho, com a prova de Filosofia do 11.º ano. No dia seguinte, há exame de Português para os alunos do 12.º ano. No 9.º ano, a primeira prova (Português Língua Não Materna) está marcada também para 19 de Junho”.
Existem nada mais nada menos que 23 sindicatos de professores. Também se noticiou que se vão voltar de novo para o Parlamento. “Segundo o líder da Fenprof, há uma maioria de deputados que está ‘comprometida’ com a causa dos docentes em relação à recuperação do tempo de serviço.”
Um “estudante” é uma “pessoa que recebe ou recebeu instrução de um mestre ou preceptor”. Também se pode designar por “discente”, “discípulo”, “aprendiz” ou “educando”. Poderíamos acrescentar “vítima recorrente de braços-de-ferro entre professores e governantes”.
A palavra vem do latim alumnu, que se traduz por “criança que se dá para criar”. Coitada.
Mediterrâneo
Escreve um dicionário comum sobre “Mediterrâneo”: “Mar que banha a Europa e os continentes africano e asiático.” Descreve ainda: “Que se situa entre terras, continentes.”
A enciclopédia geográfica é mais rigorosa, como se esperaria: “Mar intercontinental, situado entre a Europa meridional o Norte de África e o Sudoeste da Ásia. Pelo Ocidente comunica com o Atlântico, através do estreito de Gibraltar, e por Este, através do canal do Suez, com o Índico. A sua extensão (2.505.000km2), o seu tráfego e a sua história tornaram-no um dos mares mais importantes do globo.”
Nos últimos anos, este mar azul, de águas muito salinas e temperaturas amenas, tem sido notícia não pela geografia física, mas pela geografia humana. Em rigor, desumana. De tal modo que nasceu uma organização de nome SOS Mediterrâneo.
As mais recentes envolvem as 629 pessoas a bordo do Aquarius, que ficarão a salvo (do mar). Mas não faltam histórias dramáticas, que transformaram o Mediterrâneo num imenso cemitério.
E assim vai continuar, como alertou a directora-geral da SOS Mediterrâneo, Sophie Beau: “É a ausência de meios cruciais para salvar vidas e são novas vítimas que acontecem debaixo dos nossos olhos, são mortes anunciadas.” E questionava: “Enquanto o Aquarius vai fazer 1500 quilómetros para desembarcar os migrantes em Valência, o que se passa na zona de naufrágio?”
Dizia recear “um grande vazio ao largo da costa líbia, onde todos os dias dezenas de pessoas tentam atravessar em embarcações improvisadas”. Na terça-feira, 41 náufragos foram socorridos e pelo menos 12 pessoas morreram.
Notícia de dia 3 de Junho: “De acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), desde o início de 2018 e até 30 de Maio chegaram à Europa 32 mil migrantes por via marítima. Cerca de 660 morreram ao tentar atravessar o Mediterrâneo. Em 2017, chegaram 70.870 pessoas por mar e 1724 morreram na travessia.”
Título no mesmo dia: “Ilhas de sonho no Mediterrâneo para ir de férias aqui ao lado.”
Como bem reflectiu Jorge Almeida Fernandes, no artigo “Quando faltam as ‘boas notícias’”, “vivemos uma época em que domina a incerteza, bem resumida na expressão ‘já não entendo este mundo’”. É exactamente isso.
Invisível
Do latim invisibile. “Que não se vê” ou “que não se pode ver” são duas das descrições que o dicionário nos oferece para a palavra “invisível”. Vivemos rodeados de coisas que “não são evidentes, que escapam à observação e à atenção das pessoas”.
Pensamentos, sentimentos, dores e alegrias nem sempre têm tradução visível. Como é que se pode “revelar” a indignação que se sente ao saber de crianças mantidas em gaiolas e medicadas contra a sua vontade e sem o consentimento dos pais? Se o seu choro permite “mostrar” uma parte do que estão a sentir, outra “escapará à vista” por muito tempo. Todo o tempo.
A “invisibilidade” de algo pode decorrer de uma intenção — “que se esconde ou não aparece” —, mas também da sua “pequenez”, “posição”, “distância” ou “natureza”. E queremos falar de “trabalho invisível”. Aquele que, sendo “imperceptível”, faz com que tudo funcione. Só se dá por ele quando falha.
Por isso foi mais que justo o protesto dos trabalhadores (sobretudo trabalhadoras) da limpeza na sexta-feira em Lisboa. “Foram para a rua exigir melhores condições. Greve foi preparada durante anos pelo sindicato. Duas empresas já foram obrigadas pelo tribunal a pagar 500 mil euros por incumprimento de contrato colectivo”, noticiou-se.
No Brasil, “invisível”, enquanto substantivo, significa “grampinho finíssimo ou linha de rede também muito fina, para prender os cabelos”.
Dentro dos trabalhos invisíveis, há os que são imateriais. Funcionam como catalisadores de outros e dos outros — pela motivação, crítica, aceitação. Não nos deixam cair.
Lucília Santos, adjunta da direcção do PÚBLICO, cumpria-os muito bem. E com alegria.
JULHO
Tutti Frutti
Não vamos falar de gelados nem de sumos, mas na verdade foi assim que conhecemos, lá atrás no tempo, a expressão italiana “tutti frutti”. Saborosa até. Significado: “Constituído por ou aromatizado com diversos frutos.” Não contávamos associar, tantos anos depois, a algo sujo e feio.
Título de quarta-feira: “Buscas ao PS e PSD por suspeitas de corrupção e tráfico de influência”. Ficou ali a saber-se que, “sob investigação, estão suspeitas de corrupção em ajustes directos das autarquias a militantes socialistas e sociais-democratas”. Noticiou-se ainda que a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa tinha realizado cerca de 70 buscas e que a operação era coordenada pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária e pelo Ministério Público, de seu nome Operação Tutti Frutti.
Se fosse uma operação de marketing, poderia ser vendida como “um novo conceito para uma nova mistura”: laranjas (PSD) e rosas (PS). E com “ingredientes” de várias proveniências: Lisboa, Vila Nova de Famalicão, Santa Maria da Feira, Esposende e Ponta Delgada. “Militantes felizes”, plagiando o slogan de uma marca de leite dos Açores.
Há muita gente a trabalhar na Tutti Frutti: cerca de 200 inspectores de vários departamentos da PJ, três juízes de instrução e 12 magistrados do Ministério Público. “Haja polícias e magistrados para tudo isto. E tudo, sublinhe-se, em quatro anos. É um autêntico terramoto político, financeiro e judicial”, escreveu João Miguel Tavares.
Mais operações hão-de surgir, pois a corrupção parece imparável, assim como a imaginação da Polícia Judiciária para as nomear.
O que gostávamos mesmo era que conseguissem apanhar “todos sem excepção”. Em italiano, tutti quanti.
Autor
Chama-se “autor” a uma “pessoa a quem se deve uma obra científica, artística, literária, etc.” ou, dito de outra forma, àquele “que inventa ou é causa primeira de uma coisa”. O suporte não é mencionado nos dicionários.
Na semana que passou, o Parlamento Europeu votou contra a nova proposta de directiva para os direitos de autor na Internet. “A proposta de regras tinha o objectivo de limitar a pirataria online. Mas várias organizações de activistas de direitos digitais — entre as quais, a associação portuguesa D3 (Defesa dos Direitos Digitais) e o departamento português da Internet Society —, bem como académicos e personalidades da Internet argumentam que a forma como foi formulada podia representar uma ameaça à liberdade na Internet”, noticiou-se.
Em causa, a imposição de limites à recolha e análise de dados, a cobrança pela partilha de links, a responsabilização das plataformas pela divulgação de conteúdo pirateado e a possibilidade de utilização de filtros automáticos de reconhecimento de conteúdos.
Resgate
Tem sido mais comum usar-se o substantivo masculino “resgate” para se falar de economia, sobretudo no sentido de “empréstimo concedido a uma entidade em situação de ruptura financeira”. Nos tempos da troika em Portugal, “dívida” e “resgate” andavam sempre a par. Mas desta vez queremos reflectir sobre um significado mais feliz que o dicionário também regista, “operação de salvamento”.
Nunca a Tailândia teve tanto tempo de antena como por estes dias nem tanta solidariedade internacional. Na terça-feira, 10 de Julho, o texto com a boa notícia era este: “Os rapazes da equipa de futebol que, juntamente com o seu treinador, estavam há 18 dias presos numa gruta no Norte da Tailândia foram todos resgatados. O alívio foi de tal forma generalizado que muitos líderes mundiais reagiram.”
O exemplo que o dicionário escolheu não se refere a grutas, mas a um outro cenário que infelizmente tem sido recorrente, “resgate dos sinistrados do naufrágio”.
O verbo “resgatar” traduz-se por “libertar de cativeiro”, muitas vezes em troca de “quantia ou outra concessão exigida para a libertação de alguém preso ou sequestrado”. Não foi disso que se tratou na gruta.
Um pouco mais da boa notícia: “Finalmente é possível respirar de alívio. Os 12 rapazes da equipa de futebol Wild Boars (Javalis Selvagens) e o treinador de 25 anos saíram da gruta de Thuam Lang, no Norte da Tailândia, onde estavam presos desde o dia 23 de Junho. ‘Não temos a certeza se isto é um milagre, ciência, ou outra coisa qualquer. Todos os 13 ‘Javalis Selvagens’ estão fora da gruta’, disse a unidade de Seals da Marinha tailandesa na sua página de Facebook.”
Há outras definições, em sentido figurado, para “resgate”. São elas “liberdade” e “remissão”, esta última enquanto “salvação do género humano”. Por uns dias até pareceu possível.
A Sociedade Portuguesa de Autores informa no seu site que o Grupo Europeu de Sociedades de Autores (GESAC) difundiu a posição de apoio público ao documento dos músicos Paul McCartney, Ennio Moricone e Jean-Michel Jarre e do realizador Pedro Almodóvar.
Diz ainda que “o GESAC desempenhou um papel de grande importância estratégica, tornando este debate inadiável e denunciando a acção divisionista e agressiva dos gigantes da Internet”.
Entre 10 e 13 de Setembro, Estraburgo tentará, com um novo texto, encontrar a latitude certa entre o fantasma da censura e o aproveitamento por parte dos gigantes tecnológicos dos conteúdos de que não são “criadores” — sinónimo de “autores”.
Festivais
Plural de “festival”, que significa “série de espectáculos de música, teatro ou cinema, que têm lugar num curto período de tempo”.
Numa definição mais completa: “Série de eventos de índole artística, cultural ou desportiva, que decorre ao longo de um determinado período de tempo, geralmente de forma periódica, podendo ou não ter carácter competitivo.”
A primeira vez que explorámos por aqui o sentido desta palavra foi em Agosto de 2014, no pico dos “festivais” de Verão. De música, bem entendido. Agora, antecipamos esses acontecimentos porque também eles começaram a multiplicar-se muito antes no calendário.
Segundo a Aporfest, quase metade dos festivais de música organizados em 2017 (foram 272 no total) não aconteceu no Verão. Os “vencedores” são os de rock, electrónica e hip hop. Mas também os há de jazz e até de fado.
Igualmente se informa que houve 2,5 milhões de pessoas que quiseram assistir a concertos neste tipo de ambiente. Mais mulheres e, no geral, espectadores com menos de 30 anos. Quem tem mobilidade reduzida não se aventurou muito, só 1%.
Mas a ideia de “festival” abrange ainda encontros de teatro, cinema, gastronomia, literatura, artes de rua, etc. Nem todos de grande dimensão nem em grandes centros urbanos, mas de forte dinamismo e interesse para os locais em que se realizam.
Usando sinónimos, são “festas”, “festejos”, “folguedos”, “grandes divertimentos” que se espalham por todo o país, com empenho das autarquias e comunidades, mas com pouca expressão na comunicação social.
O folclore mediático dedica-se mais aos “festivais” patrocinados por grandes marcas e ao sempre ridículo (desculpem lá os mais aficionados) Festival Eurovisão da Canção. O de 2018 parecia mesmo não ter fim. E que bem que terminou…
Aviões
O substantivo masculino “avião” tem origem na língua francesa, avion, e significa “aparelho de navegação aérea, com duas asas, de dimensões e funções muito variadas, que se desloca na atmosfera por meio de motores, a hélice ou a reacção”.
Um dicionário mais antigo acrescenta ser “o mesmo que” “aeroplano”, “hidrovião”, “hidroplano”.
Na última semana, vários “aviões” aterraram nas notícias. Na segunda-feira, ficava a saber-se que Portugal enviaria dois aviões para combater incêndios na Suécia — numa espécie de reviravolta climática. “Os dois aviões médios anfíbios disponibilizados à Suécia pelo Governo português partem nesta terça-feira de manhã”, escreveu-se. Informou-se ainda que a Força Aérea Portuguesa disponibilizava um voo de apoio (C295).
No mesmo dia, outra “aeronave” merecia vasto tempo de antena: o Airbus A380, maior avião de passageiros do mundo, aterrou em Beja. Num aeroporto há muito desprezado (desde 2011) e numa região mais desprezada ainda, como bem lembrou o Movimento Beja Merece +.
Na notícia, podia ler-se que o Governo continua a “não adiantar uma data para a electrificação da via-férrea entre Casa Branca/Évora e Funcheira/Ourique ou a abertura do IP8, que tem um troço de 16 quilómetros concluído mas que não abre ao trânsito há quase um ano por alegadamente ter havido um erro na concepção da respectiva portagem”. Lamentável. Mais ainda quando não há discursos políticos sem o uso repetido da palavra “interior”.
Por último, as páginas e os ecrãs noticiosos europeus foram sobrevoados pelos “aviões” da companhia irlandesa Ryanair, em resultado do protesto das tripulações de cabine. Exigem que se aplique a legislação nacional para a licença de parentalidade, garantia de ordenado mínimo e que se retirem processos disciplinares por baixas médicas ou vendas a bordo abaixo das metas definidas pela empresa.
Os passageiros afectados reclamam muito, mas gostam de pagar pouco para viajar por aí. Estão de férias e a desfrutar dos seus direitos... São os mesmos que se indignam com o encerramento das livrarias, mas compram livros através da Amazon.
“Avião”, no Brasil e num uso informal, é um “vendedor de droga em pequenas doses” — um “passador”. Cá e lá, também se pode chamar “avião” a uma “pessoa considerada muito atraente”. Mas esses são outros voos.
AGOSTO
Especulação, incoerência, moralidade
Não há como o dicionário para nos esclarecer: clarifica conceitos, apresenta múltiplos sentidos e convoca-nos para diferentes leituras.
As definições que se seguem de “especulação”, “incoerência” e “moralidade” são uma escolha que serve um propósito contextualizado: a polémica em torno dos investimentos imobiliários em Lisboa de Ricardo Robles, vereador eleito pelo Bloco de Esquerda e arauto da defesa dos despejados da capital.
O leitor pode retirar do dicionário outras explicações, mas não andarão muito longe destas.
Aqui fica uma espécie de dicionário de bolso que serve para qualquer político — da esquerda caviar à direita carapau.
“Especulação” pode traduzir-se por “operação financeira ou comercial que se aproveita das flutuações do mercado para obter lucros exagerados, por vezes, pouco legítimos”. Em sentido figurado, “logro”, “exploração”. Na forma verbal intransitiva, “especular” é o mesmo que “procurar vantagens próprias”. Alguma dúvida?
O substantivo “incoerência” significa “falta de coerência, de unidade ou de sequência lógica entre factos, ideias ou comportamentos”. Bastante claro.
“Moralidade” tem origem latina e quer dizer “qualidade do que tem moral, do que é conforme à moral vigente”. O dicionário dá um exemplo: “A moralidade de um acto.” E acrescenta outra definição: “Atitude ou conduta moral de um indivíduo ou de um grupo.” Exemplo: “Pessoa de moralidade duvidosa.” Ficamos esclarecidos.
A mistura destes três ingredientes (em doses variáveis) levou à demissão de Robles, que se viu “limitado na intervenção como vereador”. Demorou a perceber, dando tempo aos bloquistas mais mediáticos de revelarem a sua própria “incoerência” e frouxa “moralidade”. (A amizade é bonita mas não pode ser míope.)
Catarina Martins manifestou-se contra os jornalistas, pois o BE sempre beneficiou de “boa imprensa” e até de tempo de antena excessivo face à totalidade do seu eleitorado. Injusto e desproporcionado comparando com o PCP.
Talvez as “carinhas larocas” sempre tenham algum efeito. Na campanha das autárquicas, escutámos muitas eleitoras lisboetas a suspirar ante “os olhos de mar” (a frase não é nossa) do candidato Ricardo Robles. E eleitores também. (Ai, ai, ai que nos íamos esquecendo das questões de género.)
Vitória
“Acto ou efeito de triunfar do inimigo em batalha.” Este é o primeiro significado que um dicionário de 1971 regista para o substantivo feminino “vitória”. Segue-se um menos bélico, “triunfo obtido em qualquer prémio ou competição (desportiva, literária, política, etc.)”, ao que se acrescenta ainda “resultado feliz obtido através de certos esforços”.
Foi uma semana rica em “vitórias” para Portugal. No desporto, bem entendido. Falamos de atletismo e automobilismo: Inês Henriques conquistou a medalha de ouro nos Campeonatos da Europa de Atletismo em Berlim, ao vencer a prova dos 50 quilómetros de marcha. Ricardo dos Santos bateu recorde nacional dos 400 metros e foi o primeiro português a participar numa final de Europeus de atletismo nesta categoria. Nelson Évora disputa neste domingo a final do triplo salto também em Berlim. Já no Grande Prémio da República Checa, Miguel Oliveira ascendeu ao primeiro lugar em Moto2, passando a líder do Mundial.
“Vitória”, além de ser “uma variedade de maçã” e “certa matéria corante azul”, é “um veículo ligeiro de quatro rodas, com assento para duas pessoas, capotável, com o lugar para o cocheiro e trintanário montado sobre uma ligeira armadura metálica; em alguns deles, este lugar dos serventuários pode desmontar-se”. Dir-se-ia uma “geringonça”.
Num dicionário mais recente, já se usa a palavra “sucesso” para descodificar “vitória”. Em se falando de combate a incêndios, António Costa prefere a primeira, Eduardo Cabrita escolhe a segunda. Diz assim: “Sucesso ou vantagem numa luta, numa competição desportiva, num confronto.” E dá um exemplo que parece encaixar no pensamento dos governantes, seja qual for o cenário: “Obter uma vitória nas eleições.”
Mais adequada ainda é uma das explicações de um dicionário online para a expressão “cantar vitória”, que se traduz por “gabar-se de um êxito ou de um triunfo”. Atitude de insensibilidade cruel com a triste paisagem de Monchique em fundo.
Colapso
Existem vários significados para o substantivo masculino “colapso”. Os que se impõem pela actualidade são “queda” e “abatimento”, a que o dicionário acrescenta a frase exemplificativa: “Deficiente construção provocou o colapso do edifício.”
Na terça-feira, Génova, em Itália, viu desmoronar-se não um edifício, mas parte do viaduto Morandi, que se integra na auto-estrada que liga Génova a Ventimiglia, perto da fronteira com França. No sábado, 41 era o número oficial de vítimas mortais, dia em que foram homenageadas, mas em clima de contestação.
“O colapso aconteceu numa altura do dia em que a cidade estava a ser fustigada por chuva intensa e trovoada — várias testemunhas disseram que viram um raio atingir a ponte. Mas não foi preciso muito tempo para que todos constatassem o óbvio, sintetizado pelo secretário de Estado dos Transportes e Infra-estruturas, Edoardo Rix: ‘Uma ponte destas não se desmorona por causa de um raio, nem por causa de uma tempestade’”, noticiou-se.
O vice-primeiro-ministro italiano, Luigi Di Maio, acusou a concessionária da ponte, Autoestrade per l’Italia, pela “derrocada”. O Governo insistiu na suspensão da cobrança de portagens, argumentando: “Não é possível que neste país se morra a pagar portagens.”
“Colapso” também se pode traduzir por “estado de decadência ou degradação” ou ainda por “ruína”. O dicionário sugere o exemplo “colapso financeiro”. Talvez seja esse o cenário futuro do Atlantia, que controla a Autostrade per l'Italia, que logo na quinta-feira sofreu uma forte desvalorização em bolsa: “A descida chegou a 25% do seu valor inicial.” E o Governo italiano ameaça retirar-lhe a concessão das auto-estradas. Mas também ele é contestado.
Outros significados menos dramáticos para “colapso” — “sono das folhas” ou “estado de uma flor ou folha que se fechou”.
Aliança
Uma “aliança” é um “acordo entre pessoas, entidades ou partidos que se prometem apoio em causa comum”, descreve o dicionário. E dá como exemplos “fazer uma aliança” e também “política de alianças”. Até parece que estamos a falar do PS e amigos, mas não.
“Aliança” é o nome do novo partido de Pedro Santana Lopes, que saiu do PSD e recolhe agora assinaturas para formalizar uma força política que diz ser “personalista, liberalista e solidária” e também “europeísta, mas sem dogmas, sem seguir qualquer cartilha e que contesta a receita macroeconómica de Bruxelas”.
O nome escolhido remete de imediato para a Aliança Democrática (AD), que a Comissão Nacional de Eleições regista assim: “Coligação eleitoral formada pelo PPD/PSD, CDS e PPM, cujos principais impulsionadores foram Francisco Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Gonçalo Ribeiro Telles, respectivamente. Concorreu às eleições legislativas de 1979 e 1980, obtendo nos dois actos eleitorais a maioria absoluta. Durou até 1983, altura em que os partidos concorreram às eleições legislativas separados. A morte de Sá Carneiro e de Adelino Amaro da Costa constituiu um duro golpe para a coligação.”
A designação “Aliança” deixa-nos pelo menos duas dúvidas: uma de conteúdo, aliança com quem?, e outra de forma, “a” ou “o” Aliança? A baralhação com o género foi nítida nos primeiros dias de informação divulgada. Por aqui, depois de argumentações várias, decidiu-se pelo feminino.
“Aliança” também significa “laço existente entre duas famílias, mediante casamento” e “anel, geralmente liso, que simboliza o casamento ou um comprometimento”.
Segundo a Bíblia, é um “pacto entre Deus e os homens”. Há ainda a “Arca da Aliança”, o baú de madeira onde estariam guardadas as tábuas dos dez mandamentos. Seja.
SETEMBRO
Ouro
Substantivo masculino de origem latina (aurum), “ouro”, quimicamente falando, é o “elemento com o número atómico 79 e símbolo Au, metal amarelo-brilhante, extremamente maleável e dúctil, inoxidável e inatacável pelos ácidos, empregado em joalharia e em moedagem”.
Trata-se também do metal escolhido para as medalhas que distinguem os melhores. Na semana que passou, vários atletas portugueses conquistaram-no. Um deles em dose dupla: Fernando Pimenta, canoísta.
Na notícia de domingo com o título “Ouro a dobrar: Fernando Pimenta revalida título mundial no K1 5000”, escrevia-se: “Fernando Pimenta alcançou neste domingo a segunda medalha de ouro no Campeonato do Mundo de canoagem de velocidade, que terminou há pouco em Montemor-o-Velho. Na prova de K1 5000m, a mais longa distância do programa, o atleta minhoto revalidou o título alcançado no ano passado, em Racice, cumprindo o trajecto em 21m43s.”
Na véspera, já o atleta tinha vencido a prova em K1 1000m. No entanto, não teve direito a “tempo de antena” significativo, pois era dia de bola e havia disputa entre Sporting e Benfica. O “desporto-rei” arrastou os “vassalos”.
Também nas provas de atletismo adaptado, que decorreram na Alemanha, Portugal brilhou e provocou uma “chuva de ouro” (que significa “grande abundância”). Das 17 medalhas conquistadas, sete têm “cor amarela brilhante” e houve também direito a dose dupla para Sandro Baessa (400 e 800 metros T20).
Os outros vencedores foram Cristiano Pereira (1500 metros T20), Carolina Duarte (400 metros T13), Luís Gonçalves (200 metros T12), Carina Paim (400 metros T20) e Mário Trindade (100 metros T51/52). Também eles quase sempre meio-escondidos entre as persistentes notícias, comentários e análises à volta do futebol.
“Ouro”, “em pintura, desenho e gravura, na falta da cor metálica, designa-se por um ponteado muito miúdo”. Em sentido figurado, traduz-se por “aquilo que tem grande estima, grande valor, que é moralmente inestimável”. Há uma planta da serra de Sintra que se chama “ouro-vale”. A expressão “ouro sobre azul” traduz-se por “uma coisa excelente, maravilhosa, que se conjuga com outra também muito boa”. No plural, “ouros” é “um dos quatro naipes do baralho de cartas de jogar”.
Passado
Todos temos um “passado” (melhor, dois: pessoal e colectivo). Entre vários registos dos dicionários, comecemos por estes, para o descodificar: “O tempo que passou, os tempos idos” e também “a memória colectiva dos acontecimentos”.
Há ainda a frase “honrar gerações passadas”. Essa será uma das funções dos museus. Pelo menos dos que tentam preservar a história e a memória do mundo. E de todos nós.
O Museu Nacional do Rio de Janeiro, no Brasil, ardeu recentemente. Não é preciso ser-se historiador para valorizar o “intervalo de tempo que, na ordem cronológica, antecede o presente”.
Notícia de segunda-feira, “O incêndio do Museu Nacional do Rio foi ‘a queima de 200 anos de História’”: “Uma ‘perda traumática’, ‘absoluta e irremediável’, ‘irreparável’, ‘uma tragédia’, ‘uma vergonha internacional’ – foi assim que os investigadores, historiadores, antropólogos brasileiros e portugueses ouvidos pelo PÚBLICO descreveram o impacto do incêndio que, desde o final de domingo (19h30 no Rio, 23h30 em Lisboa) e até metade do dia de segunda-feira, destruiu quase totalmente o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, edifício histórico com 200 anos, reduzindo a cinzas colecções únicas e insubstituíveis.”
Rui Tavares, no texto “Brasil: o gigante a quem ardeu o passado”, lembrou: “Isto não deixa de ser verdade por ser uma banalidade: tratar melhor o seu passado ajudaria o país a tratar melhor o seu presente e o seu futuro.”
O dicionário sugere também, para o vocábulo “passado”, “período da vida de uma pessoa ou de uma instituição, com todos os acontecimentos e vivências”. E dá dois exemplos, “uma instituição com um passado riquíssimo”, que se adequa ao museu, e outro ao contrário, “ela prefere esquecer o passado e voltar-se para o futuro”. Quase nunca é fácil.
Recomeçar
“Começar de novo ou ter recomeço o que se interrompeu.” Isto é, “continuar”. O dicionário dá vários exemplos para este verbo transitivo e intransitivo. “Recomeçar um trabalho” ou “o deputado não conseguiu recomeçar a sua intervenção”. (Às vezes, ainda bem.)
Uma das frases registadas questiona: “Quando é que as aulas recomeçam?” Pois bem, a esta podemos responder: amanhã, segunda-feira, dia 17 de Setembro. Mas desde quarta-feira que algumas escolas já “reiniciaram” o trabalho. É portanto tempo de “regressar” às aulas.
Leia-se um excerto da notícia de dia 12 de Setembro: “Entre esta quarta e a próxima segunda-feira, os alunos das escolas públicas voltam às aulas. Será um ano lectivo de adaptação ao paradigma da escola inclusiva e em que mais turmas terão currículos flexíveis.”
Na mesma notícia se dá conta das novidades neste “retomar” do ensino no novo ano lectivo: mais de 520 mil alunos têm manuais gratuitos, a educação especial passa a educação inclusiva, a flexibilidade curricular é alargada a todas as escolas, as turmas são mais pequenas, a disciplina de Educação Física volta a contar para a média e acabaram-se as moradas falsas.
“Voltar a acontecer” também é tradução para “recomeçar”. E nesta data repetem-se as ansiedades e expectativas de quem estuda, de quem ensina e de quem educa. É sempre assim em Setembro.
Por isso escutámos, na quarta-feira, na IV Conferência Anual de Educação, em Setúbal, o secretário de Estado da Educação a desejar a todos — professores, alunos e famílias — “um feliz ano novo”. João Costa parecia sincero.
Também há “recomeços” sem data marcada. Nem sempre felizes.
Saída
Quando na quinta-feira à tarde se escolheu descodificar aqui a palavra “saída”, tinha-se em mente e como pretextos o “Brexit” (“adeus” do Reino Unido à União Europeia) e a “despedida” do ensino de Marcelo Rebelo de Sousa, que deu a sua última lição na Aula Magna da Universidade de Lisboa.
Nesse mesmo dia à noite, “saiu-nos” outra “saída”, a da procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, que será substituída por Lucília Gago a 12 de Outubro. Não conseguimos perceber ainda se preferia continuar ou não.
“A hipótese de ser reconduzida nunca me foi colocada”, disse. Excerto de declarações aos jornalistas sexta-feira de manhã: “Só soube ontem às oito da noite [uma horas antes de o anúncio ter sido feito na página da Presidência da República].”
Quando se quis saber quem a informou, teve esta “saída”: “Foi um passarinho.” Nesta acepção, a palavra significa: “Dito, resposta ou observação feita com humor, de forma repentina, perspicaz e oportuna.” Pode também ser entendida como “piada” ou “graça”.
Sem humor esteve Theresa May, primeira-ministra britânica, que reagiu desta forma à rejeição dos líderes europeus da sua proposta para o “Brexit”: “Que a União Europeia tenha bem claro: não vou reverter o resultado do referendo nem vou desmembrar o meu país.” O “plano Chequers” (um acordo de livre comércio de bens agrícolas e industriais) não parece ser ainda a melhor “saída” (solução) para a “saída” (abandono) da UE.
Marcelo Rebelo de Sousa acabou de “sair” da vida académica, no sentido de “cessar ou concluir uma actividade”. Mas é certo que o Presidente da República não resistirá a continuar a dar-nos lições. Nem sempre certas.
“Para maiores de 18”
Descubra as diferenças. O primeiro aviso à entrada das duas salas reservadas na exposição Robert Mapplethorpe: Pictures, em Serralves, era este: “Alertamos para a dimensão provocatória e o carácter eventualmente chocante da sexualidade contida em algumas obras expostas. A admissão nesta sala está reservada a maiores de 18 anos.” Depois, passou a ser este: “Dado o carácter sexualmente explícito de obras expostas nesta área, o acesso à mesma é reservado a maiores de 18 anos e a menores acompanhados dos respectivos representantes legais.”
Preferimos ater-nos às semelhanças. A expressão, presente nas duas advertências, “maiores de 18”. Parece-nos bem. Acrescente-se-lhe o “para” e obteremos a classificação etária mais elevada para “os espectáculos de natureza artística e os divertimentos públicos”.
Esta classificação “de obras e conteúdos culturais é da competência da Inspecção-Geral das Actividades Culturais”, escreve-se no site da IGAC. Mas, segundo o seu inspector-geral, Luís Silveira Botelho, “as exposições de arte não carecem de classificação etária”.
Os outros escalões são “para maiores de 3 anos”, “de 6 anos”, “de 12 anos”, “de 14 anos” e “de 16 anos”. Para que servem? “A classificação etária é norteada pelos princípios de protecção de menores e de defesa do consumidor, consistindo em aconselhar a idade a partir da qual se considera que o conteúdo do espectáculo ou do divertimento público não é susceptível de provocar dano prejudicial ao desenvolvimento psíquico ou de influir negativamente na formação dos menores em causa.” Parece-nos bem.
Sobre o escalão mais elevado, diz-se: “Sempre que o espectáculo ou divertimento público possua conteúdo considerado pornográfico, de acordo com os critérios fixados pela Comissão de Classificação, o mesmo é classificado ‘Para maiores de 18 anos – Pornográfico’.”
Se todo este ruído à volta de contradições, disputas de poder e egos dilatados servir para que haja bom senso, mantendo-se a liberdade de o adulto escolher aquilo a que expõe os menores a seu cargo, protegendo-os, parece-nos bem. Muito.
OUTUBRO
Encenação
“Acção ou resultado de encenar, de pôr em cena um espectáculo, sobretudo teatral, dando-lhe forma e expressão no espaço, movimento e tempo reais” — assim se define “encenação”.
O “espectáculo” de que queremos falar não subiu ao palco, antes desceu ao quartel e à caserna.
Como é prática nalguns dicionários, a seguir à definição do conceito, sugerem-se frases exemplificativas que o clarifiquem. Decidimos acrescentar aqui alguma informação, entre parêntesis rectos, à frase que nos foi dada por um dicionário. Isto para melhor se entender e contextualizar esta “actuação” em concreto.
“A encenação envolve o cenário [paiol de Tancos], a figuração [militares e GNR], a representação [Polícia Judiciária Militar], etc. [ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes?].”
Quanto mais se vai sabendo sobre o “teatro” do roubo e devolução de material militar de Tancos, menos se consegue acreditar. “Fiquei incrédulo”, disse até um coronel, Oliveira Batista, que “esteve nove anos na Polícia Militar, onde lidou com vários casos de corrupção, como o do fornecimento de fardas portuguesas à Polónia, no final dos anos 1990”.
Há outras explicações, de uso familiar ou sentido figurado, para este substantivo feminino, como “conjunto de acções, de atitudes, etc., tendentes a impressionar ou a iludir” e “simulação de comportamento ou de situação com vista a impressionar ou enganar alguém”. Estamos esclarecidos.
Um dicionário de origem brasileira lembra-nos alguns sinónimos: “auto”, “peça”, “exibição”, “montagem”, “representação”.
Cada cidadão pode escolher o que lhe parecer mais sugestivo, mas certamente não irá aplaudir o “encenador” quando finalmente descer o pano.
Extrema-direita
Lamentavelmente, vemo-nos obrigados a descodificar aqui o conceito de “extrema-direita”. Sim, por causa das eleições presidenciais no Brasil e da forte possibilidade de Jair Bolsonaro ser eleito na segunda volta, a 28 de Outubro.
Dizem os dicionários: “Ideário político, doutrinário e ideológico, representativo de valores conservadores radicais” e “partido ou conjunto de partidos representativos desse ideário”. Mais: “Conceito genérico que designa um conjunto de partidos, agentes políticos e população que partilha doutrinas, ideologias, orientações ou princípios considerados mais à direita dos tradicionais partidos conservadores, ou mais extremados do que estes.” O mesmo que “ultradireita” ou “ultradireitismo”.
Jorge Almeida Fernandes, no artigo de opinião “O projecto autoritário de Bolsonaro: uma hipótese de trabalho”, cita o politógo Jairo Nicolau: “No domingo à noite, vimos um grande partido de direita nascer. Com os votos que obteve e os recursos [públicos] que receberá a partir de 2019, já nasce como um actor central do novo quadro partidário.” E acrescenta: “É uma ‘nova direita’, composta por uma área de extrema-direita, outra da direita ‘pragmática’ e diversos centristas.”
Mas, a avaliar pelos alguns dos nossos leitores brasileiros e pelos seus comentários, Bolsonaro não é de “extrema-direita” é tão-só “conservador”. Exemplo chegado em resposta ao artigo de opinião “O suicídio político de Haddad”, de André Damas Leite. Diz o leitor Roger Ramos: “Bolsonaro não é de extrema-direita, ele é conservador. Não tem um plano autoritário, quer liberar a economia brasileira e atrair investimentos. Quer unir o Brasil e pacificar os brasileiros, divididos pelo discurso de ódio de 20 anos de esquerda e extrema-esquerda no Brasil. Haddad, por sua vez, é sim de extrema-esquerda (…).”
Já Wiliam Chohfi, em resposta ao artigo de Francisco Assis “Um canalha à porta do Planalto”, escreve: “O seu comentarista deve ser um comunista, que deveria ir viver em Cuba ou na Venezuela. Não reconhecer a roubalheira do PT é de uma ignorância imperdoável. Por favor deixe que os brasileiros respondam aos colunistas com os seus votos (…).”
“Extrema-direita” também significa “posição do jogador de futebol que actua na extremidade direita da linha dianteira”. Pena que o assunto aqui não seja bola.
Dragar
“Dragar” significa “limpar ou desobstruir com draga”. Por sua vez, “draga” corresponde a “aparelho que serve para escavar e remover areia, lodo, entulho, etc. do fundo dos rios, dos lagos, de canais ou do mar”.
É o que está previsto acontecer no estuário do Sado. Pretende-se remover 6,5 milhões de metros cúbicos de areia do fundo do rio para que navios de grande porte possam entrar no porto de Setúbal. Ambientalistas e cidadãos manifestaram-se no fim-de-semana passado contra esta decisão da Administração do Porto de Setúbal e Sesimbra.
A “dragagem” põe em causa o equilíbrio de todo o ecossistema. Teme-se a erosão das praias da Arrábida, os efeitos na qualidade da água e nas pradarias marinhas (“berçário” de muitas espécies), assim como a perturbação da comunidade de golfinhos. Também as actividades económicas que dependem do rio se sentem ameaçadas: pesca artesanal, produção de ostras, turismo.
Depois de o Clube da Arrábida ter apresentado uma providência cautelar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada para travar as dragagens (a 14 de Setembro), a SOS Sado anunciou na quarta-feira procedimento idêntico. Antes, já tinha dado conta de que a petição “Pela defesa da Reserva Natural do Estuário do Sado” atingira as 10 mil assinaturas e seria enviada para a Assembleia da República.
A “retirada de areia” é apoiada pelo Governo, tendo o primeiro-ministro invocado o parecer favorável da Agência Portuguesa do Ambiente. “Temos de respeitar este parecer. Se o parecer fosse negativo, por certo que o senhor deputado não gostaria que o Governo se substituísse à Agência Portuguesa do Ambiente”, disse a André Silva, do PAN.
“Dragar” é o mesmo que “rocegar”, que significa “arrastar um cabo no fundo do mar ou a certa profundidade para localizar âncoras, minas ou outros objectos perdidos”. Pena que não localize bom senso.
Contas
Em vésperas de debate do Orçamento do Estado para 2019, a semana foi de “contas” e mais “contas”. Palavra que todos conhecem muito bem. No singular, significa “operação aritmética para cálculo de um valor numérico” e “valor ou importância contabilizada a pagar ou a receber”.
Exercício habitual nos orçamentos familiares, mas que nestas alturas se tenta antecipar para se saber com o que é que se “conta” (ou não) nos tempos mais próximos. Mais ainda se se aproximar a idade da reforma.
Os números “mágicos” 60 e 40 andaram no pensamento de muitos trabalhadores que nasceram no princípio da década de 1960 e que começaram a trabalhar muito jovens.
Notícia esclarecedora: “Agora, as pessoas podem reformar-se antecipadamente com pelo menos 60 anos de idade e 40 de descontos, desde que estejam dispostas a receber uma pensão com cortes que podem ser significativos (14,5% do factor de sustentabilidade e 0,5% por cada mês que falte para a idade legal). Como não há a exigência de acumular os dois critérios em simultâneo, o regime de antecipação está aberto a quem, por exemplo, tem 61 anos e 40 de descontos. Com o novo regime, isso deixará de ser possível, uma vez que a pessoa em causa neste exemplo teria apenas 39 anos de contribuições quando fez 60 anos de idade. Ou seja, não poderá reformar-se antecipadamente e terá de esperar pela idade normal da reforma (66 anos e 5 meses em 2019).”
De entre as expressões em que se recorre à palavra “contas”, há uma que traduz, segundo o ex-presidente da República Aníbal Cavaco Silva, o seu propósito ao escrever o livro de memórias Quinta-Feira e Outros Dias: “Prestar contas” aos portugueses.
Podemos “fazer de conta” que acreditamos, mas inclinamo-nos mais para a expressão “ajustar contas com”, que significa “castigar ou vingar-se de alguém”.
NOVEMBRO
Comboio
Para descodificar a palavra “comboio”, vamos viajar… a partir de dicionários do presente para o passado. Assim, num registo recente, pode ler-se sobre este substantivo masculino: “Meio de transporte colectivo, interurbano, formado por uma série de carruagens atreladas entre si e movidas por locomotiva, que se desloca sobre carris.”
Em Portugal, este “meio de transporte colectivo” só às vezes é que se desloca “sobre carris”. No final da semana que passou, houve mais uma greve a travar este “conjunto de vagões ou carruagens engatadas umas nas outras e puxadas por uma locomotiva”. Felizes, os sindicatos anunciaram que a paralisação suprimiu “entre 80% e 90% dos comboios”.
Desta vez, as reivindicações foram assinadas pela Infra-Estruturas de Portugal, mas podiam ter vindo de maquinistas, revisores, funcionários das bilheteiras da CP ou da Refer ou de todo um universo de empresas e funções que um simples passageiro já não consegue descodificar. Só consegue indignar-se, pois continua a pagar o passe e a ficar apeado. Sobretudo em vésperas de fins-de-semana prolongados…
“Comboio” provém do francês “convoi”, informa-nos um dicionário de 1960, que descreve assim o vocábulo: “Grupo de carros ou navios de transporte, carregadores ou bestas de carga que se dirigem ao mesmo destino.” Nessa altura, quem assegurava o transporte não teria os subsídios de hoje nem os seus familiares teriam as regalias de que actualmente desfrutam.
Faça cálculos aos descontos de que os filhos de funcionários no activo e reformados (talvez até defuntos…) beneficiam. Já agora, informe-se sobre indemnizações.
Mesmo quem não é fã de privatizações cegas começa a olhar para os casos felizes de outros países europeus. Como a Alemanha.
Por cá: “Pouca-terra, pouca-terra, pouca-vergonha; pouca-terra, pouca-terra, pouca-paciência.”
Civilização e tourada
Numa semana em que muito se escreveu sobre “civilização” e “tourada”, fomos consultar as nossas fontes preferidas: os dicionários (em papel e online).
Para “civilização”, escolhemos este registo: “Conjunto dos conhecimentos e realizações das sociedades humanas mais evoluídas, marcadas pelo desenvolvimento intelectual, económico e tecnológico.”
Para “tourada”, “espectáculo numa arena em que touros bravos são provocados por toureiros ou por cavaleiros para que, investindo contra eles, lhes permitam fazer a lide, isto é, fazer uma série de movimentos, a pé ou a cavalo (sortes), que culminam no domínio do touro e, em alguns casos, na sua morte”.
Este “espectáculo” não irá ver o seu IVA descer de 13% para 6%, como outros. A manutenção deste valor é justificada pela ministra da Cultura, Graça Fonseca, “não por uma questão de gosto, mas de civilização”.
Os PANistas ficaram felizes, mas nem todos os socialistas gostaram. Manuel Alegre até escreveu uma carta aberta ao primeiro-ministro, em que, além da tourada, também defendeu a caça. Excerto final: “Sim, meu caro António Costa, trata-se de uma tradição cultural e social que é parte integrante da nossa civilização. (…) E é, sobretudo, uma questão de liberdade, que sempre foi a essência e a alma do Partido Socialista.”
André Silva, do PAN, não gostou e disse à Lusa: “Uma reacção já conhecida, normal de alguém que se recusa a ler a sociedade e os valores do século XXI, de quem está fechado à mudança.”
Bagão Félix falou em “assanhadas ‘iniciativas civilizacionais’, com tourada ou sem ela, do solitário PAN e de certa esquerda (mas não toda), armados em polícias taliban de gostos e costumes”.
Em sentido figurado, “uma tourada” traduz-se por “barulheira; tumulto” ou ainda “correria, desordem com muita agitação ou barulho”. Olé!
Banda desenhada
Stan Lee morreu na segunda-feira, com 95 anos. Steve Ditko deixou este mundo em Julho, com 90. Na verdade, um e outro nunca foram deste mundo. Habitavam o da banda desenhada e dos super-heróis — que a Marvel soube capitalizar, usando (ou explorando) o talento de ambos (e de mais alguns). Certo é que o Homem-Aranha nunca deixará de ficar associado a Steve e a Stan, que o criaram em 1962.
No princípio... era a banda desenhada. “História contada através de uma sequência de desenhos, com ou sem texto”, regista um dicionário. “História em quadradinhos, sequência de desenhos usada para traduzir um texto de linguagem discursiva corrente”, regista outro.
Neste universo, cujos super-heróis The Washington Post classificava em 1992 como “bonecos de cartão”, há um léxico próprio. Um “balão” não voa, é um “espaço delimitado por uma curva fechada no qual estão inscritas as falas ou os pensamentos das personagens”. Uma “prancha” não é para surfar, trata-se de “um conjunto de tiras de banda desenhada que constituem uma página”.
O dicionário enciclopédico remete-nos para “comic”: “Palavra inglesa com que se designa uma sequência de representações gráficas com finalidade narrativa que representam um mesmo personagem em circunstâncias diversas.” E dá-nos designações para diferentes geografias: “Na América Latina, designa-se historietas; em Itália fumetti; em Portugal, histórias em quadradinhos.” No Brasil, “em quadrinhos”. Informa ainda: “Se bem que existam precursores, o primeiro comic foi o Yellow Kid, de Outcault, publicado no World, jornal de Nova Iorque. A partir de 1960 tem sido objecto de numerosos estudos e congressos como meio de comunicação de massas.”
Por cá, salientamos o Festival Internacional de BD de Beja (Maio e Junho) e o Festival de BD da Amadora (Novembro). Para quem não gosta só de ecrãs.
Risco
Além de “traço feito com material de escrita sobre uma superfície”, o substantivo “risco” quer dizer “probabilidade ou ameaça de perigo”. O dicionário dá um exemplo: “Com o temporal, o risco de naufrágio é elevado.”
A derrocada em Borba e a morte de uma família em Sabrosa vieram lembrar como é “um risco” viver em Portugal, ainda que os turistas falem em “destino seguro”. Os portugueses, no entanto, apercebem-se de que os perigos já não “espreitam” a cada esquina, “escancaram-se” por todo o lado. Sobretudo quanto mais longe se estiver do mar, das WebSummit, das galas Michelin, das exposições de Mapplethorpe ou dos concertos da Casa da Música. Essas geografias — litoral, Lisboa e Porto — estão quase sempre a salvo. Pelo menos enquanto a terra não voltar a tremer com pujança.
Estradas, pedreiras, caminhos-de-ferro, pontes, florestas, habitações construídas à toa são cenários em que os “riscos” se multiplicam. Já para não falar de o cidadão poder não sobreviver a meses de espera por uma cirurgia porque os enfermeiros (anestesistas, técnicos de diagnóstico ou administrativos) estão em greve. Ser mulher também é um “risco”, pensando em violência doméstica.
Fora dos “riscos” de vida, há os que perturbam o dia-a-dia de quem escolheu Portugal para viver. Uma audiência no tribunal pode ser adiada porque os juízes paralisaram (não importa se as testemunhas vieram do fora do país ou se tal obriga arguidos a ficarem detidos). Não é garantido que as crianças tenham aulas todos os dias. Há sempre reivindicações no sector da Educação, com os professores a liderar a frequência e os motivos.
Tudo legítimo: protestos, incómodos e receios. Mas só quando não se “pisa o risco”, ou seja, não se “ultrapassa os limites do aceitável”, como regista o dicionário.
Aqui se repete uma sugestão para quem anda pelo território nacional “a correr riscos”: se tem fé, reze; se não tem, reze também.
DEZEMBRO
Combustível
“Que arde”, “que tem a propriedade de se consumir pela combustão”, regista um dicionário enciclopédico ao descodificar a palavra “combustível”. Num outro dicionário, descreve-se: “Matéria cuja combustão produz uma quantidade de energia significativa.” E dá-se uma frase exemplificativa: “A subida do preço dos combustíveis.”
É essa subida que tem vindo a “incendiar” Paris. Ontem, mais detidos e feridos resultaram da manifestação nos Campos Elíseos dos chamados “coletes amarelos”, a juntar às duas dezenas de feridos e mais de uma centena de detenções no fim-de-semana passado.
A reunião que tiveram com o Governo não foi ao encontro dos seus desejos. “Primeiro-ministro disponibilizou-se para dialogar, mas garante que o aumento do preço dos combustíveis vai mesmo acontecer” e “Macron preocupado com a imagem de França, mas não recua no imposto sobre o combustível”, lia-se numa notícia de terça-feira.
É de “combustíveis fósseis” que se trata: “Resíduo de organismos acumulados no interior da Terra, com elevado teor de carbono e oxigénio, como os carvões, o petróleo bruto e o gás natural.”
Os que Bruxelas quer abandonar até 2050. A UE pretende deixar de recorrer aos combustíveis fósseis para garantir o abastecimento eléctrico, sustentar a sua rede de transportes ou alimentar a produção industrial nos Estados-membros. Isto para conseguir impacto neutro no clima.
Em sentido figurado, “combustível” pode significar “que facilmente se inflama, se apaixona”. Ou ainda “causa”, “motivo”, “alimento de perturbação”, “tumulto”.
Por cá, PS, PCP, BE e PEV chumbaram eliminação do imposto adicional sobre os “combustíveis”. De nada serviu que PSD e CDS se “inflamassem”.
Rota da Seda
Regista a Enciclopédia Geográfica para a tão invocada por estes dias “Rota da Seda”: “Antiga rota que ligava o Norte da China, através da Ásia Central, com Bukhara e Samarcanda, e atingia a Europa. A estrada, por onde a seda chinesa era transportada já no tempo dos romanos, deixa a cidade de Yumen (Porta de Jade), na província de Gansu, e circunda os desertos de Gobi e Taklimakan. Marco Polo, o explorador veneziano do século XIII, viajou até à China seguindo esta rota. Modernas estradas, em parte de macadame, seguem o traçado da Rota da Seda.” Portugal quer recuperar esta rota, mas não com seda.
A visita de Xi Jinping a Portugal começou com um encontro com Marcelo Rebelo de Sousa. “As relações entre os dois países ‘estão no melhor período da História’, afirmou o líder chinês. Marcelo admitiu diferenças entre os dois países, mas encontrou áreas de convergência.”, escreveu-se.
A passagem por Lisboa também ficou marcada por outra expressão/sigla: DDT, “dono disto tudo”, atribuída ao Presidente chinês pelo chefe de divisão no Ministério dos Negócios Estrangeiros, Paulo Chaves.
Ao que parece, a China “descobriu” Portugal e o país pode também beneficiar disso, como anseia José Ribeiro e Castro, que sugere que criem dois pólos de desenvolvimento, em Portalegre e Braga: “Seria um grande pilar onde ancorar as novas relações luso-chinesas e estruturar em Portugal o abraço da Eurásia.”
A vinda da comitiva chinesa obrigou muitos cidadãos da zona de Lisboa a mudarem as suas “rotas”, com estradas temporariamente reservadas ao cortejo presidencial. Também a greve da CP de sexta-feira obrigou mais uma vez os portugueses a mudarem de “rumo”. Como os chineses são bons com os comboios, talvez consigam pôr os nossos na linha (e nas linhas).
Desconfiança
A palavra “desconfiança” passeou-se pela comunicação social nos últimos dias, vinda do Reino Unido e acompanhada por “moção”. Alvo: Theresa May. A “moção de desconfiança” à primeira-ministra britânica foi lançada pela ala eurocéptica do seu partido. Motivo: acordo para o “Brexit”.
O substantivo feminino singular significa “falta de confiança”, mas também “suspeita”, “receio” e “dúvida”. Exemplo: “Não sabia porquê, mas o rapaz inspirava-lhe desconfiança.”
Quem “suspeita” de May sabe porquê, mas não conseguiu derrubá-la. Na quarta-feira, a primeira-ministra conquistou “um salvo-conduto de 12 meses para continuar à frente dos destinos do Partido Conservador — e consequentemente do Governo —, depois de sair vitoriosa da moção de desconfiança”.
Conseguiu 63% de votos favoráveis e, confiante, rumou a Bruxelas. Ali, ouviu: “Pela enésima vez, os líderes europeus disseram à primeira-ministra britânica que não aceitam mexer no acordo de saída, nem considerar novas ‘obrigações jurídicas vinculativas impostas à UE’.”
Os políticos “desconfiam” uns dos outros, os eleitores “desconfiam” dos políticos, os cidadãos “desconfiam” dos jornalistas, das empresas que gerem as redes sociais, das Forças Armadas, dos banqueiros, dos juízes, da “caridade” das organizações não governamentais que alimentam grandes superfícies e promovem “negócios sociais” — duas palavras que jamais deveriam andar juntas.
“Desconfiança” significa ainda “falta de esperança”, “ciúme” e “temor de ser enganado”.
Os portugueses têm vocação para a “pirronice”, termo que quer dizer “desconfiança por sistema” — bem traduzida na expressão “quando a esmola é grande, o pobre desconfia”. Mas continua a ser difícil não “desconfiar” de muitas instituições e pessoas.
Socorro!
A interjeição que dá título a este texto traduz-se por “exclamação que se usa para pedir auxílio ou protecção quando se está em perigo, em situação difícil”. O dicionário sugere o exemplo: “As vítimas do acidente gritavam: Socorro! Socorro!”
Como substantivo, significa: “Ajuda ou assistência que se presta em situação difícil, de perigo. Auxílio.”
No fim-de-semana passado, parece ter faltado “auxílio” a quatro pessoas que tinham por função auxiliar, a cargo do INEM: “A equipa do helicóptero de Macedo de Cavaleiros, composta por um médico, uma enfermeira e por dois pilotos, teve um acidente no momento em que regressava de uma missão de emergência médica de transporte de uma doente crítica para o Hospital de Santo António, no Porto.”
Por isso António Costa “pede inquérito especial para apurar falhas no acidente com o helicóptero do INEM”, pois é preciso perceber “se houve falhas, quais falhas e que consequências é que devem ser retiradas dessas falhas que existiram. E aparentemente existiram porque o tempo que decorreu entre a queda do helicóptero e as primeiras reacções parecem ao cidadão comum, excessivas”.
A confiança que costumávamos ter no 112 (antigo 115, lembram-se?) começa a enfraquecer. Ficamos com dúvidas sobre se nos serão prestados de imediato os Primeiros Socorros, que o dicionário define como “auxílio prestado a vítimas de acidentes e outros tipos de sinistros, prestado no local por equipa médica ou de outro pessoal habilitado, antes de serem retiradas para tratamento hospitalar”.
Além disso, por estes dias, ainda corre o risco de à chegada ao hospital não poder ser operado porque os enfermeiros estão em greve. Ou então andam e pedir “esmola” (sinónimo de “socorro”) no ciberespaço.
Por isso, neste Natal, tenha cuidado com os excessos, na velocidade e no resto. As expressões “pedir socorro” e “gritar por socorro” de pouco lhe poderão valer.
Anestesia
De origem grega, anaisthesía significa em sentido lato “insensibilidade”. Na medicina, “anestesia” corresponde a “supressão temporária da sensibilidade à dor, realizada com recurso a substâncias anestésicas, para permitir intervenções cirúrgicas ou outros actos médicos”. Pode ser “geral” ou “local”.
O dicionário descodifica ainda a “anestesia epidural”: “A que é aplicada em torno da dura-máter [a mais externa e espessa das três membranas que envolvem o cérebro e a medula espinal, paquimeninge], retirando a sensibilidade à região do tórax e da parte inferior do corpo.” Provavelmente, será esta a mais usada na Maternidade Alfredo da Costa, excepto no Natal.
Este ano, só um anestesista (“pessoa que exerce a medicina na especialidade de anestesias”) se dispôs a estar de serviço. Deveriam ser dois. Esse facto motivou toda uma polémica sobre quanto vale uma hora de trabalho destes profissionais em tempo de Festas. O intervalo parece poder variar entre os 26 e os 500 euros. (A fazer lembrar os leilões: “Quem dá mais? Quem dá mais?”)
A divergência entre o Ministério da Saúde e a Ordem dos Médicos serviu para que se olhasse com mais atenção para um problema que não é novo.
“Polémicas à parte, o que já sabe há anos é que faltam muitos anestesistas no quadro dos hospitais públicos. O último inquérito feito pelo colégio da especialidade da Ordem e divulgado em Junho passado identificou uma carência de 44 só no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central para um quadro de mais de nove dezenas de especialistas em anestesiologia. A nível nacional, a carência era então de 541 anestesistas, quase metade do total de 1158 profissionais que estas unidades tinham nos quadros”, noticiou-se.
O dicionário regista ainda “anestesia moral”, que significa “perda de sensibilidade afectiva”.
2019
6 de Janeiro
Mensagens
Plural de “mensagem”, substantivo feminino de origem francesa (message) que significa, em primeiro lugar e de acordo com um dicionário de 1964, “comunicação, notícia verbal”. Segue-se outra descodificação: “Discurso escrito que o Chefe de Estado envia às câmaras nos actos solenes da sua abertura ou encerramento.”
Passados 54 anos (em 2018), o registo primeiro é: “Comunicação verbal, oral ou escrita, dirigida expressamente a um ou a vários destinatários.” Complementa-se a descrição com “enviar uma mensagem” ou “mensagem electrónica”.
Mais adiante, fala-se de “comunicação formal de carácter institucional”, exemplificando-se com as frases “mensagem do Presidente da República à nação” e “mensagem papal”.
Natal e fim de ano são tempos de todas as “mensagens”, institucionais. As de António Costa (primeiro-ministro e socialista) e de Marcelo Rebelo de Sousa (Presidente da República e social-democrata) deram a azo a muitos comentários e interpretações.
O primeiro terá abrandado na euforia optimista: “Virada a página dos anos mais difíceis, há agora duas questões essenciais que se colocam. Por um lado, como conseguimos dar continuidade a este percurso, sem riscos de retrocesso; por outro lado, como garantimos que cada vez mais pessoas beneficiam na sua vida desta melhoria.”
O segundo alertou para “tempos muito difíceis”, em que se vê “crescerem promessas sem democracia e sem pleno respeito da dignidade das pessoas”.
“Recado” é sinónimo de “mensagem”.
A multiplicidade de meios de comunicação entre as pessoas facilita a troca de “mensagens” de esperança que as Festas propiciam. Por isso os esquecidos se sentem cada vez mais tristes.
Fica aqui então a “mensagem” de bom ano. Para todos.