Governo lança concurso para serviço regional e ignora longo curso

Sete dias depois da abertura da rede portuguesa à concorrência no serviço de passageiros de longo curso, o concurso para novo material circulante, oficializado esta segunda-feira, não arma a CP para enfrentar a liberalização

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LUSA/NUNO ANDRÉ FERREIRA

António Costa preside esta segunda-feira em Marco de Canavezes ao lançamento do concurso público da CP para a compra de 22 automotoras para serviço regional. O concurso tem um valor base de 168 milhões de euros e o lote é dividido entre 10 automotoras eléctricas e 12 bimodais, ou seja, com capacidade para circular com tracção eléctrica em linhas electrificadas ou com tracção diesel onde não houver catenária.

Mas sete dias depois de Portugal estar obrigado a abrir as suas linhas a novos operadores ferroviários de passageiros, o Governo não arma a transportadora pública CP com recursos para enfrentar a liberalização. A empresa tem uma frota de 10 pendulares que soma já mais de 20 anos de serviço e se tem manifestado insuficiente para a crescente procura no longo curso, e um parque locomotivas e de carruagens para os comboios Intercidades que se tem revelado também escasso, sobretudo porque quase 30% das carruagens estão encostadas nas oficinas à espera de manutenção.

Curiosamente é a componente do longo curso que até tem vindo a gerar receitas suficientes para cobrir as despesas, ao contrário do que acontece no serviço regional e nos suburbanos.

Há três anos, tendo em conta a crescente procura de passageiros, a CP, na altura presidida por Manuel Queiró, quis alugar comboios de longo curso a Espanha. A intenção era recorrer às unidades S-120, capazes de circular a 250 Km/hora a fim de reforçar o eixo Braga – Faro e iniciar já alguns serviços para Espanha. Mas o Governo de António Costa travou esta solução.

A mesma administração elaborou um documento para a tutela, denominado CP XXI, que contemplava a compra de 35 comboios, dos quais dez se destinavam a relações internacionais e ao serviço de alta qualidade nacional. Manuel Queiró, à data, afirmava que os comboios de longo curso podiam gerar retorno suficiente para pagar o investimento e que, sendo lucrativo, este segmento permitiria subsidiar o prejuízo do serviço regional.

Contudo a decisão da tutela – manifestada no lançamento do concurso desta segunda-feira – continuou a ignorar o serviço de longo curso, não se conhecendo por parte do ministro Pedro Marques quaisquer declarações sobre a estratégia adoptada para a CP. Nem explicaões sobre como vai a empresa responder à crescente procura de passageiros no longo curso. Ou como vai poder concorrer com eventuais futuros operadores se não tem comboios.

Em cima da mesa, a médio prazo, pode estar um cenário de privatização ou subconcessão dos serviços mais rentáveis da operação ferroviária, ficando a CP com as obrigações de serviço público.

Para já, no âmbito da liberalização ferroviária, apenas um operador anunciou a intenção de vir a operar em território português. Trata-se da Arriva, uma empresa espanhola detida pela empresa pública alemã DB (Deutsche Bahn), que quer circular na linha Corunha – Porto.

Se o futuro para o longo curso da CP passa por uma parceria com a Renfe, tal acordo estará no segredo dos deuses. O PÚBLICO pediu à CP uma cópia do protocolo assinado a 1 de Setembro passado entre as duas empresas públicas mas, nem mesmo depois da CADA (Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos) ter deliberado o acesso a esse documento, a CP aceitou divulgá-lo, pelo que o assunto decorre agora no tribunal.

Neste contexto, a CP está dependente da gigante Renfe para qualquer negociação sobre a repartição do tráfego de longo curso de passageiros. Não tem comboios. E, para piorar, as linhas férreas portuguesas estão em pior estado do que as do país vizinho.

O tabu Cascais

O concurso de hoje para a compra de novos comboios evidencia mais outra grande omissão – a falta de uma solução para a frota da linha de Cascais. Esta linha é um caso único no país porque, não só os comboios estão velhos, como a própria infra-estrutura precisa urgentemente de uma renovação. Esta última não foi contemplada no Plano Ferroviário 2020, lançado em Fevereiro de 2016, e que previa obras em 1200 quilómetros de linha. Numa altura em que ainda se desconhecem oficialmente os projectos do Plano Nacional de Investimento 2030, o certo é que, mesmo com nova linha, o eixo Cais do Sodré – Cascais precisa urgentemente de novas composições. No entanto, tal como no longo curso, ignora-se a estratégia do Governo para a linha de Cascais.

Igualmente de fora deste concurso ficam quaisquer soluções para a também exaurida frota da linha do Vouga. Entre Espinho e Oliveira de Azeméis e entre Aveiro e Sernada do Vouga (Águeda), as automotoras de via estreita que ali circulam já ultrapassaram o seu período útil de vida pelo avariam frequentemente, levando a constantes supressões.

Prometido repetidas vezes no auge da crise ferroviária deste Verão, - caracterizada pela supressão de centenas de comboios -, a compra de material circulante só parcialmente vai resolver o problema da falta de material da CP e, ainda assim, só dentro de três anos quando chegarem as primeiras unidades à empresa. O serviço regional irá melhorar, mas o longo curso continua sem soluções. Das outras duas medidas anunciadas – contratação de trabalhadores para a EMEF e aluguer de material a Espanha – só uma foi parcialmente cumprida: o recrutamento de operários ferroviários. Mas o número de trabalhadores que vão entrar não colmata sequer o número dos que saíram, pelo que a situação de escassez de mão-de-obra se vai manter.

E quanto ao aluguer de automotoras a Espanha, prometida tal como o concurso público desta segunda-feira, para executar até ao fim de 2018, o PÚBLICO sabe que não está prevista a vinda de nenhuma composição até finais de Janeiro.

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