Governo abre novo concurso de diplomatas a pensar em 2021

Ministério dos Negócios Estrangeiros vai repor quadro de adidos de embaixada, a categoria de entrada dos diplomatas, pela primeira vez numa década. Ministro explica a estratégia e o que fez para aumentar o número de mulheres diplomatas.

Foto
Augusto Santos Silva interveio na abertura do seminário diplomático 2019, nesta quinta-feira LUSA/TIAGO PETINGA

Meses depois de admitir 30 adidos de embaixada, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) vai abrir um novo concurso para mais 25 jovens diplomatas. Os números, embora pequenos, são o primeiro sinal de normalização na entrada na carreira diplomática em mais de uma década.

“Pela primeira vez em anos, o quadro dos adidos vai ficar totalmente preenchido”, disse ao PÚBLICO o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.

Uma vez seleccionados, os diplomatas são adidos durante três anos. No fim desse período, passam automaticamente à categoria de secretário de embaixada. Por essa razão, os concursos de entrada são abertos de três em três anos. Para manter o quadro reposto, deveriam entrar 55 diplomatas a cada três anos. Mas pelo menos desde 2005 que os concursos são abertos com menos vagas: 30 (2005), 20 (2007), 30 (2010), 20 (2013), 25 (2015) e 30 (2018).

“Vamos recuperar o ritmo da normalidade e repor os 55 adidos. Temos de recuperar dos anos da crise, mas também temos de nos para preparar a presidência portuguesa da União Europeia de 2021”, diz o ministro. O quadro da Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (Reper), em Bruxelas, vai ter mais 19 pessoas. Agora, são 51. “É um aumento de 40% e será feito em dois anos: dez em 2019 e nove em 2020.” O quadro da Reper, o maior da rede diplomática portuguesa, tem diplomatas, mas sobretudo técnicos superiores, como juristas, economistas, financeiros e engenheiros. “Vamos reforçar o corpo técnico e o corpo diplomático da Reper.”

O reforço do quadro permitirá repensar a rede diplomática, também reduzida no período da troika. “Temos de chegar à presidência europeia de 2021 com uma rede estabilizada: esse é o grande objectivo. Hoje há cinco países europeus onde não temos embaixada: os três países bálticos, a Eslovénia e Malta. Se perguntar se precisamos de três embaixadas nos três países bálticos, diria. ‘Não necessariamente.’ Abriria mais depressa uma embaixada num país da África Ocidental do que embaixadas em todos os países da União Europeia. Mas vamos ter a presidência, por isso temos de pensar bem.”

PÚBLICO -
Aumentar

O debate interno já começou. “Há duas opções e ambas têm sentido: reabrir embaixadas, sobretudo em regiões onde Portugal teria todo o interesse em estar mais representado, como a África Ocidental. A outra linha de pensamento diz que não faz sentido abrir novas embaixadas sem antes resolver o problema das nove embaixadas que só têm um diplomata. Provavelmente teremos de ter uma combinação das duas.”

À procura de mais mulheres

A data de abertura do concurso para adidos será anunciada em breve. Tal como na selecção do ano passado, este concurso não inclui a prova escrita de cultura geral, introduzida em 2013, durante o mandato de Paulo Portas, para o concurso desse ano. “A ideia da prova surgiu de um esforço conjunto dos serviços do MNE, coordenado pelo Instituto Diplomático, com o júri do concurso”, explicou ao PÚBLICO um diplomata da secretaria-geral do ministério. A introdução da prova — contratada a um grupo de professores da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e validada pelo júri do concurso — “foi uma tentativa de inovação”, mas os resultados tiveram um efeito inesperado: as mulheres que se candidataram nesses anos foram quase todas eliminadas.

“Não se sabe bem porquê. Talvez por causa de um erro na concepção, o número de entrada de mulheres no ministério baixou. A prova de cultura geral era gender biased, tinha um viés de género. As mulheres têm mais cultura geral do que os homens, mas não é este tipo de cultura geral de escolha múltipla: A,B ou C”, diz o ministro.

A prova tinha 90 perguntas com resposta múltipla. Incluía questões elementares como qual foi o Presidente norte-americano que, em 1963, numa visita a Berlim, disse “Eu sou um berlinense”, quem é o autor da Ilíada ou onde estão expostos os Painéis de S. Vicente. Mas também perguntas como esta: “O ponto abissal mais profundo do oceano é a fossa de/as: a) Marianas b) Porto Rico c) Kurilas d) Atacama. “As mulheres caíram que nem tordos”, diz um embaixador que conhece o processo.

Os números são claros. Em 2005 entraram 18 mulheres (60%), em 2007 foram nove (45%) e em 2010 apenas sete (23%). No concurso de 2013, ano de estreia da prova de cultura geral, a percentagem caiu para 5% — entrou uma mulher. No segundo concurso feito com a prova (2015) a percentagem subiu um pouco, mas só passaram três mulheres (12%).

No ministério desde Outubro de 2015, Santos Silva eliminou a prova. O concurso para adidos de 2017 (cujas entradas se concretizaram em 2018), já foi recuperado algum equilíbrio de género. As 30 vagas foram preenchidas por 21 homens (70%) e nove mulheres (30%). “Temos de continuar o trabalho no sentido da igualdade de género no MNE”, diz o ministro.

A 1 de Novembro de 2018, num universo de 484 diplomatas, havia 146 mulheres (incluindo na disponibilidade, em exercício de outras funções fora do MNE e em licença sem vencimento). Isso corresponde a 30% dos diplomatas.

Ao analisar por categoria, a diminuição da entrada de mulheres também é evidente: quatro mulheres na categoria de embaixador (8,5%); 22 na de ministro plenipotenciário (25,5%); 54 na de conselheiro de embaixada (36,4%); 173 na de secretário de embaixada (32,9%); e 30 na de adido (30%). “Os actuais embaixadores ainda são sobretudo o grupo dos diplomatas que entraram há mais anos, porque até ao 25 de Abril de 1974 as mulheres não podiam ser diplomatas. Muito por causa do passado, só 8% são mulheres. O número começa a crescer nas categorias associadas a idades mais jovens: nos 40 e 50 anos. Nos mais novos, devia haver uma progressão. Já deviam ser pelo menos 38%. Mas começou a acontecer o contrário.” Hoje, a percentagem de jovens mulheres diplomatas é das mais baixas das cinco categorias da carreira.

Estes números já estão ligeiramente alterados, pois o MNE acaba de homologar um processo de promoções para ministro plenipotenciário que abre as portas para a promoção a embaixador (dos mais de 100 candidatos para nove vagas, houve cinco mulheres promovidas). Tal como no concurso de há uns meses para conselheiro (16 vagas), houve 25 pedidos de esclarecimento por parte de candidatos que não foram promovidos e contestaram a decisão.

As provas do concurso para adido duram meses. Qualquer pessoa com formação superior pode concorrer. As provas de português e inglês são eliminatórias. Os candidatos são excluídos, se tiverem notas abaixo de 14 (em 20 valores). A seguir há as provas de conhecimentos, “uma espécie de demonstração que o candidato tem um mestrado em ciências económicas, sociais e jurídicas aplicadas às relações internacionais”, diz o ministro. No último concurso houve mais de 900 candidatos para 30 vagas. “Para tentar corrigir a distorção que se verificou nos últimos concursos”, o MNE tentou ter um júri só de mulheres, mas não conseguiu e o painel acabou por ter paridade absoluta: três diplomatas homens e três mulheres professoras universitárias.

Sugerir correcção
Comentar