Andy Warhol está pronto para as nossas selfies
O regresso do mais conhecido artista norte-americano vai durar até 2020. Desde a retrospectiva que se seguiu à morte de Warhol, faltava este mergulho alargado e intenso feito também a pensar na geração selfie, que como ele põe a sua imagem a circular pelo mundo. A retrospectiva do Whitney Museum quer revelar o homem por detrás da obra, um camaleão que quis trabalhar em todos os media.
Andy Warhol é o artista mais famoso do século XX — é assim que o Whitney Museum o apresenta, quando inaugurou a exposição que invade a Baixa de Manhattan, mas que se consegue respirar em vários pontos de Nova Iorque. Os locais onde Warhol viveu, uma galeria construída num espaço da Calvin Klein, dezenas de filmes, catálogos e ainda playlists no Spotify fazem-nos imaginar a vida de Warhol na cidade que o recebeu e que ele tomou como sua. Warhol, nascido Andrew Warhola em Pittsburgh, Pensilvânia, chegou aqui de autocarro em 1949, mas uma semana depois tinha o seu primeiro trabalho como ilustrador para a revista Glamour e punha-se a caminho do sucesso.
Mais tarde, Andy Warhol diria que “o sucesso é uma profissão em Nova Iorque”. A verdade é que Andy Warhol habita uma extensa paisagem cultural e comercial que vai muito além do mundo da arte. As suas imagens dos anos 60 tornaram-se ícones pop e são reconhecidas internacionalmente, fazendo-nos acreditar que o conhecemos e à sua linguagem. Já menos valorizado, mas surge agora como incontornável, é o seu trabalho dos anos 70 e 80.
Por isso, depois de tantas exposições sobre a sua obra, podemos fazer uma pergunta, a que o Whitney tenta responder: porque é que Andy Warhol ainda é relevante nos dias de hoje?
Andy Warhol: From A to B and Back Again — título a partir do livro autobiográfico, publicado em 1975, The Philosophy of Andy Warhol (From A to B and Back Again), em que se exploram os conceitos de fama, amor, beleza, classe e dinheiro — é a primeira grande retrospectiva de Warhol organizada por uma instituição americana desde 1989, quando o Museum of Modern Art (MoMa), também em Nova Iorque, fez uma retrospectiva dois anos depois da morte do artista.
São mais de 350 obras que abrangem quatro décadas, mostrando a evolução de uma carreira, desde os desenhos de estudante até aos anos 80, propondo-se um novo olhar. Ficará no Whitney até ao final de Março de 2019, seguindo depois para o Museum of Modern Art de São Francisco e para o Art Institute de Chicago. Até 2020 haverá Andy Warhol: From A to B and Back Again.
Ele está em todo o lado
Quando olhamos para a forma como a crítica americana lidou com Warhol ao longo dos anos, percebemos que houve um esforço em perceber a importância e o significado do seu trabalho, mas também em definir as fronteiras da sua arte — o que se tornou complexo devido à vontade de Warhol experimentar todos os media. Segundo Adam D. Weinberg, director do Whitney, Warhol era um camaleão — editor, homem de negócios, pintor, escultor, celebridade, mas também muito humano. “Era a personificação de que a arte se mistura com a vida de uma pessoa. Ele era o seu trabalho, não só pela forma como se fotografava, mas pela forma como se vestia, como se apresentava. Todas estas coisas tinham que ver com a ideia de colocar a sua imagem em circulação no mundo, e a ideia de que ele, enquanto obra de arte, estava em todo o lado.”
Para Donna de Salvo, que assina a curadoria de Andy Warhol: From A to B and Back Again, o que foi único em Warhol foi o facto de ele estar sempre a desafiar(-se): “Nunca estava satisfeito, isso é o que acontece com muitos dos grandes artistas, há uma sensação de nunca se ser suficientemente bom, de estar sempre à procura da próxima novidade. O talento pode ser uma bênção e uma maldição, porque nunca se chega a ser feliz com nada.”
A exposição questiona a premissa de que a criatividade de Warhol teria sofrido um rombo irreversível depois da tentativa de assassinato que sofreu em 1968. Valerie Solanas, escritora e feminista, publicara em 1967 o Manifesto da SCUM, em que afirmava que os homens estragavam o mundo e que as mulheres tinham de o consertar, sugerindo para tal a formação de uma organização que alterasse a sociedade, através da eliminação do sexo masculino. Solanas conhecera Warhol nos anos 60 e pedira-lhe para produzir a sua peça Up Your Ass. Acusou-o mais tarde de ter perdido ou roubado o argumento. Depois da publicação do manifesto, Solanas conseguiu um contrato com uma editora, mas estava convencida de que esta estaria a conspirar com Warhol para lhe roubar o seu trabalho. Com esta ideia na cabeça, a 3 de Junho de 1968, entrou no estúdio do artista com uma arma e disparou três vezes. Nesse dia Warhol foi declarado morto, mas acabou por sobreviver e viver mais 19 anos.
A ideia de que as décadas seguintes foram menos criativas é, então, contestada pela curadora Donna de Salvo, que pretende humanizar Warhol, indo muito além da figura mítica. Inclui as obras dos anos 70 e 80, algumas mais experimentalistas, que na altura foram mal recebidas; as apropriações da história da arte e a pintura camuflada, todas elas agora celebradas, questionando a imagem que temos do artista.
Em muitas das gravações que mais tarde Warhol faria, conversas com amigos e colaboradores, é fascinante ouvir as dúvidas que ele tinha sobre si próprio. No final da sua carreira, teria maior reconhecimento na Europa e foi daí que veio o apoio para fazer Shadows (1978–79), por exemplo, assim como o seu trabalho mais abstracto, agora exposto na última galeria do museu, numa exposição concebida de forma cronológica.
Para De Salvo, “Andy Warhol, provavelmente mais do que qualquer artista, percebeu o desejo americano de inovação e conformidade, de visibilidade pública e de privacidade absoluta, transformando estes impulsos contraditórios num tipo de arte original que influenciou a forma como vemos e pensamos o mundo hoje. As imagens que produziu são hoje tão familiares, que é fácil esquecer o quão provocadoras e inquietantes eram na altura.” A curadora é provavelmente a única pessoa que poderia fazer esta exposição ambiciosa, sendo essa pelo menos a convicção do director do Whitney: “Olhar para a totalidade da obra de alguém tão produtivo quanto Warhol leva muitos, muitos anos. São milhares de objectos, e só alguém com o conhecimento de De Salvo sobre este artista poderia ter conseguido apresentar uma exposição que vai além do trabalho que é considerado bom, que mostra também o menos óbvio e a forma como ele arriscava.”
De Salvo trabalhou com Warhol quando realizou dois programas para a Dia Art Foundation no Soho, em meados da década de 1980. “Na altura, conhecê-lo foi uma experiência mística, nada supera trabalhar directamente com um artista. O meu interesse pela arte americana começou ali, naquele momento, e sentia que havia inúmeras coisas sem resposta”, diz ao Ípsilon.
Para a curadora, o mais difícil foi convencer outras instituições e coleccionadores a emprestar trabalhos. Adam D. Weinberg explicou ao Ípsilon que a maior parte das obras são valiosíssimas, o que faz com que os coleccionadores e instituições não as queiram emprestar. Só De Salvo, mais uma vez, o poderia ter conseguido: “Ela sabia exactamente o que queria. Não queria só um retrato de Muhammad Ali, queria o retrato de Muhammad Ali de 1977. Ela queria o primeiro conjunto de Campbell Soup Cans do MoMa e explicava porquê. E aí os coleccionadores começaram a perceber a importância desta retrospectiva.” Mas alguns dos trabalhos pretendidos não foram obtidos. “Foi o caso da pintura Atomic Bomb (1965), porque já não é emprestada. Há também um quadro incrível, que é o único que inclui a palavra ‘AIDS’, mas que já não pode viajar devido ao seu estado de conservação; portanto, só o pude incluir no catálogo”, diz a curadora.
Warhol ocupa todo o quinto andar do museu, parte do terceiro e uma sala no piso térreo, onde se encontram os retratos coloridos de celebridades, das suas obras mais conhecidas. Warhol explicou a Bob Colacello, seu colaborador e amigo, que estava a fazer todos os retratos com o mesmo formato e tamanho (40x40 polegadas, o que equivale a 101,6 centímetros), porque gostaria que um dia estivessem todos lado a lado, expostos numa sala do Metropolitan Museum em Nova Iorque. Marilyn Monroe, Elizabeth Taylor, Truman Capote, Muhammad Ali, Giorgio Armani acabam agora por estar todos lado a lado aqui, no Whitney.
15 minutos
“Muito poucos retratos têm um tamanho diferente.” Colacello explica que Warhol repetia um padrão inúmeras vezes para depois o quebrar. O retrato de Man Ray, por exemplo, tem 101x101 cm. “Ele fazia isso com tudo, até com o almoço. Era capaz de comer a mesma coisa todos os dias durante seis meses, e, quando pensávamos que sabíamos o que é que ele ia querer comer, mudava. Como se quisesse estabelecer uma regra para depois a poder quebrar.” Para De Salvo, “os retratos são uma espécie de Facebook de outra era”. “Acho que nos mostra o entendimento que Warhol tinha da função dos retratos ao longo da história. Seja nos séculos XVIII, XIV, XX ou XXI.” A ponte que o museu faz entre Warhol e os media sociais é inevitável. A necessidade compulsiva que Warhol tinha de gravar tudo, que se constata com as centenas de gravações áudio e vídeo de encontros, conversas, momentos da sua vida e daqueles que o rodeavam, está à mostra agora.
“Toda a gente terá direito a 15 minutos de fama”, disse Warhol por volta de 1966, mostrando o seu lado profético. A forma como se relacionava com a tecnologia e com a fotografia parece ressoar agora, enquanto muitos dos que visitam o museu estão mais interessados em criar o melhor gif em frente a 192 One Dollar Bills (1962) ou a melhor foto das suas Campbell Soup Cans (1962) para pôr no Instagram. De Salvo espera que a exposição ponha questões a esta geração mais jovem e que nos faça reflectir sobre o que vivemos hoje. Esta é a altura perfeita para experimentar o trabalho de um dos mais influentes artistas americanos. “Warhol foi pioneiro na forma como criou imagens repetidas e distorcidas”, continua De Salvo, “como reciclou as suas próprias imagens, antecipando os efeitos e as questões da actual era digital, em que já não sabemos em que imagens podemos confiar.”
Adam Weinberg justificou desta forma a exposição quando a apresentou à imprensa: “Estamos a viver na geração das selfies, os temas que preocupavam Warhol são ainda relevantes hoje. O que é a história? O que é que perdura? Warhol foi dos primeiros a explorar o desejo contemporâneo de ser famoso.” Durante 11 anos, fotografou-se diariamente, hábito que hoje foi banalizado pelas redes sociais.
A tarefa difícil de humanizar Warhol
Há inúmeros momentos na exposição que nos conduzem à narrativa da humanização do artista: a obra do início dos anos 50, em que vemos a sua mão de forma mais explícita. “Isso tende a desaparecer mais tarde. Há, por exemplo, um retrato em que vemos uma sala, um espaço de família, da classe trabalhadora — Warhol era filho de emigrantes —, coisas que não associamos naturalmente a Warhol. Ou um dos Factory Diaries que escolhemos para projectar aqui. Num vemos David Bowie a chegar, mas ao lado temos a mãe de Warhol, na cama, enquanto conversam.” A curadora refere-se a Factory Diary: Julia Warhola in Bed (1970–71), que faz parte de uma série de filmes que Warhol começou a fazer em 1963. “Noutro vemos Warhol a pintar e estas são coisas que desafiam a percepção pública de que ele não fazia a sua própria arte”, prossegue. Warhol criava ideias sobre si próprio, o que alguns dos seus colaboradores defendem que acabou por se virar contra si próprio.
Uma das obras mais peculiares expostas no quinto andar, totalmente dedicado ao artista, é uma escultura com seis rolos de película de poliester — Mylar and Plexiglas Construction (1970). De Salvo justifica a escolha: “É sempre interessante quando um artista tem uma ideia que não vai a lado nenhum, que ele próprio não segue, e é importante mostrar que Warhol é como qualquer outro artista, que experimenta coisas. Quando nos deparamos com as suas caveiras — Skull (1976) e Self-Portrait with Skull (1978) —, as pessoas lêem-nas como se ele estivesse a lidar com o medo da morte, mas acho que, quando ele não está a trabalhar em imagens que associamos à pop ou que são chocantes, há algo quase filosófico no trabalho, como um dos últimos quadros da exposição, Sixty-Three White Mona Lisas (1979), em que há um interesse na história da arte, no catolicismo, que para mim era importante explorar.”
Bob Colacello desenvolve a ideia da presença da religião em Warhol, numa noite de chuva em que voltamos ao Whitney para o ouvir e a Vincent Fremont, dois confidentes e colaboradores de Warhol, a conversar sobre aqueles anos em Manhattan. A caminho do museu, deixamos tocar uma das playlists Warhol x Whitney, disponibilizadas pelo museu no Spotify, e que incluem Lou Reed, Nico e The Velvet Underground, com quem organizou o evento multimedia Exploding Plastic Inevitable nos anos 60. Antes de entrarmos na sala situada no terceiro andar, junto às projeçcões de alguns dos seus diários cinematográficos e do filme que mostra Andy a comer o seu almoço, ouvimos alguém dizer: “He made it! Milhares de pessoas estão a vê-lo almoçar num ecrã gigante de um museu conceituado.”
Warhol ainda está muito presente na geração mais nova de artistas que com ele se identificam e que de alguma forma idolatram. “Quem o conheceu diz que se interessava por tudo o que estava a acontecer à sua volta, era um ser extraordinário”, diz Megan Heuer. A directora de programas públicos no Whitney fala para um público jovem, alguns acabarão por sair mais cedo para ir beber um copo ali ao lado no Meatpacking District, deixando para trás os amigos de Warhol que se juntaram para relembrar velhas histórias.
Bob Colacello começou a sua carreira como crítico de cinema no Village Voice e foi um texto sobre o filme Trash (1970), de Warhol e de Paul Morrissey, a que chamou “uma obra-prima católico-romana”, que o levou à edição da revista Interview, entre 1971 e 1983. E, quando Colacello chegou a Nova Iorque para trabalhar com Warhol, já Vincent Fremont estava à frente da Factory, onde trabalharia com Warhol desde 1969 até à sua morte em 1987.
Vindos de meios totalmente diferentes, partilhavam o fascínio por Andy. Colacello crescera em Long Island, não pertencia a uma família ligada às artes, mas lembra-se de ter votado pela primeira nas eleições presidenciais de 1968 e ter escrito no boletim de voto “Andy Warhol para presidente”. Fremont veio de San Diego, Califórnia, onde cresceu rodeado de obras de arte e a ler jornais underground para saber o que se passava em Nova Iorque. Corria o ano de 1969. Fazia parte de um grupo chamado Babes, que, segundo o próprio, não fazia nada: “A ideia era sermos uma banda, mas nenhum de nós tocava um instrumento sequer.”
Tal como tantos outros emigrantes neste país, Warhol viveu sempre entre duas culturas: a dos pais, que vinham de Mikrova, na fronteira da Eslováquia com a Polónia, o que o expôs a uma série de imagens do catolicismo bizantino ruteno; e a da cultura pop americana, da publicidade, de Hollywood, da imprensa, mas também da violência. “Enquanto crescia em Pittsburgh, Warhol passava oito horas por semana na igreja, e há tantas coisas na sua arte que são quase religiosas — esta ideia de objectos de culto, o símbolo do dólar, o Elvis, há um sentido de crença e de fé na imagem”, conta Colacello.
Fremont lembra que “Warhol sempre foi à missa ao domingo”. Só durante dez ou 15 minutos, mas ia. “Uma ligação que se acentuou depois da tentativa de assassinato, em que ficou bastante mais calado, quase como se se tivesse desligado parte dele.” Warhol nunca visitou a família em Mikrova, lugar onde entretanto abriu um museu dedicado ao artista e onde a igreja onde os seus pais se casaram está pintada de amarelo fosforescente.
Warhol estabeleceu o seu primeiro estúdio na Rua 47, mas o seu espaço mais conhecido ficava situado no sexto andar do Decker Building (33 Union Square West), onde filmou a maior parte do seu trabalho. Foi também aí que se deu a tentativa de homicídio. Bob e Vincent falam da paranóia em que vivia depois desse episódio — a porta do estúdio passou a ser à prova de bala. “Lembro-me dos passeios que fazíamos em Park Avenue e da forma como ele ficava perturbado quando via alguém que parecesse um bocadinho mais estranho”, diz-nos Vincent Fremont.
Em 1974 mudou-se para o número 860 na Broadway, para onde levou caixas cheias de objectos pessoais misturados com arte, que acabou por não desempacotar e a que chamou Time Capsule Series. Defendeu que estas caixas fechadas deviam ser expostas e vendidas como esculturas conceptuais. Agora, podemos vê-las no Whitney.
Em 1984, mudou-se para um prédio de escritórios no lado este da Rua 33. Nestes espaços diferentes, criou, pintou, filmou e rodeou-se de colaboradores, artistas, modelos, amigos, jovens ou simplesmente de filhos da classe alta. A Factory era um espaço criativo, de encontro, mas havia regras. Numa entrevista ao The New York Times, o jornalista de moda André Leon Talley lembra os anos em que foi recepcionista na Factory da Union Square: “Andy pintava por detrás dos escritórios e ninguém devia passar para esse lado. Mas eu ficava horas a vê-lo pintar serigrafias no chão: as cores eram misturadas por alguém, mas era ele quem as aplicava com os rolos. Era um processo e foi por isso que chamou ao espaço Factory.”
Os artistas criam muitas vezes uma persona e Warhol criava mitos à sua volta. Colacello recorda que ele estava sempre a dar locais de nascimento diferentes e que propositadamente criou esta ideia de que a Factory estava cheia de pessoas a trabalhar para ele, mas na verdade só havia uma ou duas pessoas no estúdio. “Esta ideia acabou por ficar e muita gente acha que ele não criava o seu trabalho. Não é verdade. Mas ele adorava ouvir outras pessoas a expor ideias e sabia quando ouvia uma que podia ser uma ideia de Andy Warhol. Pedia às pessoas opiniões, mas 90% das vezes não fazia nada com elas.”
Foi neste espaço que Warhol começou a filmar tudo o que via.
Em 1965, depois da exposição Flowers na Galeria Sonnabend em Paris, em que mostrava imagens da mesma flor, serigrafada em diversas cores, alegou que se estava a afastar da pintura. Em Abril de 1966, na Leo Castelli Gallery em Nova Iorque, expôs Cow Wallpaper, colado directamente nas paredes e lançou balões de hélio prateados que flutuaram pelo ar (alguns acabaram a sair pelas janelas).
Em 1969, lançou a revista Interview com o jornalista John Wilcock. Editada por Bob Colacello, era composta por entrevistas com celebridades, artistas, músicos e criativos. Numa das primeiras edições, Bob lembra que Warhol lhe pediu para pôr uma fotografia de Elvis Presley em cada página, mesmo que os textos não tivessem nada que ver com Presley. “As pessoas acharam que isto era genial.” Warhol estava a tentar entrar em todos os media possíveis. De Salvo acrescenta que “esta era uma das facetas de Warhol que irritava a crítica — ele não estava fechado num estúdio, sozinho, a criar”. “Estava em todo o lado. Mas era um insider e um outsider ao mesmo tempo. Havia uma nova geração de artistas que o admirava, como Jean-Michelle Basquiat, Cindy Sherman ou Keith Haring, mas ele não era considerado um deles.”
Em 1971, quando Warhol tinha 42 anos, Whitney fez uma retrospectiva de metade da sua carreira. A partir daí, filmou, filmou, filmou. Selecções da sua volumosa obra em 16 mm são exibidas agora. Muitas dessas curtas-metragens são a sua representação das personalidades idiossincráticas da Factory. Para Claire K. Henry, curadora assistente do Andy Warhol Film Project, “os filmes mostram a complexidade da forma de pensar de Warhol e como algumas das suas obsessões, que foi trabalhando nos diversos media, foram depois explorados em filme”.
Os vídeos querem estabelecer um diálogo com o resto das obras expostas. Fazem parte desta escolha os screen tests de Ethel Scull, Edie Sedgwick, Ann Buchanan, Jack Smith, Rufus Collins e Billy Name, mas também filmes mais complexos com algumas das estrelas da Factory, como Mario Montez, Taylor Mead e Paul America. Warhol explorava o formato, brincando com a duração, rapidez da projecção, som, zoom e projecção de várias bobinas num ecrã duplo. O museu oferece agora a oportunidade de ver dois dos filmes em ecrã duplo: Outer and Inner Space (1965) e Lupe (1965). Os restantes são apresentados no formato original de 16mm e organizados por temas: dança, política, comercial, minimalista, queer, estrelas de Hollywood, público vs privado e retratos.
Warhol acreditava que a realidade apenas existia quando era gravada, fotografada ou transcrita. Desde o dia em que comprou uma câmara de 35mm até à sua morte, em 1987, recolheu milhares de imagens, algumas das quais se tornaram uma base para as suas serigrafias.
Mas a maior parte dos negativos foram impressos em formato de provas de contacto, marcadas com um lápis, e ficaram à espera de uma impressão futura. Em 2014, a Universidade de Stanford na Califórnia adquiriu 3600 destas provas de contacto à Andy Warhol Foundation. São 130.000 fotografias em arquivo.
Aproveitando o momentum Warhol, a Universidade de Stanford apresenta agora uma selecção de fotografias nunca antes vistas. Contact Warhol: Photography without End, no Cantor Arts Centre, é assinada pelos professores Richard Meyer e Peggy Phelan e oferece um olhar sobre a vida social de Warhol numa altura em que estava rodeado de celebridades e glamour, mas também mostra cenas de rua em Nova Iorque e uma série de imagens sexualmente explícitas. Actos sexuais reais, mas também encenados para a câmara. A maior parte destas imagens foram tiradas na terceira Factory. São as mesmas que deram origem à série de serigrafias Sex Parts em 1978.
A exposição de Stanford destrói uma vez mais uma ideia feita. De alguma forma, estabeleceu-se a ideia de que Warhol era assexuado, mesmo conhecendo-se alguns dos seus parceiros, nomeadamente o decorador Jed Johnson, com quem teve uma relação durante 12 anos. Tanto Contact Warhol, como a exposição no Whitney ajudam-nos a reconstruir a identidade sexual de Warhol, mostrando desenhos que o identificam como homossexual. É também importante pensar que muito deste trabalho foi feito durante a epidemia da sida.
Se em ambas as exposições podemos sentir a libertação de Warhol, também descobrimos o homem para quem a arte era uma expressão dos seus medos.
Há um momento nos Factory Diaries em que Warhol fala do funeral de alguém que terá morrido de “cancro homossexual” e ele tinha medo de ir porque não queria ficar doente. É uma memória do medo e da censura da homossexualidade que se viveu nos Estados Unidos, e em particular em Nova Iorque, mostrando a influência que o contexto da doença teve nos artistas daquela geração.
No quinto andar do museu, lado a lado com as caixas Brillo, as latas de sopa e as garrafas de Coca-Cola, encontramos Ladies and Gentlemen (1975), uma série que representa travestis que Warhol trazia da noite de Manhattan para serem fotografados no estúdio. Colacello também posou, vestido e maquilhado: “Warhol convenceu-me a posar como drag durante uma viagem e insistiu tanto que conseguiu. Mesmo estas discussões eram sempre gravadas, porque ele ia até ao limite, nem que fosse para conseguir uma boa gravação. Mas, na verdade, fi-lo em troca de dois quadros assinados por ele.” Com a perda de alguns amigos com sida, Warhol virou-se ainda mais para a religião e a fé. Em 1986, pinta Camouflage Last Supper, uma narrativa cristã coberta por um padrão camuflado.
Também em Shadows, o conjunto de mais de 100 painéis com a mesma imagem, pintada com cores diferentes, se sente essa escuridão, que funciona quase como uma espera. Quando a criou, o artista especificou que esta pintura envolvente, que pertence à Dia Art Foundation, poderia ser editada para se encaixar em espaços de tamanhos diferentes. Na versão agora em exibição na sede da Calvin Klein, na 205 West 39th Street, ela é reduzida a 48 painéis e a sensação de envolvência é quebrada pelas colunas que pontuam o espaço. A Calvin Klein está a patrocinar o restauro dos 102 painéis de telas, que virão a ser exibidos daqui a três anos numa galeria que está a ser construída para o efeito no Dia: Beacon.
A relação da marca com Warhol começou em 2017, quando foi estabelecido um acordo entre a Calvin Klein e a Andy Warhol Foundation, possibilitando o uso de imagens de Warhol nas suas colecções até 2020. Uma ideia do director criativo Raf Simons, que escolheu também imagens menos conhecidas de Warhol, trabalhos que vão além da banana que o artista desenhou para a capa de um disco Velvet Underground & Nico, em 1967. Essa também está lá, em boxers, à venda na loja do museu, ao lado de coisas mais obscuras, não só de Warhol mas também da cultura americana. Simons parece ter encontrado a colaboração certa, um ano antes de estarmos a viver um momento Warhol, num país onde temos provavelmente o Presidente mais warholiano de sempre.