Habitação: Esquerda unida na Lei de Bases desafia direita a apresentar soluções

Projectos de leis de base dos três partidos de esquerda foram apresentados numa sessão plenária em que se notou a ausência de membros do Governo. Discussão segue na especialidade.

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Adriano Miranda / Publico

Os projectos de Lei de Bases da Habitação apresentados pelos três partidos que apoiam a actual maioria governativa só deverão ser votados esta sexta-feira, mas tudo indica que vão baixar à especialidade na Comissão respectiva, sem votação.

Na sessão plenária em que os três diplomas foram apresentados e discutidos pela primeira vez ficou bem marcada a cisão ideológica que, em matéria de habitação, continua a separar os partidos da esquerda - que querem atribuir ao Estado a função principal de assegurar o direito constitucional à habitação - dos partidos da direita, que defendem que isso não pode ser feito à custa de “confiscos à propriedade privada”. No debate, que marcou a primeira sessão plenária de 2019 notou-se em especial a ausência do Governo, que não se fez representar nesta discussão.

Helena Roseta, que abriu a sessão enquanto autora do primeiro projecto de lei que foi apresentado sobre este tema, já em Abril de 2018, sublinhou a “honra e alegria” com que subiu à tribuna envergando a t-shirt a simbolizar o movimento “Habitação para todos”, e a defender o documento que diz ser “apenas um ponto de partida”, uma “base de trabalho”, que não está concluído nem fechado, mas sim aberto a todas as propostas e soluções. “Por isso saúdo o PCP e o BE nesta matéria, e convido todas as bancadas a trazerem o seu contributo”, exortou a arquitecta, sublinhando que “há muito trabalho pela frente” e pedindo que “apesar das nossas diferenças [enquanto deputados e membros de partidos], estejamos à altura de fazer uma lei que melhore a vida das pessoas”. Quando foi criticada por sugerir uma figura como a da requisição de edifícios, Roseta limitou-se a instar o PSD a apresentar “uma proposta melhor”, sublinhando a importância de haver um debate.

As diferenças invocadas pela deputada Helena Roseta, que chegou a coordenar o Grupo de Trabalho da Habitação, mas bateu ruidosamente com a porta por divergência sobre os calendários definidos pela bancada socialista para debater e votar o chamado “pacote da habitação”, foram enunciadas por várias vezes durante o plenário.

A começar pela necessidade de haver, ou não, uma Lei de Bases da Habitação. Os partidos da esquerda (PS, BE e PCP) destacaram que é o único direito consagrado na Constituição que não tem uma Lei de Bases para o definir e defender. CDS-PP e PSD notaram que redigir uma Lei de Bases não foi prioritário, nem sequer para os partidos que sustentam a actual maioria, uma vez que a apresentaram no final da legislatura. Álvaro Castelo Branco, do CDS/PP mostrou-se claro na oposição que o seu partido fará “a leis de bases que defendem o direito à habitação com prejuízo de outro direito constitucional, como é o direito à propriedade privada”. O PSD, pela voz de Jorge Paulo Oliveira, argumentou que “o ciclone ideológico da esquerda sobre a propriedade privada” não resolveu nenhum dos problemas identificados, e que, “decorridos três anos de encenações, os resultados continuam confrangedores”.

Municípios contra

Há, contudo, um dado em que todos os partidos revelaram estar de acordo: no entendimento de que o Estado deve incrementar o papel que tem actualmente na promoção da habitação. O problema, enunciado pelo deputado Jorge Paulo Oliveira, do PSD, é saber quem vai suportar essa política pública de habitação, sublinhando que “o Estado se tem demitido desse papel e o tem atirado para cima dos proprietários”.

“Definir, em lei de bases, tréguas invernais, renovações garantidas de contratos, fazer a requisição forçada de imóveis privados é continuar a impor aos senhorios o cumprimento das obrigações constitucionais do Estado”, avisou. Germana Rocha, também do PSD, acrescentou que a proposta de requisições e expropriações de casas injustificadamente devolutas - “um conceito onde cabe tudo o que se quiser”, acusa - oculta os motivos que levaram os proprietários a optarem por essa via. E atirou-se à Lei de Bases do PS por falar em descentralização de competências sem que haja financiamento para tal.

A proposta do PS já mereceu um parecer da Associação Nacional de Municípios em que é pedida uma “maior ponderação, por forma a encontrar uma resposta mais equilibrada, adequada à distribuição de responsabilidades e proporcional nos respectivos meios a repartir entre os vários responsáveis pelas políticas públicas e sua execução”. Resumindo: não basta retirar dos limites ao endividamento municipal as necessidades financeiras para implementar os programas locais de habitação, é preciso “haver presença e participação do Estado, através do OE ou de outros instrumentos e mecanismo financeiros”.

Para Maria Manuel Rola, do Bloco de Esquerda, a discussão de uma Lei de Bases vai permitir deixar definido o papel central do Estado, através da criação de um Serviço Nacional de Habitação “que aumente corajosamente a habitação de propriedade pública”. O PCP afinou pelo mesmo diapasão e a deputada Paula Santos argumentou que esta era a oportunidade para assegurar uma política de habitação em que o Estado assume a sua “obrigação constitucional”. E se o PCP acompanha o Bloco de Esquerda “naquilo que nos aproxima”, deixou bem definido aquilo que os separa, nomeadamente do PS, “que insiste em opções que beneficiam grupos financeiros que especulam com a habitação”, promovendo incentivos fiscais.

João Paulo Correia do PS terminou o debate, voltando a convidar todos os partidos a debater estes projectos de lei, revelando abertura para o diálogo. Jorge Paulo Oliveira, do PSD, sublinhou, porém, a convicção de que o assunto já está resolvido: “O BE e o PCP estão de parabéns, porque com a preciosa ajuda do PS vão finalmente conseguir a liquidação da iniciativa privada no mercado de arrendamento em Portugal”.

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