Angola está em contagem decrescente para a chegada do Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA), a 1 de Julho. Será um desafio para um país onde a economia paralela é muito grande e um passo em frente numa economia em crise à procura de diversificar as fontes de receita para ficar menos dependente do petróleo.

A substituição do actual imposto de consumo pelo IVA começou a ser preparada a partir de 2011, ainda com o anterior Governo. A seis meses da entrada em vigor, é tempo de a Administração Geral Tributária (AGT) afinar a máquina. E não é só em Luanda que se ultimam os pormenores.

Portugal, com 32 anos de experiência no IVA, tem cooperado e prestado apoio técnico, mais ainda nos últimos meses, com a presença de técnicos angolanos em formação nos serviços de IVA da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

Lisboa, 14 de Dezembro de 2018. Adilson Sequeira, chefe da fiscalização dos grandes contribuintes na AGT angolana e coordenador do projecto do IVA, está na sede do fisco português, em plena baixa pombalina, para se encontrar com Miguel Correia, subdirector-geral do IVA em Portugal. E há uma razão para o fiscalista angolano estar na capital portuguesa nessa sexta-feira em que conversará com o PÚBLICO. Esse era o dia em que 12 técnicos da AGT terminavam três meses de formação na administração fiscal portuguesa, onde passaram por alguns dos serviços do IVA para treinarem casos práticos e aprenderem com os colegas portugueses.

Angola dá o passo em frente colhendo a experiência de muitos outros países, evitando caminhos que entretanto outras administrações abandonaram. O Fundo Monetário Internacional (FMI), que durante três anos vai dar apoio técnico e financeiro ao país, olha para a reforma como uma “medida estrutural”.

A entrada em vigor esteve prevista para 1 de Janeiro de 2019, mas, perante uma mudança tão grande, o Governo de João Lourenço decidiu adiá-la por seis meses, também a pedido dos empresários. Para todos, é tempo de adaptação: contribuintes, contabilistas, empresas de software de facturação, consultores fiscais, advogados, administração tributária e, claro, os consumidores. É, nas palavras de Adilson Sequeira, a “maior reforma fiscal” dos últimos anos.

Uma só taxa

A introdução do IVA acontecerá a dois tempos, a pensar na estrutura económica e social do país, onde os níveis de informalidade são muito altos e onde nem todas as empresas e o pequeno comércio estariam preparados para começar de um dia para o outro (há três anos, o Governo estimava a economia paralela na ordem dos 60% do PIB).

Ao contrário de Portugal, onde há três taxas de IVA, Angola vai ter apenas uma única taxa, de 14%. É um sistema mais simples, quer para as empresas e consumidores, quer para a própria administração fiscal. Criar várias taxas, afirma Adilson Sequeira, potenciaria mais litígios e tornaria o sistema mais complexo. Para Miguel Correia, é uma “excelente decisão”, não só por evitar contencioso, mas também por eficiência económica. “O que a ciência económica nos diz hoje é que o melhor caminho deveria ser uma taxa una e lidarmos com eventuais preocupações redistributivas através de despesa directa do Estado [com a receita obtida focada em determinados sectores]”, afirma.

Na Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC, na sigla inglesa), da qual Angola faz parte, nenhum dos 15 membros tem mais do que uma taxa.

Há muitos produtos que vão ficar isentos do IVA, desde medicamentos a serviços médicos, passando pelos combustíveis e pelos bens da chamada cesta básica, como o leite, o arroz, o feijão, óleos, farinhas e açúcar.

Para já, o imposto não será obrigatório para todo o tecido empresarial. Há duas fases: uma em 2019-2020 e outra a partir de 2021. Nos dois primeiros anos, as sociedades cadastradas na Repartição Fiscal dos Grandes Contribuintes é que são obrigadas a aderir ao IVA - cerca de 400 empresas (onde se incluem sociedades do universo Sonangol, por exemplo).

Todas as outras podem entrar de forma voluntária. Para as empresas que, não sendo grandes contribuintes, têm um volume de negócios acima dos 250 mil dólares norte-americanos, há um regime de declaração simplificado durante esses dois anos, mas em que ainda não é liquidado IVA. Se as empresas quiserem podem aderir logo ao regime geral de forma voluntária. “Para não ser uma imposição da administração fiscal, a lei dá a possibilidade de o próprio empresário se organizar durante dois anos”, explica Sequeira, dizendo que aplicar a todos os contribuintes de imediato “não iria dar certo”.

A partir de 2021, o IVA já será obrigatório, mas, mesmo aí, só para as empresas com um volume de negócios acima dos 250 mil dólares. “É um linear alto, um dos mais altos do mundo; mas necessário devido ao nível de informalidade de Angola”, explica o coordenador.

A ideia é que o limite vá baixando de forma progressiva, com a expectativa de haver um alargamento da base tributária. “Muitas [empresas] já nos informaram que vão preferir aderir” durante o período transitório, porque poderão deduzir o IVA e pedir o reembolso ao fisco, diz Sequeira. Isso explica que a maior parte do encaixe da receita esteja prevista acontecer a partir de 2020. O IVA, ao tributar apenas o “valor acrescentado”, vai acabar com o efeito de cascata do actual imposto de consumo, que só garante cerca de 5% da receita do Estado. Ao mesmo tempo, haverá um imposto especial sobre as bebidas alcoólicas, o tabaco e bens nocivos à saúde.

Incentivar os consumidores

A chegada do IVA acontece num momento em que a economia angolana está com dificuldades em crescer. Depois de uma queda de 1,7% em 2018 e com a actividade petrolífera a recuar mais de 8%, o FMI está a prever uma recuperação para este ano, com o PIB a avançar 2,5%. É igual lançar o IVA quando uma economia está com dificuldades em arrancar ou quando está numa situação de franco crescimento económico? Responde Miguel Correia: “Desde que a implementação seja devidamente faseada, tudo poderá funcionar bem, independentemente do ciclo económico. Um segundo ponto que ajuda é a criação de limiares de isenção elevados para fazer com que o imposto não abarque de imediato toda a economia”.

Hoje, em Angola, as empresas podem entregar as declarações periódicas de forma electrónica ou em papel. Mas a maioria do tecido empresarial ainda apresenta por via física.

A comunicação electrónica das facturas acontecerá de forma gradual. Pelo novo regime jurídico da facturação, as empresas acima do patamar dos 250 mil dólares passarão a ser obrigadas a emitir esses documentos através de programas informáticos. O objectivo é caminhar para um sistema digital. “O nosso regime de comunicação electrónica é como se fosse o E-factura português. Formámos um diploma dois em um. Portugal tem a comunicação do SAF-T e o E-Factura. O nosso diploma do SAF-T é amplo”, diz Adilson Sequeira.

Angola não exclui criar incentivos fiscais aos consumidores, seguindo um caminho que existe em Portugal. Nada está fechado e só a partir de 2020 é que a hipótese começará a ser estudada a fundo, diz Adilson Sequeira.