A cara de Robert Redford

O Cavalheiro com Arma, o melhor filme da carreira de David Lowery, vai fazer Robert Redford desistir de desistir de ser actor? Talvez chegue, finalmente, o Óscar que nunca ganhou.

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O toque pessoal de David Lowery é o grande plano: “O meu instinto enquanto realizador é colocar a câmara o mais próxima possível da cara do actor:”

Em 2017 Robert Redford recebeu um prémio de carreira no Festival de Cinema de Veneza, juntamente com a sua velha amiga e habitual co-protagonista Jane Fonda. Na conferência de imprensa do seu filme romântico Nós, ao Anoitecer, que Redford produziu, o actor, e fundador do Festival Sundance, então com 81 anos, declarou que a sua idade começava a fazer-se sentir.

“De repente percebemos que temos que começar a ter cuidado”, afirmou.

Um ano mais tarde anunciou que O Cavalheiro com Arma, de David Lowery, que Redford também produziu, iria ser o seu último filme enquanto actor. Mas depois algo aconteceu. Tanto os espectadores como os críticos adoraram o filme, com a revista New Yorker a qualificar a sua actuação como “um ponto alto da sua carreira”.

“Quando ele subiu ao palco no Festival de Cinema de Telluride e percebeu o quanto as pessoas gostavam dele, tenho a certeza de que isso o afectou”, admite Lowery, falando um mês depois no Festival de Cinema de Zurique. “Estou certo de que está a ajudá-lo a reconsiderar algumas coisas.”

Lowery, conhecido pelos filmes História de um Fantasma e Amor Fora da Lei, subiu nas fileiras cinematográficas através dos laboratórios de workshops do Sundance. “O Bob estava a realizar Regra de Silêncio quando eu estava nos laboratórios, por isso nessa altura nunca o vi”, recorda Lowery, de 38 anos. “Só o conheci quando me reuni com ele no seu escritório para falar deste filme, e foi uma experiência assustadora. Ele ainda era o lendário actor e o tipo que criou o Festival de Cinema Sundance. Ainda era um argumento de Mr. Redford. Ainda não era o Bob.” 

“Ouvi falar dele pela primeira vez por causa do Sundance. Quando tinha aí os meus 10 anos a minha mãe mostrou-me um artigo sobre o Festival de Cinema Sundance e nessa altura eu já queria ser realizador, mas não sabia que tipo de realizador. Então li aquele artigo sobre Robert Redford e filmes independentes no Sundance e pensei, ‘Ok, isto parece-me muito bem, vou nesta. Quero fazer filmes independentes e ir ao Sundance’. Por isso, o facto de estar a realizar um filme com Robert Redford, e já é o segundo depois de A Lenda do Dragão, faz-me sentir que ultrapassei os meus objectivos iniciais.”

Lowery tinha estado a desenvolver O Cavalheiro com Arma antes de A Lenda do Dragão, o filme de 2016 da Disney para toda a família, que acabou por ficar pronto antes. “Perguntei ao Bob se ele estaria interessado em participar naquilo e fiquei muito contente por ele ter aceitado, porque permitiu-me reescrever aquela personagem mais especificamente para ele. Só se fica a conhecer mesmo bem uma pessoa depois de fazermos um filme com ela. É uma experiência muito intensa. Temos que escavar com elas a um nível muito visceral, e quando acabamos esse processo ficamos com uma boa noção de quem são.”  

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Robert Redford, que ganhou um Óscar da Academia como realizador de Gente Vulgar em 1981 e recebeu um Óscar honorário em 2002, nunca ganhou um Óscar enquanto actor, apesar de ter sido nomeado em 1974 por A Golpada

Admite que inicialmente estava aterrorizado. “Quem vir as dailies de A Lenda do Dragão ouve-me a dar-lhe indicações e a minha voz está a tremer. Mas ao mesmo tempo ele foi excelente a pôr-me à vontade. Ele sabe que as pessoas têm uma imensa  consideração por ele, vêem-no como um ícone, mas ele sabe como aliviar a situação. Tenho a certeza de que ele sabia quão nervoso eu estava e de uma certa forma até se divertiu com isso.”

Obviamente com a ajuda do argumento de Lowery, Forrest Tucker, a personagem da vida real que Redford interpreta em O Cavalheiro com Arma, assenta-lhe como uma luva. Um criminoso inveterado e especialista em fugas da prisão que escreveu livros (não publicados) sobre as suas façanhas antes da sua morte em 2004, Tucker certamente teria aprovado o retrato que Redford faz de si.

Lowery, que baseou o seu argumento num artigo de 2003 de David Graan publicado na New Yorker, explica que Tucker era um criminoso carismático da velha guarda, pertencia a uma época mais ingénua que já há muito desapareceu. É aquilo a que se chamaria “avozinho de pistola”, veste-se de forma elegante e as mulheres adoram-no. Acabou de sair da prisão, mais uma vez, e tem hipóteses de manter uma relação com Jewel, interpretada por Sissy Spacek.

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David Lowery filmou em 16 mm para conseguir o aspecto do cinema dos finais dos anos 60 e inícios dos anos 70 Eric Zachanowich

Mas simplesmente não consegue resistir a mais um ou outro golpe com os seus velhos comparsas, interpretados por Danny Glover e Tom Waits. E no fim de contas não conseguimos deixar de simpatizar com estes velhos tolos e torcemos para que a “brigada do reumático” tenha êxito.

“Se esta história se passasse em 2018 eu não limparia a imagem de Forrest Tucker, absolutamente não, ele seria um vilão”, admite Lowery. “Mas há qualquer coisa na névoa diáfana da história que nos permite romantizá-lo. Sempre achei fascinante e divertido nós gostarmos tanto de fora-da-lei e os miúdos na América terem posters de Tony Montana e de Scarface nas paredes do quarto.”

“O género do western/fora-da-lei provém de como a América foi formada. Eram um bando de rebeldes que se insurgiram contra a instituição que os oprimia, por isso há qualquer coisa muito apelativa acerca de um tipo que enfrenta um banco, uma instituição, e isso é um mito que perdura e é inseparável da nossa cultura. Mas à medida que a nossa cultura progride, começo a questionar-me se não será algo que eu devo abandonar.”

Esperamos certamente que Lowery não se submeta demasiado ao politicamente correcto norte-americano, pois com O Cavalheiro com Arma ele conseguiu o melhor filme da sua carreira.

Como um verdadeiro cineasta, ele foi buscar inspiração aos seus realizadores favoritos. “Heat — Cidade sob Pressão é um dos melhores filmes sobre crime jamais feitos e o Michael Mann em geral é um mestre desse género, e se bem que eu tenha percebido que nunca o poderia igualar, pelo menos através dos seus trabalhos conseguia perceber os fundamentos do género. Depois fui mais atrás e vi alguns dos filmes mais antigos que adoro, como Cidade sob Pressão e Rififi, também, obviamente, filmes antigos com Redford.”

Para conseguir o aspecto do cinema dos finais dos anos 60 e inícios dos anos 70, filmou em 16 mm. “Percebi que o filme de 16 mm agora parece o que o de 35 mm parecia naquela altura. Agora a tecnologia avançou tanto que o 35 mm é muito mais vívido e definido e eu queria que este filme tivesse um ambiente mais antiquado. Por isso usámos Super 16, para que parecesse mais ter o aspecto dos filmes de então.”

Admite que o seu toque pessoal, a sua assinatura, é o grande plano.

“O meu instinto enquanto realizador é colocar a câmara o mais próxima possível da cara do actor. Quero estar sempre lá em cima ao pé deles. Neste caso eu queria estar ao pé da cara de Redford, porque eu queria perceber quem é ele agora. Temos uma imagem dele criada por todos os seus filmes famosos e de uma certa maneira ele nunca envelheceu no ecrã, mesmo tendo envelhecido em frente aos nossos olhos. Ele é sempre Robert Redford. Ele é sempre o Sundance Kid.”  

O plano preferido de Lowery

“Há uma cena em que ele está a conduzir e a afastar-se do local do golpe e baixa a janela do carro e eu mantenho esse grande plano durante mais tempo do que seria normal e esse é o meu plano favorito em todo o filme, porque percebo tanto o que ele é, a sua atitude. O Bob pode nem ter percebido que estávamos a filmar, era apenas ele a conduzir. Foi um momento bonito, em que não nos preocupamos com o enredo, não nos preocupamos com a estrela, estamos apenas a ver este homem que é efectivamente uma lenda, um ícone do grande ecrã, e somos confrontados com quem ele é de uma forma muito palpável.”

Casey Affleck, que colabora regularmente com Lowery, interpreta John Hunt, o detective desgrenhado que persegue Tucker. Affleck insistiu que a sua personagem deveria ter um bigode.  

“Eu queria que ele no começo do filme tivesse o ar de alguém que já desistiu de tudo, e uma barba muito ligeira parecia ser uma boa opção. O Casey tinha acabado de entrar num filme para o qual tinha deixado crescer a barba, pelo que chegou ao local das filmagens com um cabelo comprido e pediu-me que a personagem tivesse um bigode.”

Uma das premissas do filme é que Hunt aprende gradualmente a apreciar as maneiras e a classe de Tucker e limpa a sua própria vida pessoal. É certo que os dois actores interagem muito bem um com o outro. Poderá Affleck ser o novo Redford?

“Eles são actores muito parecidos, mas não creio que estrelas de cinema de agora possam ser estrelas de cinema como Robert Redford foi”, responde Lowery. “As estrelas de cinema já não funcionam e trabalham dessa forma. Se Casey se tivesse tornado um estrela em 1968, aí sim, ele teria chegado ao nível de Redford, mas dado que é uma estrela agora ele nunca vai chegar àquilo e nem sequer o deseja. E não há um problema com isso. Mas faz-nos pensar em como Hollywood mudou e como o star system mudou e o que são os nossos ideais no que toca às pessoas que queremos ver no ecrã.”    

Quanto a Redford, poderemos ter que esperar para saber a sua decisão final quanto ao papel de actor até à edição do Sundance de 2019, onde inevitavelmente vai estar presente na conferência de imprensa de abertura. Um filme que ele produziu, The Mustang, da realizadora Laure de Clermont-Tonnerre e com Matthias Schoenaerts como protagonista? (que faz de filho de Jane Fonda em Nós, ao Anoitecer), terá também aí a sua estreia mundial. 

“O Bob já não quer ouvir um assistente de director chegar ao pé dele e dizer ‘Daqui a duas horas estamos prontos’. Nesta altura da sua vida isso é uma coisa que ele não precisa de fazer. Por isso, se ele vai ou não participar como actor mais alguma vez, logo veremos. Sei que ele quer realizar outro filme, ou talvez se fique apenas pela produção, que é o que ele está sempre a fazer. Não creio de forma alguma que ele vá abandonar totalmente o cinema. Se um papel realmente bom lhe aparecer à frente ele vai ter que o aceitar, porque ele adora representar.”

Por incrível que pareça, Redford, que ganhou um Óscar da Academia como realizador de Gente Vulgar em 1981 e recebeu um Óscar honorário em 2002, nunca ganhou um Óscar enquanto actor, apesar de ter sido nomeado em 1974 por A Golpada. Na próxima cerimónia dos Globos de Ouro, o veterano de 82 anos está nomeado na categoria de Melhor Actor em Musical ou Comédia. Esperemos que a Academia siga este exemplo. Seria fazer história. E manchetes. Redford tornar-se-ia o mais velho actor nomeado para a categoria de Melhor Actor na história dos Óscares, e de alguma forma isso parece mesmo acertado.

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