Bolsa de Lisboa perdeu seis empresas em 2018 e três ficaram à porta

Em 2018, saíram seis empresas da Euronext Lisbon, com destaque para BPI, Luz Saúde e Sumol+Compal. E nos últimos meses, ficaram pelo caminho as entradas da Sonae MC e a dispersão da Vista Alegre, enquanto a Science4you pediu mais tempo.

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NFS Nuno Ferreira Santos

Depois dos anos críticos de 2014 a 2016, com as quedas do BES, da ESFG e do Banif, e o quase desaparecimento da Portugal Telecom, a bolsa nacional fica marcada este ano pela saída de seis empresas, o maior número de abandonos desta década. E, naquele que é outro sinal de preocupação, outras tentaram aceder à bolsa e não conseguiram, por condições adversas dos mercados e falta de investidores nacionais. A estes dois casos soma-se o da Science4you, que conseguiu ganhar tempo no mês de Dezembro para tentar entrar na bolsa em 2019.

A saída do mercado de capitais por parte do BPI, no passado dia 14 de Dezembro, foi a mais relevante do ano que agora termina, já que foi até há pouco tempo um dos motores do principal índice da Euronext Lisbon, o PSI-20. Além do banco, deixaram também de estar cotadas a Sumol+Compal, Luz Saúde, SDC (ex-Grupo Soares da Costa), Transinsular e Cipan (estas duas últimas estavam no Euronext Acess, um mercado com critérios menos exigentes do que o Euronext).

O rombo na já reduzida dimensão da bolsa nacional aconteceu, como destaca Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, no ano em que “economia registou o melhor crescimento da década”. Para este responsável, ligado a actividade de corretagem do banco, “o cenário só não é mais negativo porque apesar de tudo estamos a falar de pequenas capitalizações (small caps). Nos anos anteriores houve saídas mais dramáticas como as da PT, BES, Brisa, Cimpor, cada uma com capitalização superior ao conjunto das que saem este ano”.

Empurradas pelas OPA

No caso do BPI e da Luz Saúde, a retirada está ligada às ofertas públicas de aquisição (OPA) lançadas pelos catalães do Caixabank e dos chineses da Fosun, respectivamente, que acabaram depois por avançar com operações para assegurar o controlo total.

Na última sexta-feira, o Caixabank anunciou ter ficado com 100% das acções do BPI, após ter exercido o direito que obriga à venda dos títulos que ainda estavam nas mãos de pequenos accionistas. A estratégia que permite absorver a instituição financeira portuguesa pelo grupo catalão custou 108 milhões de euros, usados para ficar com os 5,1% do capital que ainda estavam no mercado. Isto depois de ter sido obrigado pelo auditor independente a pagar 1,47 euros por acção, mais dois cêntimos face ao valor que o Caixabank tinha avançado inicialmente. Hoje, e depois das saídas do BES e Banif, e também do Montepio (via unidades de participação), apenas o BCP representa a banca no PSI20.

Pouco antes do anúncio do BPI foi a vez da Luz Saúde, no final de Novembro. A retirada da antiga Espírito Santo Saúde não deixa de ter um certo simbolismo, já que a sua entrada em bolsa, no início de 2014, foi a maior operação deste género nos últimos cinco anos. Depois de ter ganho logo em 2014 a maior corrida a uma cotada no âmbito de uma OPA, a Fidelidade, controlada pela Fosun, optou por retirar a empresa do mercado ao comprar os 1,2% que ainda estavam dispersos. Aqui, deu-se o caso peculiar do valor a pagar por acção ser superior ao estipulado pelo auditor independente. O auditor nomeado pela CMVM chegou ao preço de 5,52 euros por acção, mas a Fidelidade vai pagar 5,71 euros, uma vez que foi esse o valor estabelecido há poucos meses num negócio intra-grupo que envolveu a Fosun internacional.

Já no caso da Sumol+Compal, empresa com marcas emblemáticas de bebidas que entrou na bolsa de Lisboa em 1987, o seu maior accionista, a Refrigor, tinha pedido para sair do mercado de capitais no final do ano passado, alegando a reduzida dispersão de capital (menos de 7%) e o “aparente afastamento dos accionistas minoritários da vida societária e institucional”.

As seis saídas ocorridas este ano “emagreceram” a Euronext Lisbon, um processo que se tem vindo a verificar ao longo de vários anos, e que é também visível no PSI20, actualmente constituído por 18 entidades em vez das 20 que ditaram o seu nome.

Desde o início desta década, os anos com mais saídas foram 2013 e 2016, com quatro retiradas do mercado em cada um (não foi possível uma análise mais recuada, feita com base em dados da Euronext e do site do regulador, a CMVM). Em 2013, o destaque vai para a Brisa (já não integrava o PSI-20 um ano antes). Já em 2016 foi o ano da saída formal do BES e da ESFG, na sequência do colapso do Grupo Espírito Santo em 2014 (ano em que as acções deixaram logo de ser transaccionadas) e que acabou por arrastar também a PT, actualmente com uma dimensão muito reduzida (via Pharol).

Também o Banif marcou as contas de 2016 pela negativa, ao sair do mercado após ter sido intervencionado pelo Banco de Portugal em Dezembro de 2015. Todas estas entidades tinham um peso muito relevante no PSI-20 tal como, aliás, a Cimpor, que deixou de cumprir os critérios para estar no índice em 2012, após a OPA da brasileira Camargo Corrêa, acabando por sair da bolsa em 2017.

Mais saídas do que entradas

O processo de saídas da bolsa teria menos impactos se houvesse um fluxo de entradas e de idêntica dimensão, mas isso não tem acontecido. Contas feitas, com base nos dados da Euronext Lisbon e nos da CMVM, houve 24 saídas de bolsa desde 2010 até agora, e apenas 10 entradas, com capitalização bolsista bem menor.

Antes da OPV da Espírito Santo Saúde em 2014, os principais casos de chegadas ao mercado foram protagonizados pelos CTT (uma reprivatização) e a experiência do Montepio, ambos em 2013 (a instituição financeira mutualista acabou por sair em 2017).

Em 2018, por exemplo, há três casos, mas de pequena expressão. A Raize, vocacionada para empréstimos a PME, dispersou 15% do capital no Euronext Acess (antiga Easynet), o mesmo mercado ao qual a Farminvest fez uma admissão técnica (sem dispersão de capital). Depois, também a Flexdeal, uma Sociedade de Investimento Mobiliário para Fomento da Economia (SIMFE), aderiu ao Euronext e está no mercado desde o passado dia 24 de Dezembro. A empresa tinha um ano para ser admitida em mercado regulamentado, como exige a lei, e o prazo estava a esgotar-se.

Antes de entrar na bolsa, a Flexdeal fez um aumento de capital por colocação particular, com dispersão de 31% do capital por pequenos investidores (a holding Método Garantido detém 68% do capital da empresa, liderada por Alberto Amaral).

Conforme explicitou a Euronext, as SIMFE pretendem “dar acesso (indirecto) a novas fontes de financiamento, designadamente a investidores de mercado de capitais, a empresas de menor dimensão que teriam maior dificuldade em abrir directamente o seu capital em bolsa”. No caso da Flexdeal, esta já investiu em diversas empresas, como é o caso da Lanidor, através de posições minoritárias e, principalmente, de prestações acessórias de capital.

Sonae MC e Vista Alegre travam

O ano de 2018 fica também negativamente marcado pela tentativa frustrada de duas empresas para entrar na bolsa nacional, e de uma outra que mantém ainda a esperança de o conseguir em 2019, após um primeiro passo em falso. A gorar as operações esteve a turbulência e volatilidade verificada nos mercados accionistas, com incertezas sobre o crescimento das grandes economias e maior aversão ao risco.

Após um ciclo de valorização a nível global, verificou-se uma tendência de descida nas bolsas. O PSI-20 perdeu 14,4% desde o final de Setembro, ficando abaixo do patamar dos 5000 pontos (longe dos 8000 pontos do início da década). Já o índice tecnológico norte-americano Nasdaq caiu 8,36% na semana antes do Natal, a maior queda desde Novembro de 2008, e foi o primeiro dos três grandes índices a entrar tecnicamente no chamado bear market  (nome dado a um ciclo descendente do mercado) após cair mais de 20% desde o seu pico em Agosto.

Para além das condições adversas nos mercados financeiros, as recentes tentativas de dispersão de capital também foram prejudicadas pela ausência de uma base de investidores nacionais, que conhecem melhor as empresas, situação que se tem agravado significativamente nos últimos anos. O colapso de vários bancos nacionais e de outras operações de venda e de concentração no sector financeiro ditaram o menor peso dos investidores institucionais portugueses, como fundos de investimento, fundos de pensões e gestoras de patrimónios.

Lançadas na segunda metade do ano, no período de maior turbulência nos mercados, o que levou à desistência de várias entradas em bolsa a nível mundial, também as operações dos grupos Sonae e da Visabeira não chegaram a “bom porto”. Em declarações ao PÚBLICO, Paulo Rosa, do Banco Carregosa, defende que os cancelamentos e o adiamento, todos no último trimestre do ano, “devem ser atribuídos ao momento dos mercados, nacional e internacionais”. E diz acreditar que, “noutras circunstâncias, as operações pudessem ser realizadas”.

A 11 de Outubro, a Sonae SGPS (grupo dono do PÚBLICO) anunciou o cancelamento da oferta pública de venda (OPV) de acções da Sonae MC (holding que detém o retalho alimentar), devido a “condições adversas dos mercados”. A ideia era dispersar entre 21,7% e 33,7% do capital, maioritariamente junto de investidores institucionais estrangeiros.

Cerca de um mês depois foi a vez da Vista Alegre não conseguir atingir os seus objectivos. “A deterioração acentuada dos mercados financeiros vivida em especial desde o lançamento da oferta levou-nos à decisão de suspensão da operação de dispersão, dado haver alguma incerteza no sucesso integral da mesma” afirmou na ocasião o presidente da Vista Alegre Atlantis, Nuno Marques, ao PÚBLICO. O objectivo mínimo era angariar 30,5 milhões de euros (30.481.823 acções a um euro), com a dispersão de 17,5% do capital em bolsa, onde hoje está presente de forma residual.

A forma como estas duas operações se desenrolaram colocaram interrogações sobre a iniciativa da Science4you, empresa de brinquedos pedagógicos que quer entrar na bolsa e arrecadar 15 milhões com a dispersão de 44,1% do capital (entre novas acções e títulos existentes) na Euronext Growth (orientada para as PME, e situada entre a Acess e a Euronext).

A oferta arrancou a 28 de Novembro, e deveria ter sido finalizada a 14 de Dezembro. No entanto, nesse mesmo dia a empresa fundada e liderada por Miguel Pina Martins deu nota de que a operação iria ser prolongada em cerca de um mês e meio, de modo a estabelecer um contrato de liquidez com um intermediário financeiro (market maker), de forma a tornar as acções mais atractivas junto dos investidores.

De acordo com fontes do mercado ouvidas pelo PÚBLICO, sem esta estratégia a operação teria mesmo ficado pelo caminho por falta de procura (o prospecto estabelece como mínimo a colocação de 2.040.817 acções, a 2,45 euros, o que representa um encaixe de cinco milhões).

Agora, o fim da oferta será a 1 de Fevereiro, com o apuramento dos resultados mercado para três dias depois. Ao PÚBLICO, Miguel Pina Martins diz, por escrito, que a estratégia ligada ao contrato de liquidez surgiu devido aos “comentários de investidores relativamente aos receios com a liquidez do título”.

“Temos indicadores positivos e acreditamos, até ao último dia, na estabilização do mercado e no sucesso da nossa operação”, afirma o empresário. Seja bem ou mal sucedido, o resultado da OPV da Science4you já só entra para as contas de 2019.

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